Como o seu comportamento afeta suas finanças pessoais
Quando o assunto é enriquecer, o comportamento é mais importante do que o conhecimento técnico. É o que argumenta esse especialista em seu novo livro.
Richard Fuscone se aposentou aos 40 anos. Executivo do banco Merrill Lynch e formado em Harvard, tornou-se um milionário e virou filantropo. Ao mesmo tempo que o patrimônio de Fuscone engordava, outro homem, Ronald Read, consertava carros em um posto de gasolina e limpava o chão de uma loja.
Em meados de 2000, Fuscone (o milionário) fez um grande empréstimo para reformar sua mansão de 11 banheiros. E aí veio a crise de 2008. Fuscone perdeu tudo, menos as dívidas. Em 2014, sua mansão foi executada.
Seis meses depois da venda, Read (o faxineiro) morreu. No seu testamento, deixou US$ 2 milhões para a família e US$ 6 milhões para a caridade. A história ganhou as manchetes: como um homem simples tinha acumulado tanto dinheiro?
É fácil. Read havia passado décadas investindo suas poucas economias em ações, e saiu da vida para entrar na história como um grande filantropo. Read era paciente; Fuscone, impulsivo.
Essa é a história que abre A Psicologia Financeira, novo livro de Morgan Housel já traduzido para 38 idiomas. A tese central do economista é mostrar que, quando se trata de atingir o sucesso financeiro, o comportamento é muito mais relevante do que o conhecimento técnico.
No trecho a seguir, o autor fala de outro assunto instigante: o poder da diversificação dos investimentos – já que poucos negócios triunfam de fato, e é impossível prever quais.
Capítulo 6: Devagar e Sempre
Heinz Berggruen fugiu da Alemanha nazista em 1936. Ele se estabeleceu nos Estados Unidos, onde estudou literatura na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Segundo a maioria dos relatos, ele não parecia ser particularmente promissor durante a juventude. No entanto, na década de 1990, Berggruen havia se tornado um dos negociantes de arte mais bem-sucedidos de todos os tempos.
Em 2000, Berggruen vendeu parte da sua enorme coleção de Picassos, Braques, Klees e Matisses ao governo alemão por mais de 100 milhões de euros. Era um valor tão baixo que os alemães efetivamente consideraram aquilo uma doação. O valor de mercado da coleção estava bem acima de US$ 1 bilhão.
É impressionante que uma pessoa tenha sido capaz de formar uma coleção tão repleta de obras-primas. A arte é mesmo subjetiva. Como alguém conseguiu prever, com tanta antecedência, quais seriam as obras mais cobiçadas do século? Alguém poderia dizer que é “habilidade”. Ou, então, “sorte”. A firma de investimentos Horizon Research tem uma terceira explicação. E ela é muito relevante para os investidores.
“Grandes investidores compraram vastas quantidades de obras de arte”, escreve a empresa. “Alguns subconjuntos dessas coleções provaram ser excelentes investimentos, e foram mantidos por um período longo o bastante para permitir que o retorno do portfólio convergisse em direção ao retorno dos melhores elementos dele. É simplesmente isso.”
Grandes negociantes de arte operam como fundos de índice [os ETFs, que espalham o dinheiro dos cotistas entre as dezenas, ou centenas, de ações que compõem algum índice, como o Ibovespa ou o S&P 500]. Eles compram tudo que podem. E compram portfólios, não peças individuais de que gostaram. Em seguida, eles sentam e esperam até que alguns vencedores apareçam. É simplesmente isso.
É provável que 99% das obras de arte que colecionadores como Berggruen adquiriram ao longo da vida tenham acabado se mostrando de pouco valor. Mas isso não importa muito se o 1% restante for composto por obras de artistas como Picasso. Berggruen podia estar errado na maioria das vezes, e, ainda assim, estar absolutamente certo.
Muitas situações nos negócios e nos investimentos funcionam dessa forma. Caudas longas — os extremos mais distantes de uma sequência de resultados — exercem uma influência enorme nas finanças, quando um pequeno número de eventos acaba sendo responsável pela maioria dos resultados.
Pode ser difícil processar isso, mesmo quando você entende de matemática. É contraintuitivo que um investidor possa estar errado metade das vezes e, ainda assim, ficar milionário. Isso mostra que subestimamos como é normal a maioria das coisas não dar certo. E como, por sua vez, reagimos exageradamente quando elas dão.
Aanimação Steamboat Willie, de 1928, a primeira aparição de Mickey Mouse, colocou Walt Disney no mapa. Já o sucesso nos negócios foi outra história. O primeiro estúdio de Disney faliu. Seus filmes eram absurdamente caros de produzir e financiados em condições estapafúrdias. Em meados da década de 1930, Disney já havia produzido mais de 400 desenhos animados. A maioria era de curtas, a maioria era adorada pelos espectadores e a maioria causou prejuízos astronômicos.
Branca de Neve e os Sete Anões mudou tudo. Os US$ 8 milhões que o desenho faturou nos primeiros seis meses de 1938 [o equivalente a US$ 150 milhões de 2021] estavam em uma ordem de grandeza maior do que qualquer outra coisa que a empresa já havia ganhado.
Aquilo transformou os estúdios de Walt Disney. Todas as dívidas da empresa foram sanadas. Funcionários importantes receberam bônus e tiveram seus contratos renovados. A empresa adquiriu um novo estúdio de última geração em Burbank, Califórnia, onde permanece até hoje. Um Oscar fez Walt Disney passar de mero famoso a celebridade. Em 1938, ele havia produzido várias centenas de horas de filme. Porém, em termos de negócios, os 83 minutos de Branca de Neve eram tudo o que importava.
Qualquer coisa que seja enorme, lucrativa, famosa ou influente é o resultado de um evento de cauda — um evento distante entre milhares ou milhões de outros eventos. E a maior parte da nossa atenção é desviada para coisas enormes, lucrativas, famosas ou influentes. Quando a maior parte daquilo a que prestamos atenção é resultado de um evento de cauda, é fácil esquecer quão raros e poderosos eles são.
Algumas indústrias movidas a eventos de cauda são óbvias. O capital de risco, por exemplo. Se uma sociedade de capital de risco faz 50 investimentos, ela provavelmente espera que metade deles dê errado, que dez se saiam muito bem e um ou dois sejam maravilhas que respondam por 100% dos retornos do fundo. A Correlation Ventures já fez essas contas. Dos mais de 21 mil financiamentos de risco de 2004 a 2014: 65% perderam dinheiro; 2,5% tiveram um rendimento de dez a vinte vezes; 1% obteve um retorno superior a vinte vezes; 0,5% — cerca de cem das 21 mil empresas — teve um rendimento de 50 vezes ou mais. É daí que vem a maior parte dos retornos nesse setor.
Muita gente pode pensar que é isso que torna o capital de risco tão arriscado. E todos que investem em sociedades de capital de risco estão cientes disso. A maioria das startups dá errado, e a gentileza do mundo só comporta alguns megassucessos. Quem deseja retornos mais seguros, previsíveis e estáveis deve investir em grandes empresas de capital aberto.
Pelo menos é assim que a maioria pensa. Mas lembre-se de que a cauda orienta tudo. Ao longo do tempo, a distribuição do sucesso entre ações de grandes empresas não é tão diferente assim do capital de risco. A maioria das empresas de capital aberto fracassa, algumas se saem bem e outras se tornam vencedoras extraordinárias, respondendo pela maior parte dos retornos do mercado de ações.
Certa vez, o J.P. Morgan Asset Management publicou a distribuição de lucros do Russell 3000 Index – uma ampla coleção de empresas de capital aberto [com 3 mil companhias] – desde 1980. Quarenta por cento das ações que compõem o Russell 3000 perderam ao menos 70% do seu valor e jamais se recuperaram.
Em termos reais, todo o retorno do índice veio de 7% das empresas que o compõem, que tiveram desempenho superior em pelo menos dois desvios-padrão. Esse é o tipo de coisa que você espera do capital de risco. Mas foi o que aconteceu dentro de um índice diversificado e previsível. A sina da maioria das empresas de capital aberto não poupa nenhum setor. Mais da metade de todas as empresas de capital aberto de tecnologia e telecomunicações perdem a maior parte do seu valor e nunca se recuperam. Mesmo entre empresas de serviços públicos, a taxa de fracasso é superior a uma em dez.
Vejamos por exemplo uma dessas empresas: a produtora Carolco, ex-integrante do Russell 3000 Index. A Carolco produziu alguns dos filmes de maior sucesso das décadas de 1980 e 1990, incluindo os três primeiros da série Rambo, O Exterminador do Futuro II, Instinto Selvagem e O Vingador do Futuro. A empresa abriu seu capital em 1987. Foi um triunfo estrondoso, e produziu sucesso atrás de sucesso. A receita gerada em 1991 foi de meio bilhão de dólares [US$ 980 milhões de hoje] — muito dinheiro na época, sobretudo para um estúdio de cinema.
E, então, faliu.
Os sucessos de bilheteria pararam, projetos de grande orçamento fracassaram e, em meados da década de 1990, a Carolco tinha ficado para trás. Ela decretou falência em 1996. As ações caíram a zero. Uma perda catastrófica, que quatro em cada dez empresas de capital aberto experimentam em algum momento. A história da Carolco é digna de ser contada não por ser única, mas por ser corriqueira.
Eis a parte mais importante disso: o Russell 3000 cresceu mais de 73 vezes desde 1980. Um retorno espetacular. Isso, sim, é sucesso. Quarenta por cento das empresas do índice efetivamente fracassaram. Mas os 7% que tiveram um desempenho extremamente bom foram mais do que suficientes para compensar os fracassos.
Da mesma forma que Heinz Berggruen, mas com a Microsoft e o Walmart em vez de Picasso e Matisse.