As ações da montadora de Elon Musk chegaram à ionosfera, e seguem à toda. Faz sentido comprar a essa altura? Impossível cravar, mas o fato é que ela passou a entregar resultados sólidos.
No dia 22 de outubro de 2020, a B3 passou a permitir que investidores comuns comprassem papéis de empresas estrangeiras (antes, só podia quem tivesse pelo menos R$ 1 milhão investido). Foi o dia de estreia dos BDRs, os recibos de ações gringas, para o grande público. E o papel mais negociado ali foi o de uma empresa que tinha dado prejuízo de US$ 862 milhões em 2019: a Tesla, que segue entre os BDRs mais queridos.
Ela talvez seja a empresa mais sexy do planeta. A Tesla criou a demanda por carros elétricos, e mudou a rota de toda a indústria automobilística. Seus veículos recebem atualizações pela internet e andam sozinhos – têm o sistema de direção autônoma mais bem desenvolvido do mundo automotivo. Cada um de seus lançamentos vira objeto de desejo. E seu fundador cultiva uma aura de super-herói, de forma bem-sucedida.
Só tinha um problema: faltava dar lucro. Mas essa história mudou na segunda metade de 2019. Pela primeira vez, a empresa registrou lucro por dois trimestres seguidos. Até então, não faltava quem apostasse na falência da Tesla – a empresa já tinha queimado US$ 5 bilhões desde 2014, e parecia incapaz de se tornar uma montadora de verdade, longe de encarar as Toyotas e Volkswagens da vida.
Mas a chegada dos lucros criou uma guinada. Seu valor de mercado estava em US$ 32 bilhões em junho de 2019. Em janeiro de 2020, o preço somado de todas as ações da companhia já tinha dado um salto de 128%, para US$ 75 bilhões. Isso já fazia dela a terceira montadora mais valiosa do planeta, atrás apenas da Toyota e da Volkswagen, e bem à frente da GM e da Ford.
Só tem um detalhe: a Tesla fabricou 365 mil carros em 2019. Isso é o que Ônix e Ford Ka vendem a cada ano no Brasil. A concorrência global está outro patamar: a Ford produziu 2,4 milhões de carros em 2019; a GM, 7,7 milhões. Toyota e Volkswagen, mais de 10 milhões.
Os lucros da Tesla, na faixa de US$ 100 milhões por trimestre, também não faziam cócegas nas grandes, que tiram bilhões de dólares a cada quarter sem fazer força.
Logo, o consenso entre os analistas no início do ano era o de que a Tesla estava cara demais. Mas faltou combinar com os investidores, porque as ações da empresa de Elon Musk continuaram subindo. Aqueles US$ 73 bilhões de janeiro já tinham virado US$ 183 bilhões em junho. A Tesla deixava Toyota e Volkswagen para trás, assumindo o posto de montadora mais valiosa do mundo, mesmo com uma produção pífia.
E era só o começo. Ela fecharia 2020 cotada em US$ 670 bilhões. Some o valor de mercado da Toyota (US$ 215 bi) e do da Volkswagen (US$ 99 bi). Dá US$ 314 bi. Agora multiplique por dois. Ainda não dá o da Tesla.
Quem apostou nas ações da montadora agradece. Cada R$ 10 mil ali aplicados em janeiro de 2020 viraram R$ 83 mil no fim do ano. Uma alta de 730%.
Ok. Isso significa, então, que estamos diante de uma das maiores bolhas da história? Para o JP Morgan, sim. O banco americano acredita que o valor de mercado “justo” da Tesla, baseado nas perspectivas que a empresa tem para os próximos anos, é de US$ 80 bilhões – um pouco mais do que ela valia em janeiro de 2020.
O igualmente respeitável Goldman Sachs tem outra opinião. Seu exército de analistas acha que o valor correto para a Tesla é de US$ 690 bilhões – em linha com o valor atual.
E há quem preveja bem mais. A Ark, uma casa de análise americana, acha que a Tesla bate fácil em US$ 6 trilhões – três vezes mais que a Apple, a empresa mais valiosa do mundo hoje.
As análises mais otimistas não são exatamente achismo. Apesar de ainda não chegar aos calcanhares das montadoras tradicionais em termos de faturamento e de produção, a Tesla está, sim, ficando mais sólida.
De 2019 até o terceiro trimestre de 2020, ela somou cinco quarters consecutivos de lucro (os números do último trimestre do ano passado não tinham saído até o fechamento desta edição). Bom, o número que importa para os analistas é o lucro nos últimos 12 meses. A Tesla amealhou US$ 556 milhões nesse ínterim. A Volkswagen, US$ 5,2 bilhões. A Toyota, US$ 13,2 bilhões. Mas tem um detalhe. O lucro da Toyota caiu 23,4% em relação ao mesmo período de 2019. O da Volkswagen, 66%. Culpa da pandemia, lógico. Já o da Tesla cresceu 51%. Respeitável.
Por conta disso, a montadora de Elon Musk ganhou um presente importante em dezembro: passou a integrar o S&P 500, o clube das 500 maiores empresas dos EUA. É que, para fazer parte desse rol, não basta ter um valor de mercado estratosférico. A empresa precisa entregar resultados. O critério mais importante, então, é ter apresentado lucro por quatro trimestres consecutivos, o que a Tesla já tinha feito.
Entrar para o S&P 500 não é só uma honraria, claro. Fazer parte do índice mais importante dos EUA é algo que, por si só, pode aumentar o preço das ações de uma empresa. É que todo país do mundo tem algumas coisas em comum: hino, bandeira, time de futebol e algum fundo de ações que investe no S&P 500 (geralmente ETFs, os fundos que você compra pelo home broker).
No Brasil mesmo, o ETF mais popular é o IVVB11. E olha só: ele é um ETF que replica o S&P 500 (o dinheiro que você coloca lá fica todo dividido entre as 500 maiores empresas dos EUA). O IVVB11 tem 114 mil cotistas brasileiros – mais que os 106 mil do BOVA11, que replica o Ibovespa.
Quando uma empresa passa a integrar o S&P 500, então, zilhões de fundos do mundo todo passam a comprar papéis dela automaticamente – o que garante uma demanda estável para as ações, e ajuda a manter o preço delas em patamares mais altos. Está aí um clube que nem Groucho Marx rejeitaria se fosse chamado para ser sócio.
Como não existe bobo no mercado, todo mundo correu para comprar ações da Tesla logo que veio o anúncio da entrada no S&P 500, dia 16 de novembro. De lá para cá, as ações da montadora subiram de US$ 408 para US$ 705 no final de 2020. Uma arrancada de 70% em pouco mais de um mês – coisa rara.
A produção está crescendo também. Foram 499,5 mil carros em 2020 – 37% mais do que em 2019, e pertinho da meta de meio milhão de veículos que Elon Musk tinha proposto. E o número de fábricas está crescendo. Em 2019, inauguraram uma em Xangai com capacidade para produzir 250 mil carros por ano. Em 2021, está prometida uma em Berlim, capaz de fabricar 750 mil veículos/ano. Dessa forma, a Tesla começa a se tornar uma companhia global, como suas concorrentes tradicionais.
A Tesla produziu 499,5 mil carros em 2020 – 37% mais do que em 2019, e pertinho da meta de meio milhão de veículos que Elon Musk tinha proposto.
Também planejam mais uma para reforçar a produção nos EUA. Ela está sendo construída em Austin, Texas, e será mais voltada para a produção de caminhões elétricos e do Cybertruck, a picape futurista que Elon apresentou com estardalhaço em 2019, e que, se tudo der certo, entra em produção neste ano.
Essas três fábricas se juntam às que a Tesla mantém na Califórnia (500 mil carros/ano) e em Nevada (dedicada exclusivamente à produção de baterias para os veículos). Há uma terceira, no Estado de Nova York, mas essa é dedicada apenas à fabricação de painéis solares (o outro negócio da companhia).
Demanda não é problema para a Tesla. Tudo o que eles produzem eles vendem. Até o Cybertruck, a coisa menos convencional que a montadora já apresentou, tem uma lista de espera de pelo menos 650 mil clientes.
E a grande aposta para os próximos anos é o Model Y, um SUV médio que começou a ser vendido em 2020. Como SUV tem cada vez mais se tornado sinônimo de carro, a ideia é que o Model Y responda por 70% das vendas da companhia. Um indício de que estão lançando o modelo certo, no momento exato.
1.200 anos para ter retorno
O momento da Tesla empolga. O problema é que muita gente concorda com essa ideia, e as ações dela estão, de fato, bem caras. Não em valor nominal, porque não é isso que indica o preço real de uma ação.
Para saber esse preço real, é aquela história: você precisa dividir o valor de mercado pelo lucro dos últimos 12 meses. Aí você obtém o P/L (preço sobre lucro). O P/L da Tesla é de 1.200. Isso significa que, se você comprasse a Tesla inteira hoje, precisaria esperar 1.200 anos para que o investimento desse retorno. Exato.
O P/L da Apple, para comparar, é de 38 – na média do S&P 500. Isso significa que uma ação da empresa de Elon Musk é, hoje, 42 vezes mais cara que um papel da companhia de Tim Cook. Minha Nossa Senhora. Um P/L próximo de 100 já é sinal de ação inflada, Acima de mil, então, socorro. É para chamar a ambulância imediatamente.
Claro: se o lucro da empresa cresce, o P/L tende a diminuir, entrando em um território realista. Ninguém que compra Tesla hoje imagina ficar 1.200 anos à espera de um retorno. A aposta é que o lucro da empresa engorde. Digamos: a Volkswagen lucrou US$ 23 bilhões em 2019. Se a Tesla um dia fizer o dobro disso, tranquilo. A ação pode pular dos US$ 705 do final de 2020 para U$ 2 mil, e mesmo assim o P/L dela será de módicos 38. Isso mesmo: igual o da Apple.
Essa é a aposta, então. A de que a Tesla passe a vender algo em torno de 20 milhões de carros por ano, sob uma estrutura funcional, lucrativa. Não é algo trivial. Mas a fé do mercado em Elon Musk, pelo que se vê, não conhece limites.