Carreira

Crise atrapalha estagiários na corrida por emprego 

A taxa de desemprego entre os jovens é de 31%. Por trás disso, temos uma tempestade perfeita: economia débil, pandemia e mudanças no mercado de trabalho.

Atualizado em 12 fev 2021, 13h40 - Publicado em
8 jan 2021
09h00

A taxa de desemprego entre os jovens é de 31% – o dobro do índice geral. Por trás disso, temos uma tempestade perfeita, que junta economia débil, pandemia e mudanças na estrutura do mercado de trabalho.

Texto Juliana Américo | Ilustração Augusto Zambonato | Design Laís Zanocco | Edição Alexandre Versignassi

O Brasil atingiu a sua maior taxa de desemprego na história. Você já sabe: são 14 milhões de pessoas que buscam trabalho e não encontram – o que dá 14,3% da população economicamente ativa no terceiro trimestre. O número assusta, mas tem um outro, tão preocupante quanto: o do desemprego entre jovens. Segundo o IBGE, 31% das pessoas entre 18 e 24 anos estão procurando um emprego para chamar de seu, e dando com a cara na porta. Ou seja: essa é a situação de um a cada três jovens – contra uma proporção de um a cada sete na média geral. Trata-se da maior já registrada. Um recorde que ninguém gostaria de bater.

Dados do CIEE mostram que os primeiros meses da pandemia foram os mais difíceis. Em abril, a contratação de estagiários caiu 83%. E, mesmo com um aumento gradual das ofertas de emprego, a realidade ainda está longe do patamar de 2019. Entre janeiro e outubro, foram 38% de contratações a menos.

Além da seca de novas contratações, houve a tempestade de demissões. Foi o que aconteceu com Carolina Santos, de 26 anos. A estudante de Administração estava há um ano e dez meses estagiando em uma empresa alimentícia em São Paulo quando recebeu, em setembro, a notícia de que seria demitida por conta de um corte de custos. “Isso me deixou em uma saia justa, porque o trabalho estava fluindo, eu estava aprendendo coisas de outras áreas e seria efetivada em poucos meses. A demissão veio do nada, no meio de uma crise, e preciso trabalhar para pagar a faculdade.”

Nos últimos meses, Carolina já participou de cinco processos seletivos e não conseguiu passar em nenhum. O motivo é que ela se forma no primeiro semestre de 2021 e as empresas não querem contratar – um problema comum entre alunos em fim de curso. “Teriam que me demitir ou me efetivar com pouco tempo de emprego. Nas vagas CLT, querem que eu esteja formada e que tenha experiência; mas, para conseguir experiência, preciso trabalhar. Caí nesse ciclo sem fim.”

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(Arte/VOCÊ S/A)

Wemerson Parreiras, de 21 anos, também está em uma corrida contra o tempo. O mineiro, nascido em Betim, estuda Engenharia de Produção e já trabalha como estagiário em uma empresa que fornece equipamentos industriais. “É o meu primeiro estágio. Demorei para conseguir porque não tinha experiência, e as companhias sempre pedem isso. Fiz vários processos seletivos até conseguir passar nesse. Concorri com outros 300 candidatos.”

O problema é que o contrato de Wemerson termina em fevereiro. Ele já precisava ter outro emprego na agulha, mas até agora nada. “Se antes da pandemia já estava difícil, agora está dez vezes pior.”

Precarização

75% dos estagiários contribuem com o orçamento familiar, segundo um levantamento da Companhia de Estágios, uma empresa de recursos humanos especializada na área. E estamos falando daquele salário magrinho de estagiário, claro: 53% recebem até um salário mínimo.

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A pandemia pressionou ainda mais a parte financeira, já que os pais desses jovens também perderam o emprego ou sofreram redução salarial. “Procurar um estágio para complementar a renda não chega a ser uma situação grave, mas acende um sinal amarelo. Ele vai deixar de fazer um curso ou comprar um livro para contribuir com arroz e feijão. E o foco do estágio não deveria ser esse, e sim a busca por experiência para complementar a formação”, diz Tiago Mavichian, CEO da Companhia de Estágios.

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(Arte/VOCÊ S/A)

O estudo ainda apresenta um agravante: o aumento do número de estagiários que trabalham praticamente de graça, sem receber bolsa-auxílio. O salto foi de 4% em 2019 para 10%. Acontece o seguinte: a Lei de Estágio determina dois tipos de atividade, a obrigatória e a facultativa. No primeiro caso, o estágio faz parte da grade curricular; ou seja, o estudante precisa estagiar para receber o diploma. Por causa disso, as empresas não precisam pagar salário – se precisassem, a obtenção do diploma estaria condicionada às flutuações do mercado de trabalho. Essa modalidade é comum nos cursos da área da saúde, além de Pedagogia e em licenciaturas (Letras, História, Matemática e outros que capacitam o formando a dar aulas).

No caso do estágio não obrigatório, a lei prevê o pagamento de auxílio-transporte, seguro contra acidentes pessoais, férias remuneradas e bolsa-auxílio ou “outra forma de contraprestação”. Aí é que está a pegadinha. Essa contraprestação pode ser, por exemplo, o pagamento da mensalidade da faculdade ou de algum curso.

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A alta registrada na pesquisa não está relacionada ao aumento no número de estudantes em cursos que exigem o estágio. Vamos aos fatos. A quantiade de alunos que ingressam em cursos de bacharelado é maior que os de licenciatura. De acordo com o Inep, em 2019, 66% dos universitários eram de bacharelado, contra 19,7% de licenciatura e 14,3% de tecnólogos. Os dados de 2020 ainda não foram divulgados, mas é improvável uma mudança nesse cenário, já que essa proporção se mantém desde 2009.
Além disso, dos dez cursos que mais formaram profissionais, só quatro fazem parte dos que exigem o estágio obrigatório (Pedagogia, Enfermagem, Psicologia e Educação Física com formação de professor), e eles somam 233 mil dos 1,2 milhão de universitários que vestiram a beca em 2019.

Por fim, os dados históricos do levantamento da Companhia de Estágios registravam uma queda de estagiários sem bolsa-auxílio antes da crise: de 17% (em 2016 e 2017) para 6% (2018) e depois 4% (2019). Com a pandemia, a prática voltou a crescer, e agora um em cada dez estagiários trabalha sem ser remunerado basicamente pela esperança de que surja uma vaga CLT até o final do contrato.

Como toda essa precarização, a taxa de inadimplência nas faculdades tem aumentado, idem para o número de jovens que desistem da universidade. Segundo dados do Sindicato de Mantenedoras dos Estabelecimentos de Ensino Superior, a quantidade de alunos que deixaram de pagar mensalidades aumentou 30% no primeiro semestre de 2020. Já a evasão universitária subiu 14% – 423 mil alunos trancaram seus cursos.

Nem estuda, nem trabalha

A dificuldade para os mais jovens é um clássico do mercado de trabalho. No primeiro trimestre de 2012, a taxa de desemprego no grupo de 18 a 24 anos era de 16,4%, enquanto a média nacional estava em 7,9%. A falta de emprego deu um salto em 2015, por conta da recessão iniciada no ano anterior. A distância entre a taxa geral e a dos mais jovens aumentou, e seguiu crescendo desde então.

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(Arte/VOCÊ S/A)

“A ausência de um crescimento econômico expressivo nos últimos anos impede que as empresas absorvam todos os jovens que estão entrando no mercado. Não tem espaço. Além disso, os profissionais mais velhos estão se aposentando cada vez mais tarde, porque o valor pago pelo INSS não é suficiente para se manter”, afirma Marcelo Gallo, superintendente nacional de operações do CIEE.

Tem mais. Com as empresas sem dinheiro, é cada vez mais comum esticar os contratos de estágio até não poder mais. A companhia pede para o estagiário adiar a entrega do TCC, por exemplo, para poder continuar contando com a mão de obra barata por mais tempo.

Os cenários que vimos aqui têm a ver com baixo crescimento econômico. Se o PIB voltar a crescer com alguma força, tudo muda de figura. Mas há outra questão, que parece mesmo ser um caminho sem volta: o mercado de trabalho passa por uma mudança drástica no mundo todo. A ascensão dos robôs deixou de ser ficção científica, e tem destruído vagas menos qualificadas, justamente aquelas que são ocupadas pelos mais jovens (e pelos mais pobres, mas aí é outra história, ainda mais complexa). O telemarketing, por exemplo, sempre foi uma porta de entrada para quem não tinha experiência e precisava de emprego. Nos últimos anos, porém, o número de vagas na área diminuiu brutalmente por conta dos sistemas de inteligência artificial, que fazem o trabalho sozinhos sem pedir salário em troca.

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Nisso, cada vez mais jovens ficam na mão, no mundo todo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê que o número de jovens que não trabalham nem estudam – os famosos “nem-nem” – chegue a 273 milhões de pessoas em 2021 (eram 259 milhões em 2016).
O presidente da Associação Brasileira de Estágios (Abres), Carlos Henrique Mencaci, ressalta que a baixa escolaridade agrava a situação do Brasil. “A gente tem um problema na qualidade da educação básica que dificulta a entrada no ensino superior. No final, isso afeta a empregabilidade e o salário. E, se formos analisar a vida desse jovem como um todo, vai interferir na renda familiar, moradia, estudo e saúde dos filhos.”

De fato, apenas 21% dos brasileiros de 25 a 34 anos têm diploma universitário, de acordo com a OCDE. É a média mais baixa entre as nações analisadas na América Latina. A Argentina lidera o ranking, com 40%. Depois vêm Chile (34%), Colômbia (29%) e Costa Rica (28%). Além disso, o IBGE identificou que a escolaridade dos pais é decisiva na vida acadêmica dos filhos. 69% das pessoas cujos pais fizeram faculdade seguiram o mesmo caminho. Já entre aqueles cujos pais não estudaram, apenas 4,6% terminam um curso superior.

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(Augusto Zambonato/VOCÊ S/A)

Desalento

“Se ninguém contrata, então por que mandar currículo?” É isso que uma parte dos jovens tem pensado. Dados do IBGE mostram que o número de desalentados, ou seja, daqueles que desistiram de buscar por uma vaga e nem como desempregados contam mais, triplicou entre 2014 e 2018, chegando a 1,7 milhão de jovens. Além disso, a pesquisa da Companhia de Estágios identificou que a maioria dos candidatos de até 24 anos não é chamada para uma entrevista de emprego desde 2018 (56% no caso dos estagiários e 61% dos formados). E, quando parecia que não tinha mais para onde piorar, veio a pandemia. O IPEA estima que 30% dos jovens que ainda mantinham a esperança acesa deixaram de procurar emprego em 2020.

Lorena Ávila, de 23 anos, faz parte do grupo que está sem trabalho há mais de um ano. Nascida em Santo André (SP), ela se formou em Jornalismo em dezembro de 2019, mas não consegue se recolocar no mercado desde julho do mesmo ano. “Comecei a estagiar em 2018 na agência-escola da faculdade e depois passei seis meses em um jornal do ABC paulista. Mando currículo todos os dias, de domingo a domingo, mas a maioria nem responde.”

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(Augusto Zambonato/VOCÊ S/A)

O desemprego é só um dos problemas. Lorena também está sentindo na pele a crise econômica causada pela Covid-19. Seus estágios não eram remunerados. Como tinha bolsa de estudos e a família estava com as finanças em dia, ela guardava o pouco dinheiro que recebia de alguns trabalhos freelancers e do auxílio-transporte – chegou a juntar R$ 3 mil. Acontece que os pais dela tinham duas lanchonetes e um restaurante, e com o isolamento social os negócios encolheram para uma lanchonete só. Lorena usou o dinheiro para ajudar nos negócios. “Você não consegue um emprego e começa a ver o tempo passar. A parte mais difícil de lidar é a emocional.”

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