A multinacional de Jaraguá do Sul (SC) dá uma aula de boa gestão a cada balanço – e entrega margens de lucro superiores às da concorrência de forma consistente. Logo, suas ações subiram com força nos últimos anos. Mas e aí? Elas já estariam excessivamente “caras”, como dizem tantos analistas? É o que vamos ver agora.
Texto: Alexandre Versignassi | Design: Tiago Araújo
“WEG”. O G é de Geraldo; o E, de Eggon; o W, de Werner Ricardo Voigt.
Werner que, com Eggon João da Silva e Geraldo Werninghauss fundou a WEG em Jaraguá do Sul (SC), uma cidade 50 km ao sul de Joinville.
O nome da empresa era outro: Eletromotores Jaraguá. Ela nasceu em 1961 com capital social de 3.600 cruzeiros. Dá R$ 645 de hoje. De lá para cá as coisas mudaram de figura, claro. Só no terceiro trimestre de 2020, o lucro líquido da WEG foi isso vezes um milhão: R$ 644 milhões.
É que a pequena fábrica de motores elétricos do mecânico Geraldo, do eletricista Werner e do administrador Eggon (todos já falecidos) se tornou uma multinacional de primeira grandeza. São 11 parques fabris na América do Norte, sete na Europa, quatro na África do Sul, três na Coreia do Sul, um na Índia mais os 15 que eles mantêm no Brasil, onde dominam o mercado de motores elétricos. Se você não é da área, tenha em mente que esse tipo de motor é tão onipresente quanto o oxigênio.
Portão de garagem, trem, máquina de lavar, bomba d’água, ar condicionado, navio, equipamento de mineração, betoneira, empilhadeira. Tudo isso precisa de motores elétricos, feitos sob medida para cada aplicação. E a WEG produz 43 mil desses motores por dia. 16 milhões por ano.
Além disso, já faz tempo que eles expandiram para outras áreas: robôs de automação industrial, painéis solares, geradores para hidrelétricas, software de inteligência artificial para linhas de montagem, tinta (20 milhões de litros por ano) – o que faz da WEG um polvo hipertrofiado, com tentáculos em todos os cantos.
Na indústria, porém, tamanho não é documento. A habilidade do dono da ferramenta é fundamental. Por “habilidade”, entenda-se a capacidade de extrair lucro sobre as toneladas de dinheiro que essas gigantes investem. Por exemplo: a General Electric, fundada por Thomas Edison em pessoa há 130 anos, e concorrente da WEG no mercado global, levanta só US$ 8 mil de lucro a cada US$ 1 milhão investido.
Se você entende do riscado, já sabe que estamos falando de uma métrica superimportante – o ROIC (“retorno sobre capital investido”, em inglês). Bom, o ROIC da GE, neste momento, é de 0,8%. O de outra concorrente dos catarinenses, a Siemens, é bem melhor: 12%. O da WEG? 23%. Para cada milhão de dólares investidos, eles tiram um lucro de US$ 230 mil. “São números surpreendentes para uma empresa industrial”, diz o último relatório do BTG Pactual sobre a empresa. Pois é.
Nisso, a WEG aumenta seus ganhos paulatinamente. Em 2010, a companhia lucrou R$ 534 milhões; em 2017, R$ 1,1 bilhão; em 2019, R$ 1,6 bilhão. Para 2020, de acordo com os analistas do BTG, a estimativa é que o ano feche com um ganho de R$ 2,3 bilhões.
Tudo isso com um bônus contábil: ela tem mais dinheiro em caixa (R$ 2,2 bi para fazer o que bem entender) do que dívidas (R$ 1,9 bi, quase tudo de longo prazo). Se a WEG precisasse pagar todas as suas dívidas hoje, não precisaria de refinanciamento, e ainda sobrariam R$ 300 milhões na mão. Isso diz tudo sobre a saúde financeira da companhia.
Outro ponto a favor da estabilidade da empresa é sua baixa exposição ao “risco Brasil”. Metade da receita da catarinense é em dólar, o que ajuda a blindá-la das intempéries da economia nacional – e que fez bem ao caixa da empresa, já que a moeda americana valorizou-se 80% diante do real nos últimos três anos.
Por conta desses fundamentos sólidos como granito, a ação da WEG foi a que mais subiu na bolsa em 2020: 130% até o início de novembro. Não só em 2020. O papel custava R$ 16,50 no final de 2017. Três anos depois, passou de R$ 80 – quase cinco vezes mais.
E o valor de mercado da WEG, ou seja, o valor somado de todas as ações da empresa, subiu de R$ 35 bilhões para os atuais R$ 170 bilhões. Um salto de quase 400%, que colocou dez herdeiros de Werner, Eggon e Geraldo na lista de bilionários brasileiros da revista Forbes. E que, claro, também fez a alegria dos pequenos acionistas: cada R$ 10 mil investidos ali viraram R$ 49 mil.
Mas há um detalhe incômodo nessa história. O lucro de 2017 para cá não subiu tudo isso. Se as análises estiverem corretas, ele terá “apenas” dobrado. Daí surge a questão mais crítica para qualquer investidor: as ações da empresa já não estão caras demais?
Vamos ver. Um jeito de determinar se uma ação subiu demais ou de menos é calcular o seguinte: ver de quantos anos do lucro atual uma companhia precisa para “pagar” o valor de mercado dela. No caso da WEG, levando em conta o lucro que eles tiveram nos últimos 12 meses (R$ 2,1 bi), dá 80 anos – em termos mais técnicos, esse número, o 80, é o P/L (preço sobre lucro) da companhia. Bom, o P/L médio das 77 empresas que formam o Índice Bovespa é de 15. O da Siemens, 25. O da Apple, 33. Sim, a Apple atua num setor que nada tem a ver com a WEG, mas, além de valer mais do que o PIB brasileiro, conta com um ROIC de 40%.
Isso significa que a ação da WEG está mais cara que a da Apple? Significa. Também vale notar que praticamente toda a escalada no preço das ações aconteceu de 2019 para cá. Curvas íngremes demais tendem a indicar excesso de otimismo.
É basicamente o que a XP acha. Para a corretora, o preço “justo” de uma ação da WEG, levando em conta os lucros que a companhia pode gerar lá na frente, seria de R$ 68. O BTG é mais otimista. Até meados de outubro, os analistas do banco achavam que R$ 52 era o preço racional da ação. Mas após aquele balanço do terceiro trimestre de 2020, aquele do lucro de R$ 644 milhões (54% superior ao do 3T19), eles refizeram as contas. E o preço-alvo agora é de R$ 90.
Os analistas do BTG achavam que R$ 52 era o preço racional da ação. Mas, após o balanço do 3T20, refizeram as contas. E o preço-alvo agora é de R$ 90.
A alta recente das ações da WEG coincide com as da Tesla – ainda que a montadora de Elon Musk tenha subido mais: 520% nos últimos 12 meses. É que a WEG já produz motores para caminhões e ônibus elétricos. Logo, tem potencial para equipar carros elétricos também – e para criar redes de recarga rápida.
Até outro dia, falar em carros elétricos era só um exercício ingênuo de futurologia. Não mais. A União Europeia pretende banir a fabricação de carros com motor a combustão em 15 anos. A Califórnia, que não gosta de ficar para trás no mundo das medidas ambientalmente corretas, já assinou o mesmo compromisso.
Tem lei que pega e tem lei que não pega. Mas o fato é que as montadoras embarcaram nessa – seja por marketing, seja por concordar com a inviabilidade ambiental dos carros movidos a combustível fóssil, todas têm programas firmes de eletrificação.
E tem a Tesla. A companhia que só fabrica carros elétricos se tornou a mais valiosa de toda a indústria automobilística. Hoje ela vale US$ 400 bilhões. Para entender melhor o que isso significa, junte todas as ações da Toyota, segunda colocada em valor de mercado, da Volkswagen, a terceira, e da Honda, a quarta. Ainda vão faltar US$ 100 bilhões para chegar ao valor da montadora de Elon Musk.
Esse é o tamanho real da aposta nos carros que abastecem na tomada. Se ela realmente se pagar, uma produtora de motores elétricos como a WEG, com fábricas no mundo todo e fama de confiável, terá uma possibilidade considerável de crescer bem mais do que já cresceu. Caso isso aconteça, o preço atual da empresa talvez seja visto como uma barganha no futuro. Mas claro: como tudo o que envolve renda variável, não existem certezas absolutas. É uma grande aposta – tal qual aquela que Werner, Eggon e Geraldo fizeram em Jaraguá do Sul, há 59 anos.