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Propriedade: privadas. A empresa que vende vasos sanitários high tech

Com anulador de odores, bidê acoplado e secadora de bumbum, eles têm mais tecnologia que um carro. E custam tanto quanto um.

Por Marcos Nogueira
Atualizado em 18 out 2024, 09h36 - Publicado em 8 jan 2021, 14h38
Sérgio Mizoguchi, o proprietário.
Sérgio Mizoguchi, o proprietário. Sua empresa começou com vasos comuns, então percebeu que havia demanda para algo mais inusitado.  (Carlos Pedretti/VOCÊ S/A)
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Missão do dia: testar a Mercedes das privadas. Assim o empresário Sérgio Kenji Mizoguchi, 39 anos, definiu o vaso sanitário Neorest 550H. O aluno de quinta série que mora no meu cérebro acordou, arregalou os olhos e foi buscar pipoca – aquele seria um dia e tanto.

A Neorest me aguardava em um sobrado atulhado de caixas de papelão na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Lá funcionam o escritório de Mizoguchi e o mostruário da Toto – marca japonesa que é referência mundial em tecnologia para banheiros. Na pandemia, o showroom parou de receber clientes e virou depósito informal.

Discreta e pálida como qualquer privada, a Neorest não impressiona à primeira vista. Aproxime-se dela, porém, e a tampa se ergue como que por encanto. Uma luz suave guia o jato para o alvo nas expedições noturnas ao banheiro. O assento se aquece e, ao sentir o peso do usuário, aciona um mecanismo bloqueador de odores.

Descarga, fechamento de tampa e autolimpeza também são automáticos, mas a estrela do show é o bastão retrátil que surge ao toque de um botão. O apêndice desempenha a função de bidê. Um bidê que esguicha água e ar aquecidos para lavar e secar. Pode ainda pulsar (com jato intermitente) e oscilar (com movimentos de expansão e retração do acessório).

A comparação com a Mercedes faz sentido pelo luxo da coisa, mas a Toto está mais para o Batmóvel das privadas – faz o que nenhuma outra faz. No quesito preço, a Neorest se aproxima de um carro popular. Custa R$ 30 mil, contra os R$ 34 mil da versão mais simples do Chery QQ.

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Em primeiro plano, com design heterodoxo, a Neorest, de R$ 30 mil. (Carlos Pedretti/VOCÊ S/A)

Fundada em 1917, a Toto do Japão é a maior produtora mundial de louças sanitárias: são 11 milhões de peças por ano, entre vasos, pias, banheiras e assemelhados. No início dos anos 1980, inventou o washlet: é o nome dado ao assento com bidê acoplado.

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A Toto possui fábricas em nove países, a principal nos Estados Unidos, e sede administrativa em Kitayushu – onde mantém um museu dedicado à privada, atração turística mais famosa da cidade. No mercado japonês, sua participação atinge formidáveis 60% do setor.

No Brasil, a marca não tinha representação comercial até o ano 2000. Foi quando Massaharu Mizoguchi, pai de Sérgio, teve a ideia de diversificar seus negócios. Dono de uma fábrica de argamassa e de um passaporte japonês, ele buscava um produto singular.

“Meu pai queria algo com três características principais”, conta Sérgio. “Alta qualidade, que você encontra nos artigos feitos por japoneses para japoneses, algo que não existisse no Brasil e uma mercadoria que, além de útil, fosse ligada à construção civil, o ramo em que ele atuava.”

São três predicados de respeito, mas nenhum explica a aposta no luxo para um nicho em que o marketing é, para dizer o mínimo, complicado. Como alguém conclui que vai ganhar dinheiro vendendo privadas pelo preço de um carro?

“O luxo surgiu com as demandas dos clientes”, explica o empresário. “Quando começou, meu pai pedia só os modelos mais simples; tábua aquecida e nada mais.”

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Um vaso comum com bidê eletrônico embutido na tampa – bem mais em conta. (Toto Brasil/Divulgação)

Massaharu viajava ao Japão e trazia amostras. Claro que uma privada não cabe na mala, então ele voltava apenas com o washlet.

Foi quando surgiu o primeiro contratempo da operação: as louças brasileiras não obedecem a nenhum padrão internacional de medidas. As tábuas japonesas não se encaixavam nelas.

Se quisesse vender assento hi-tech com vento quente, Massaharu precisaria trazer também as bacias de porcelana. O desafio logístico aumentava, mas ele encarou a parada. Começou a vender privadas completas para um público que ia muito além do nicho da comunidade nipo-brasileira: 90% dos compradores dos vasos Toto não têm ascendência asiática.

O segundo entrave à operação viria em 2008, quando a Toto decidiu operar diretamente no Brasil, com importação e vendas próprias. “Tínhamos ainda produto em estoque”, conta Sérgio, “mas não poderíamos trazer mais nada”.

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Cansado de tanto abacaxi, Massaharu pôs em marcha a transição geracional. O filho Sérgio pausou a carreira acadêmica em química para cobrir licença médica do gerente comercial da importadora.

“A intenção era deixar tudo em ordem para fechar a empresa, mas comecei a vender horrores”, lembra ele, que acabaria assumindo integralmente a gestão do negócio familiar, em 2012.

O talento recém-descoberto foi a descarga de energia que faltava para o negócio deslanchar. Mesmo com a própria Toto a abastecer as lojas de design da Alameda Gabriel Monteiro da Silva, a equipe de Sérgio seguiu responsável por 80% das vendas de louças da marca japonesa no Brasil.

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Era inevitável a reaproximação com o fornecedor. Quando o estoque de Sérgio acabou, ele renovou os termos da parceria. Abriu uma nova empresa, a Toto do Brasil (até então, a PJ do pai abarcava a operação), e passou a comprar dos japoneses. A Toto original manteve a exclusividade da assistência técnica.

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Sérgio, então, voltou a ser o soberano dos vasos sanitários de luxo no Brasil – a rede Fast Shop responde por uma pequena fatia das importações.

Duas outras companhias disputam esse segmento de mercado. A Denfa, de fabricação chinesa e sede brasileira no Paraná, e a americana Kohler – fabricante de artefatos luxuosos para cozinha e banheiro, com alguns vasos automatizados no portfólio. Não existem números comparativos de venda.

A Toto do Brasil instala cerca de 60 vasos automatizados por ano. Já foram mais de 500 Neorest vendidas desde que a Mercedes das privadas chegou ao país. A Ferrari das privadas – um modelo Toto que custa
R$ 83 mil nos Estados Unidos – não está à venda por aqui.

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Sérgio Mizoguchi atende pessoalmente os clientes mais importantes. Gente que dispõe de dezenas de milhares de reais para equipar o banheiro. São banqueiros, empreiteiros, proprietários rurais, nomes graúdos da indústria e da política.

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“Atendimento sempre foi o nosso forte”, diz. Sérgio fidelizou e expande a carteira de compradores com a ancestral sabedoria dos mascates: tratar cada cliente como se fosse o único, como se fosse seu melhor amigo.

Em tese, a empresa entrega e instala somente na região metropolitana de São Paulo. Na prática, mercadoria e vendedor viajam para onde o dinheiro os levar. Sérgio já transportou bacias para fazendas e praias, de carro e de avião.

É fácil imaginar uma pessoa muito rica desfrutando o conforto de um banheiro de alta tecnologia no aconchego doméstico, mas essa é só uma fração da demanda por propriedades, digamos, privadas. Nas torres empresariais, escritórios de altos executivos são equipados com sanitários exclusivos e, claro, as espetaculares porcelanas nipônicas.

 

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Sérgio apresentando o controle remoto da Neorest. (Carlos Pedretti/VOCÊ S/A)

Entre os clientes corporativos da Toto do Brasil estão as sedes paulistanas de grupos japoneses: Toyota, Sumitomo, Itochu, Daiichi Sankyo, entre outras. Empresas de puro-sangue brasileiro também são clientes, a exemplo do banco Itaú, que, segundo Sérgio, adquiriu um desses vasos para o banheiro da sala do conselho de administração.

As privadas Toto aparecem em poucos espaços públicos. “Há alguns anos entrei também no ramo de importação de saquês, o que me pôs em contato com os donos de todos os restaurantes japoneses bons e caros”, diz Sérgio.

Test drive na rua

Caso você tenha interesse em fazer um test drive, o vaso tecnológico equipa os banheiros do Jojo Ramen, uma casa de macarrão japonês no bairro paulistano do Paraíso. Como vantagem adicional, o cardápio traz excelente comida por preços sensatos – uma Neorest equivale a 1.071 porções de frango frito do restaurante [Nota do editor: Marcos Nogueira, autor deste texto, é o responsável pelo blog de gastronomia Cozinha Bruta, da Folha de S.Paulo].

Outra chance de testar é dar um pulo na Japan House, centro cultural mantido pelo governo do Japão na Avenida Paulista, que conta com instalações equipadas com os vasos.

Atualmente, a Toto do Brasil importa quatro tipos de vaso, com preços para o consumidor a partir de R$ 2.400. O modelo que a Japan House usa, mais caro que a Neorest, se tornou inviável comercialmente, devido à depreciação do real. Mas os frequentadores do centro cultural não sabem disso. “Continuo sendo procurado por gente interessada em comprá-lo.”

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Sérgio não vê vantagem em fazer publicidade para seu produto. “Percebi que a propaganda boca a boca é a que funciona melhor.” De fato, trata-se de um nicho dentro do nicho, algo muito específico e difícil de acertar o tom na comunicação – reúne higiene íntima e luxo extremo num só produto, afinal.

Por mais que queira ficar na miúda, Sérgio precisa conviver com os momentos de celebridade da privada Mercedes. Ele conta que, certa vez, o vaso-robô foi atração no Mais Você, da Globo, com direito a uma breve demonstração de funcionamento. A procura explodiu.

“A Ana Maria Braga só me trouxe curiosos”, recorda o empresário.  Ele prefere a operação low-profile, com a típica discrição japonesa. Apenas no fim da  entrevista, ele conta que sua casa tem uma privada automatizada Toto.

“Preciso testar o produto que vendo.” Sem dúvida. “E, depois de usar a Neorest, não dá para se acostumar de volta com o papel higiênico.”

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