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Nas asas do ATL-100

A Desaer projeta um avião pequeno para disputar um mercado abandonado por empresas como Embraer, Boeing e Airbus.

Por Guilherme Eler | Design: Laís Zanocco | Edição: Tássia Kastner
Atualizado em 17 jun 2021, 18h16 - Publicado em 7 jun 2021, 18h07
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Evandro Fileno, um dos fundadores e CEO da startup de aviões. (Desaer/Divulgação)
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O roteiro para quem mora em cidades do interior e precisa viajar de avião é sempre o mesmo. Entrar primeiro em um ônibus ou carro por centenas de quilômetros até o aeroporto mais próximo – quase sempre em uma capital – só para, então, cruzar o portão de embarque e voar até o destino desejado. Dos 5.570 municípios brasileiros, apenas 96 têm voos regulares. Como a procura em cidades pequenas e médias é pequena, simplesmente não compensa para as empresas aéreas tradicionais colocar seus jatos enormes para decolar dessas regiões. Afinal, tirar do chão um avião de 200 lugares com apenas 20 ou 30 passageiros a bordo é puro prejuízo.

A Desaer enxergou na expansão da aviação regional um nicho de mercado e decidiu investir num tipo de aeronave compatível com a demanda de cidades menores: um turboélice para 19 passageiros. O modelo voa a 380 km/h e tem autonomia para 1.600 quilômetros, mais ou menos a distância entre São Paulo e Cuiabá. Mas não só isso. Ele serve também para transporte de cargas, o que atende a pequenas empresas de logística, e também como avião de exército. Servirá, na verdade. O modelo, chamado ATL-100, ainda está em fase de desenvolvimento – existe apenas no papel.

A fabricante é uma típica startup. Foi fundada em 2017, não tem fonte de receita e ainda depende de dinheiro de investidores para crescer. A sede da empresa é em São José dos Campos, a mesma cidade da Embraer e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), reconhecido como um centro de excelência de formação de profissionais. Por sinal, foram ex-funcionários da Embraer que decidiram criar a Desaer.

Com o ATL-100, a empresa tentará explorar um segmento aéreo que já viveu dias melhores. “A gente fez uma pesquisa de mercado e descobriu que hoje existem 5 mil aeronaves dessa categoria voando pelo mundo”, diz o engenheiro Evandro Fileno, CEO e um dos sócios-fundadores da empresa. “Todas essas aeronaves foram criadas entre as décadas de 1960 e 1980. Grande parte delas teve sua linha de produção interrompida. Ninguém estava pensando nessa categoria.” A própria Embraer serve como exemplo: a produção do Bandeirante, primeiro avião comercial criado no Brasil, que tem 21 lugares e foi lançado em 1968, foi suspensa no final de 1991. Hoje a companhia só fabrica jatos – na aviação comercial, o menor deles transporta de 37 a 50 passageiros.

A Desaer projeta um avião pequeno para disputar um mercado abandonado por empresas como Embraer, Boeing e Airbus.

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De acordo com Fileno, mais de 2 mil aeronaves com essas especificações precisarão deixar o mercado até o fim da próxima década. Só que as grandes fabricantes, como Boeing e Airbus, estão dedicadas a modelos de grande porte, o que deixa a pista mais livre para a Desaer tentar atender esse mercado.

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Desenho do ATL-100, turboélice da Desaer que, por enquanto, existe apenas no papel. (Desaer/Divulgação)

Novos mercados

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Mas a startup não mira só a substituição dos modelos antigos. Existem planos do governo federal e de alguns Estados, como São Paulo, para expandir a aviação regional no Brasil. De acordo com o Ministério da Infraestrutura, os investimentos para a compra de equipamentos de navegação aérea, reforma e construção de novos aeroportos vão chegar a R$ 997 milhões entre 2019 e o final de 2021.
A meta do governo é fazer com que, até 2025, 200 cidades do Brasil contem com voos regulares.

Em abril, o governo de São Paulo anunciou que pretende leiloar 22 aeroportos nas regiões sudeste e noroeste do Estado – o que permitirá a criação de novas rotas regionais. São trajetos que definitivamente não vão precisar de aviões de 200 lugares.

As companhias aéreas também vêm enxergando o setor com bons olhos, ampliando seus investimentos. Em agosto de 2020, a Azul anunciou a compra da Two Flex, uma pequena empresa aérea de Jundiaí.

Depois disso, criou o Azul Conecta, que voa distâncias curtas, chegando ou partindo de destinos alternativos – como a rota Porto Alegre/Torres, no litoral do Rio Grande do Sul, e Recife/Patos, no sertão da Paraíba.

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Segundo dados da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), só 12% dos voos comerciais percorrem pequenas distâncias. A média mundial, porém, é de 30% – o que reafirma o potencial de crescimento dessa modalidade.

Voa, ATL-100

Fileno conta que a Desaer já assinou 12 intenções de compra – sete delas por uma empresa de aviação do Uruguai, a Avintes, e cinco pela AGS, brasileira especializada em logística. O custo de venda de cada ATL-100 é estimado em US$ 5,5 milhões. O valor é o mesmo que o cobrado em um 408 SkyCourier, avião lançado pela americana Cessna em 2020, e que deve ser o principal rival da Desaer. De resto, existem no mercado basicamente aviões como o DHC  Twin Otter, lançados nos anos 1960 e perto da aposentadoria.

Só que, para decolar, o ATL-100 ainda precisa ganhar um aporte financeiro mais robusto. “Até hoje, trabalhamos com recursos próprios. Agora chegou uma demanda que não nos permite mais operar só com os nossos recursos, precisamos de investidores”, afirma Fileno.

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“O time atual não dá conta da demanda prevista. Necessitamos investimentos para contratar mais pessoas, começar a montar o protótipo e dar início ao processo de autenticação [junto à Anac].” A Desaer possui atualmente sete sócios e cerca de 40 colaboradores – vários deles com passagem pela Embraer.

Mas a distância entre a startup e a Embraer vai crescer. O escritório da Desaer fica na Incubaero, incubadora de empresas criada pela Fundação Casimiro Montenegro Filho e apoiada pelo ITA. Já a fábrica será em Araxá, cidade na região do Triângulo Mineiro.

“Até hoje, trabalhamos com recursos próprios. Agora, chegou uma demanda que não nos permite mais operar só com os nossos recursos, precisamos de investidores.”

“O governo de Minas Gerais e a prefeitura de Araxá deram um grande apoio para que a gente montasse as instalações ali.” A fábrica terá 96 mil metros quadrados de área construída, nos entornos do Aeroporto Romeu Zema.

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A produção será 100% nacional, mas a empresa será uma montadora. A ideia não é fabricar peças, mas comprar as partes de fabricantes nacionais e se concentrar apenas na montagem. “Teremos capacidade para fazer quatro aviões por mês”, diz Fileno. O início das obras da fábrica está previsto para o segundo semestre, e elas devem durar pelo menos dois anos. Assim como começou em uma incubadora, a Desaer firmou uma parceria com o Cefet-MG (Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais) para montar uma estrutura do tipo no campus da Universidade em Araxá.

Ambição além-mar

Segundo os cálculos do CEO, pelo menos US$ 67 milhões serão gastos na construção da fábrica. Os custos para desenvolver e certificar o ATL-100 somam outros US$ 104 milhões. Para conseguir o dinheiro faltante, a empresa agora negocia com investidores europeus e asiáticos. O plano é que o primeiro voo do ATL-100 aconteça no final de 2023. Se os testes ocorrerem como o esperado, a aeronave estará no mercado em 2025.

E existem, ainda, planos em curso para expandir a produção no exterior. No fim de setembro de 2020, a Desaer criou uma joint venture com a portuguesa Ceiia, que produz componentes para aviões. A companhia tem certa relação com o mercado brasileiro: a Ceiia fez parte do desenvolvimento e testes de partes do avião militar KC-390, da Embraer. Da união, surgirá a Desaer Portugal, com 70% de capital brasileiro e 30% dos portugueses.

Juntas, elas devem instalar uma fábrica na pequena Ponte de Sor, cidade de 16 mil habitantes ao nordeste de Lisboa. O movimento é uma tentativa de atender ao mercado da Europa e da África. “Pelo fato de a aeronave não conseguir atravessar oceanos [por conta da autonomia de voo de 1.600 km], o ideal é ter uma planta em cada continente. ” Nem a Ásia está de fora dos ambiciosos planos da Desaer. Resta saber quando ela conseguirá levantar voo.

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