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Estes empreendedores lutam por um planeta sem lixo. Você pode ajudar

Necessidade de diminuir descarte de resíduos no meio ambiente gera oportunidades de negócios para empreendedores engajados e parcerias para grandes empresas

Por Nataly Pugliesi
Atualizado em 19 mar 2020, 08h00 - Publicado em 19 mar 2020, 08h00
Flávia Cunha (à esq.) e Luciana Annunziata, sócias da Casa Causa: a consultoria de gestão de resíduos atrai a atenção de grandes empresas |  (Foto: Omar Paixão/VOCÊ S/A)
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Se não mudarmos de rumo agora, seremos destruídos pelas mudanças climáticas.” A frase, dita pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, no último Fórum Econômico Mundial, que aconteceu no mês passado em Davos, é apocalíptica. Mas dá a dimensão do problema.

De acordo com ele, tanto empresários quanto autoridades públicas precisam repensar a dinâmica da economia e o modo como produzimos na indústria, nos movemos e planejamos as cidades. “Isso será essencial”, decretou António no evento, que bateu com força na tecla da preservação ambiental.

Embora figuras importantes, como Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, questionem o aquecimento global, cada vez mais os consumidores se preocupam com as demonstrações de desgaste da Terra. Movimentos como o liderado pela ativista sueca Greta Thunberg, de 16 anos, espalham-se à medida que crescem os desastres no planeta.

Só no último ano, incêndios dizimaram a população de coalas na Austrália, a cidade de Veneza, na Itália, ficou debaixo d’água e fotos de satélite mostraram, em pleno Oceano Pacífico, uma ilha de plástico três vezes maior que o território da França. “Os sinais estão evidentes e vêm sendo propagados por uma série de celebridades. Isso muda a percepção das pessoas, que se sentem inspiradas a ter um comportamento mais sustentável”, diz Angélica Salado, gerente de pesquisa da Euromonitor International, consultoria de inteligência de mercado.

 

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(Lixo zero/VOCÊ S/A)

Em 2019, a Euromonitor fez uma pesquisa global sobre estilo de vida com cerca de 30 000 pessoas ao redor do mundo e mostrou que 64% delas acreditam ser possível fazer a diferença melhorando suas escolhas de consumo, 61% estão preocupadas com as mudanças climáticas e 35% pretendem comprar itens de segunda mão para frear o descarte.

Outro estudo, denominado Who Cares, Who Does, da Kantar, líder global em dados e insights sobre comportamento do consumidor, ouviu mais de 65 000 pessoas em 24 países e detectou que um terço delas está em alerta com as questões ambientais, sendo que 16% já adotam práticas para diminuir seu impacto individual no planeta.

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Ao aplicar um filtro na América Latina, a consultoria descobriu que 72% dos respondentes carregam sacola reutilizável para fazer compras ou garrafinha de água para refil. “É uma mudança na forma de consumir. E, quanto maior o PIB e o acesso à educação, maior o engajamento com a questão ambiental”, afirma Kesley Gomes, diretora da Kantar Worldpanel.

É possível perceber mudanças até na geladeira do brasileiro. Levantamentos recentes da Kantar, por exemplo, refletem isso. A pesquisa Who Care, Who Does mostrou que 27% dos lares no Brasil tiveram algum tipo de alteração de hábito alimentar no último ano, como redução do consumo de produtos industrializados, refrigerantes, açúcar e carne vermelha. Além disso, o estudo revelou que quase metade dos entrevistados (48%) espera que as empresas façam mais para cortar resíduos plásticos.

Menos resíduos

Atentos, gigantes como Nestlé, Coca-Cola, Unilever, Walmart e Carrefour já se comprometeram a transformar todas as suas embalagens em reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis até 2025. No Brasil, a Coca-Cola espera que até o final deste ano 40% das garrafas que produz sejam retornáveis.

É essa onda que surfam os chamados negócios de “lixo zero”. Embora não existam dados consolidados sobre o crescimento desse tipo de empreendimento, especialistas veem uma guinada nas iniciativas. “Nos últimos anos, houve um aumento de empresas voltadas para a temática do lixo zero, principalmente as que comercializam produtos para substituir itens plásticos descartáveis de uso diário, como canudos, copos, sacolas e artigos de higiene”.

É o que afirma Denise Hamú, representante do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente no Brasil. “Perfis e páginas que fornecem informações sobre substituição de descartáveis e consumo consciente ganham centenas de seguidores diariamente. E isso indica um interesse da população pela temática”, completa.

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A geógrafa Lívia Humaire, de 37 anos, é um exemplo. Em 2014, decidiu mudar os hábitos de consumo e diminuir 85% da produção de lixo de sua família, documentando tudo nas redes sociais (seu Instagram ­­@­ ­transicoes_ecologicas tem 12 000 seguidores).

Em 2017, ela fez uma viagem à Europa para pesquisar negócios revolucionários de desperdício zero. Voltou convencida de que havia ali uma oportunidade e de que abriria algo com esse viés no Brasil. Foi assim que nasceu, em setembro de 2018, a loja Mapeei — Uma Vida Sem Plástico, em São Paulo.

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Lori Vargas, sócia da loja Mapeei: produtos voltados para quem quer uma vida sem plástico | Foto: Alexandre Battibugli (VOCÊ S/A)

Para executar a ideia e levantar investimento, ela (que hoje está morando na Suíça) iniciou uma campanha de crowdfunding no Catarse. Arrecadou, na época, 16 650 reais. O restante do aporte, cerca de 100 000 reais, veio do próprio bolso e da sócia, a atriz e designer de moda americana Lori Vargas, de 44 anos. “Tudo que entra é reinvestido na loja. Não temos lucro, mas já alcançamos o breakeven [ponto de equilíbrio nos negócios]”, diz Lori.

O foco da Mapeei é vender produtos e ferramentas que possibilitem uma vida com menos embalagens: há de cosméticos em barras a itens como marmitas, copos e canudos reutilizáveis. Os preços variam de 5 a 143 reais. Só entram no estabelecimento artigos cuja cadeia produtiva dispense o uso de plástico.

“Nosso maior desafio é encontrar os fornecedores. Quando começamos, não havia opções. Escova de dentes de bambu, por exemplo, só lá fora. Agora já temos alguns produtores locais”, diz Lori. Na abertura da loja, as duas contavam com 200 produtos. Hoje, já são mais de 600. “Em pouco mais de um ano, nossas vendas triplicaram.”

Saíram de um único funcionário para uma gerente e três vendedoras. “Na primeira semana, nós vendemos todos os produtos e ficamos na correria atrás de mais, porque a maior parte da produção ainda é artesanal. Nossa primeira fornecedora de tecido de cera de abelha fazia as peças na sala da casa dela. Hoje ela já possui uma pequena fábrica”, diz Lori, para exemplificar o avanço desse mercado.

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Economia circular

De acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), o Brasil gerou 79 milhões de toneladas de lixo em 2018. Em média, cada cidadão produziu 380 quilos de resíduos sólidos urbanos, totalizando 1 quilo por dia.

E o plástico é um dos principais vilões. “É o mais encontrado nos mares. Hoje, de 60% a 90% do lixo presente nos oceanos é composto de diferentes tipos de plástico. E cerca de 100 000 animais marinhos morrem todos os anos por causa disso”, diz Denise Hamú, das Nações Unidas. Ela pontua ainda que apenas 9% do lixo plástico gerado no mundo é reciclado.

É por essas e outras que especialistas em economia circular, modelo que prega o fim do descarte nas cadeias produtivas, acreditam que o capitalismo terá de se reinventar. “As empresas vão precisar criar produtos que sejam duráveis, reutilizáveis ou, então, que sirvam de matéria-prima secundária em um novo processo industrial”, diz Denise.

Aldo Ometto, coordenador do Centro de Pesquisas em Economia Circular do Inova, centro de inovação da Universidade de São Paulo, concorda. “O caminho é o da reutilização. Como desenho um produto que, depois de usado, seja reincorporado ao sistema?”, diz o pesquisador, reforçando que as empresas que saírem na frente, colocando ideias de circularidade em prática, terão um ganho não só de reputação como também de receita.

A Boomera, startup especializada em transformação de resíduos em novos produtos, aposta nisso. Fundada há oito anos, ela desenvolveu um método próprio, chamado CircularPack. O mecanismo, aplicado em grandes companhias, segue seis preceitos: engajamento e sensibilização; estratégia circular; pesquisa e inovação; logística reversa; design e transformação; e novo início.

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Guilherme Brammer, da Boomera: a startup evita que mais de 60 000 toneladas de lixo sejam descartadas no meio ambiente | Foto: Germano Lüders (VOCÊ S/A)

Atendendo mais de 400 clientes, como Unilever, Natura, P&G, Down e Adidas, a Boomera cresce três vezes de tamanho a cada ano. E tem números que impressionam. Hoje, além de prestar consultoria em economia circular para gigantes fabris, a startup dá destino a mais de 60 000 toneladas de lixo anualmente, que são utilizadas como insumo para dois produtos vendidos pela própria Boomera: uma resina reciclada e uma linha de lonas, que podem ser usadas para a cobertura de piscinas, por exemplo.

Os itens, desenvolvidos em um laboratório que a Boomera mantém dentro do Instituto Mauá de Tecnologia, em São Paulo, são produzidos em uma fábrica própria por meio da transformação de garrafinhas, copos e outros produtos plásticos. Para recolher esses materiais, a startup faz uma parceria com o grupo de supermercados Pão de Açúcar, onde possui mais de 100 postos de coleta.

Quem recolhe esse “lixo” e leva para fábrica são 8 000 catadores de cooperativas treinados pela própria startup. “Nossa sociedade é pautada pelo descarte. Por isso, precisamos de muitos outros negócios pensando em soluções. Há inúmeras oportunidades nesse ramo”, diz Guilherme Brammer, de 42 anos, fundador e CEO da Boomera, que começou com três funcionários e hoje já conta com mais de 150.

Em 2019, a Boomera contratou 50 pessoas, entre engenheiros de materiais e ambientais e economistas. Neste momento, existem cinco vagas abertas para o departamento comercial.

Tendência de crescimento

Na visão de especialistas, quando os clientes se tornarem ainda mais exigentes, as companhias serão obrigadas (por uma questão de reputação e de sobrevivência) a dar uma destinação mais adequada aos artigos que fabricam. Ou seja, no futuro, profissionais e empreendimentos especializados em gestão de resíduos terão um enorme espaço. “Consultorias que souberem dimensionar o real impacto de cada negócio e conseguirem ajudar as empresas a repensar suas estratégias de produção serão muito bem-sucedidas”, afirma Angélica, da Euromonitor.

Esse é o caso da Casa Causa, consultoria de gestão de resíduos criada pela psicóloga Flávia Cunha, de 53 anos, e pela economista Luciana Annunziata, de 48, ambas com experiência em consultoria e transformação de cultura nas organizações. A dupla desenvolveu o modelo de negócios — que envolve palestras, eventos e experiências de sensibilização sobre redução de lixo — durante um programa de inovação social.

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O investimento inicial da dupla foi de 50 000 reais, utilizados para viagens de estudo, desenvolvimento do site e ações de marketing para tornar a iniciativa conhecida. Nos últimos dois anos, a consultoria cresceu 40% em faturamento, melhorou a margem de lucro (18% em eventos e 20% em consultorias) e contratou seis pessoas, a maioria para a área de marketing e comunicação.

De acordo com as sócias, os especialistas são contratados por projeto, sob demanda. Para o Carnaval deste ano em São Paulo, a Casa Causa deve contratar mais de 3 000 pessoas. Isso porque fechou um projeto com a ­Ambev para dar uma destinação adequada ao lixo produzido no evento. “Há um aumento da pressão dos consumidores sobre as marcas que não fazem gestão de resíduos. E, cada vez mais, grandes empresas nos procuram para conhecer nosso trabalho”, afirma Flávia. A meta para 2020 é aumentar em 30% o número de clientes.

Hoje são dez, entre Casa Santa Luzia, Virada Sustentável e Alelo, que contratou a Casa Causa para sensibilizar os funcionários em relação ao problema dos resíduos. “Começamos com uma palestra no aniversário da empresa, criamos mutirões de limpeza e pensamos, junto com os times, em soluções para reduzir o desperdício. Também montamos comitês para trabalhar temas como resíduos de escritório e de alimentação”, diz Flávia. Um bom sinal de que o assunto avança no mundo corporativo.

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Foto: Getty Images (VOCÊ S/A)

 

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