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Empreendedores apostam no mercado de saúde mental

O crescimento das startups de saúde mental disparou, e as companhias do ramo receberam 150% a mais em investimentos em um ano. Entenda o que elas fazem e quais são as oportunidades de negócio nesse mercado.

Por Luciana Lima | Edição: Alexandre Versignassi | Design: Laís Zanocco | Ilustração: Victor Vilela
Atualizado em 18 mar 2021, 17h58 - Publicado em 8 mar 2021, 08h00
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Texto: Luciana Lima | Edição: Alexandre Versignassi | Design: Laís Zanocco | Ilustração: Victor Vilela

Em 2016, o português Rui Brandão resolveu largar a carreira de médico e uma residência como cirurgião vascular nos Estados Unidos para empreender no ramo de saúde mental no Brasil. O gatilho para tomar a decisão rolou um ano antes: a mãe dele, que morava em Portugal, tinha recebido um diagnóstico de burnout, condição causada por excesso de trabalho, e que leva ao esgotamento físico e emocional.

Rui, que havia cursado uma parte da graduação no Brasil, entendia que o país era mais aberto a inovações na área da saúde do que a Europa. Com apenas 26 anos, fez as malas e voltou ao país disposto a criar uma startup que ajudasse pessoas como sua mãe. Nascia assim a Zenklub, uma plataforma de terapia online com preços acessíveis, a partir de R$ 80.

Para quem não conhece, funciona como um Uber de psicólogos. Você entra no site, escolhe um profissional (que publica seus preços, suas especialidades e seus horários disponíveis) e faz a consulta por vídeo, dentro da plataforma. Nos cinco anos de vida da empresa, 1,5 milhão de pessoas passaram pelo divã virtual da Zenklub. Hoje, são mais de 800 profissionais de saúde cadastrados na plataforma e 50 mil consultas realizadas todos os meses.

De acordo com a Distrito, uma aceleradora de pequenas empresas, existem hoje pelo menos 30 startups voltadas para a saúde mental em atividade no Brasil – vamos ver algumas delas ao longo desta reportagem. “Os transtornos psicológicos por muito tempo foram estigmatizados. Mas, com o passar do tempo, as doenças mentais tomaram uma proporção gigantesca. É uma oportunidade para os empreendedores”, diz Rodrigo Demarch, diretor de Inovação do Hospital Albert Einstein.

Gigantesca mesmo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas sofrem com depressão ao redor do mundo. Outros 260 milhões, com ansiedade. Só no Brasil são 12 milhões de depressivos e outros 18,6 milhões de ansiosos. Isso dá, respectivamente, 7% e 11% da população adulta, com mais de 15 anos.

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Dez anos em um

Em outubro de 2020, a OMS publicou um levantamento indicando que 93% dos serviços de saúde mental no mundo foram prejudicados ou interrompidos por conta da pandemia. Isso criou uma janela de oportunidade inédita para as terapias online.

A americana Talkspace, uma das primeiras empresas desse ramo, viu sua receita dobrar no ano passado, de US$ 27,2 milhões para US$ 50,5 milhões. O próximo passo da companhia, fundada em 2012, é se tornar a primeira empresa de saúde mental a vender ações na bolsa americana. O IPO, ou seja, a estreia na bolsa, deve acontecer neste ano, e o preço somado de todas as ações da companhia pode ficar em US$ 1,4 bilhão.

O apetite dos fundos de investimento por essas empresas também nunca esteve tão alto. Dados do PitchBook, um instituto de pesquisas, indicam que as startups de saúde mental americanas levantaram quase US$ 1,6 bilhão em investimentos em 2020. O dobro de 2019.

As torneiras estão abertas no Brasil também. Segundo um levantamento da Distrito, no ano passado as startups do ramo amealharam US$ 4,68 milhões em investimentos – 150% a mais do que em 2019, quando elas receberam US$ 1,85 milhão. “Estudos já apontavam que o mercado de serviços para saúde mental e bem-estar iria despontar nas próximas décadas. O ponto é que a pandemia acelerou o que iria acontecer daqui a cinco, dez anos”, afirma Sheila Mittelstaedt, sócia da consultoria KPMG.

Prova disso é que boa parte da engorda da brasileira Zenklub aconteceu justamente no ano passado. Em 2020, o número de clientes da startup disparou 515%. Para acompanhar o ritmo de crescimento, o time de funcionários saltou de 28 para 80 pessoas. “A pandemia educou o mercado sobre a urgência de olhar para a saúde mental”, diz Rui Brandão.

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O interesse de grandes investidores pela empresa do empreendedor também aumentou. Em maio de 2020, a Zenklub recebeu um aporte de R$ 16,5 milhões do Indico Capital Partners, maior fundo privado de venture capital de Portugal (um ano antes, a Indico já havia sido responsável pelo primeiro aporte da Zenklub, de R$ 2,5 milhões). E a cereja do bolo ainda estava por vir. Em fevereiro de 2021, a startup recebeu o maior investimento da sua história: R$ 45 milhões, liderado pela gestora de investimentos brasileira SK Tarpon – ou seja, bem mais do que todo o setor recebeu em 2020.

História recente

O conceito de terapia online não é novo. Nos anos 1990, já se debatia o uso do telefone para atendimentos psicológicos. Entre 1995 e 1998, o psicólogo americano David Sommers ficou famoso por atender pacientes via chat.

Acontece que, até pouco tempo atrás, o atendimento remoto era proibido por lei no Brasil. Em 2005, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), passou a permitir atendimentos psicológicos online apenas em caráter experimental, para fins de pesquisa – sem cobrança de honorários. Sete anos depois, em 2012, o CFP publicou outra portaria, autorizando o atendimento por psicólogos de forma virtual, porém com um limite máximo de 20 sessões e restrito apenas a “orientações” – não a consultas propriamente ditas.

Isso só foi mudar em 2018, quando o CFP liberou totalmente o atendimento online. “O crescimento de negócios inovadores sempre acaba sendo freado pela incerteza jurídica”, diz Rodrigo, do Einstein. De fato. Basta pensar que, em 2018, a americana Talkspace já operava havia seis anos. Agora, a história é bem diferente. “A regulamentação do CFP deu mais segurança para investidores e estimulou a criação de novos serviços na área”.

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Benefício corporativo

As doenças mentais são uma das maiores causas dos afastamentos e pedidos de aposentadoria por invalidez – junto com acidentes de trabalho e lesão por esforço repetitivo. Em 2020, segundo a Secretaria Especial da Previdência Social e Trabalho, 576 mil pessoas se afastaram do trabalho ou se aposentaram definitivamente por conta de transtornos mentais, número 26% maior que o registrado em 2019.
Perder bons funcionários por conta de problemas que poderiam ter sido resolvidos é um tiro no pé para qualquer empresa. E todas sabem disso. Um dos nichos que mais foram explorados após a regulamentação, então, foi o serviço para o mercado corporativo – já que o atendimento online é relativamente barato.

Empresas passaram a oferecer os serviços dessas plataformas como um benefício, subsidiando sessões para seus funcionários. E a pandemia, como era de se esperar, gerou um boom nessas iniciativas. O número de empresas atendidas pela Zenklub, por exemplo, saltou de 12, em 2019, para 200 em 2020. Hoje, o braço corporativo já responde por 40% do faturamento da empresa.

De olho nesse potencial, algumas startups já nascem focadas apenas no público corporativo. É o caso da Hisnek. Fundada pela empreendedora Carolina Dassie, de 36 anos, a empresa começou como um clube de assinaturas de snacks saudáveis, em 2014. Após cinco anos em atividade, em 2019, Carolina deu uma pivotada no negócio. “Percebemos que muitas companhias tinham psicólogos disponíveis, mas não conseguiam detectar o tamanho do problema em relação à saúde mental dos funcionários. É um tabu falar do assunto no trabalho, afinal”, diz.

Caroline, então, desenvolveu a Ivi, uma inteligência artificial. Ela auxilia no rastreamento daqueles profissionais com maior risco de desenvolver doenças mentais. A Ivi funciona por meio de um aplicativo que os funcionários instalam em seus celulares. A cada acesso, eles respondem a um questionário relativo às emoções que estão sentindo naquele dia, incluindo as causas e a intensidade dos sentimentos. Com o passar do tempo, a tecnologia consegue identificar padrões de comportamento dos usuários que podem indicar a presença (ou não) de transtornos mentais – sempre de acordo com padrões científicos. A partir daí, a Ivi oferece orientações relacionadas ao bem-estar emocional e, nos casos mais graves, encaminha os funcionários para psicólogos ou psiquiatras.

No ano passado, além de receber um aporte de R$ 1 milhão de investidores-anjos, a Hisnek teve um crescimento de 60% e passou a atender gigantes como Suzano, Ambev e Pearson Educacional.

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Outra startup que cresceu oferecendo serviços apenas para empresas foi a Mindself, uma companhia que oferece programas de meditação para o ambiente corporativo. “Estruturamos o serviço para que a prática da meditação seja vista como uma forma de exercitar o cérebro, assim como fazemos com o resto do nosso corpo, e não esteja ligada à religiosidade”, diz Wagner Lima, um dos fundadores da Mindself.

Fundada em 2019 por Wagner e Alexandre Ayres, dois ex-executivos do mercado financeiro e de tecnologia, a empresa viu seu faturamento sair de R$ 200 mil para R$ 1 milhão no ano passado. Entre os clientes da Mindself, hoje, estão empresas como Bayer, Enel e Itaú. “Também notamos um aumento na demanda por companhias menores, e de fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo”, diz Alexandre.

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(Victor Vilela/VOCÊ S/A)

Anti-insônia

A regulamentação mais flexível também favorece a criação de produtos inusitados. É o caso da startup Vigilantes do Sono. Fundada em 2020 pelo engenheiro de computação Lucas Baraças e pela psicóloga Laura Castro, a empresa oferece um chatbot para tratar pessoas com insônia. Batizado de Sônia, o robozinho interage com os usuários duas vezes ao dia: de manhã, para avaliar como foi a noite do sono, e à noite, para explicar técnicas que auxiliam a dormir melhor.

O software usa conceitos consagrados da terapia cognitivo comportamental para insônia (TCC-I). A TCC é uma linha terapêutica bastante popular, que se concentra na identificação e na mudança de hábitos dos pacientes. “Existe muito material sobre insônia na internet, mas pouca coisa baseada em estudos científicos. Então, muita gente fica perdida. Fora isso, os problemas para dormir e outras doenças mentais, como ansiedade e depressão, estão intimamente relacionados”, diz Lucas.

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O modelo de negócios da startup, de acordo com o empreendedor, é inspirado na americana Sleepio. A plataforma, fundada em 2010, também utiliza chatbots aliados à terapia cognitivo comportamental para tratar os problemas para dormir. Em 2020, inclusive, um estudo envolvendo 7.078 pacientes do NHS, o SUS britânico, detectou que o sistema da Sleepio ajudou 56% dos usuários a se livrar da insônia. O potencial da empresa despertou o interesse dos investidores. E, em junho do ano passado, a Big Health, empresa dona do Sleepio, recebeu um aporte de US$ 39 milhões dos fundos Gilde Health e Morningside Ventures.

A Vigilantes do Sono também possui alguns números expressivos para o mercado brasileiro. Até agora, ela recebeu dois aportes que somam R$ 1,1 milhão da Taqtile, empresa de softwares e ex-empregadora de Lucas. Até agora, a startup atendeu 2 mil pessoas. E o próximo passo é entrar no ramo corporativo. “Temos assinaturas individuais e planos para médicos incluírem pacientes. Mas com o produto para empresas vamos conseguir mais escala”, diz Lucas.

É isso. Do jeito que 2021 caminha, com o fim da pandemia ainda longe do horizonte, não faltarão clientes.

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