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Empreendedor faz sucesso vendendo lhamas

Davi Lima dos Santos deixou a construção civil para seguir um sonho de criança: criar lhamas. E agora ele tem um negócio extremamente promissor nas mãos.

Por Juliana Américo
Atualizado em 9 nov 2020, 08h00 - Publicado em 9 nov 2020, 08h00

Na mitologia inca, a lhama era um animal sagrado, além de símbolo da felicidade e fortuna – tanto que o deus Urcuchillay, protetor dos animais adorado pelos pastores, era representado pelo mamífero. Domesticadas há cerca de 4 mil anos pelos povos pré-colombianos, as lhamas foram um personagem importante no desenvolvimento das populações andinas, graças ao fornecimento de lã, leite, carne e seu uso para o transporte de carga. Para muitos brasileiros, ela não passa de um animal exótico que chama a atenção em viagens para as regiões andinas. Para Davi Lima dos Santos, de 40 anos, a história é bem diferente: o animal é o motivo do seu sucesso empresarial.

Nascido em Coronel Vivida, município do sudoeste do Paraná, e filho de agricultores, Davi cresceu no meio dos animais na cidade de Sulina (PR). O interesse pelas lhamas começou na infância, quando teve contato com a espécie no zoológico e no circo. “Aquele tipo de animal atraía o meu interesse, mas nem passava pela minha cabeça que seria possível ter um”, relembra o empresário. Aos 17 anos, ele saiu da pequena cidade de pouco mais de 3.500 habitantes e foi tentar a vida em Curitiba. “Fui para a capital trabalhar como azulejista em uma empresa grande de construção civil, mas não gostava. Eu trabalhava com aquilo porque precisava pagar as contas, mas não era o que eu queria para mim.”

A oportunidade de sair da construção surgiu em 2001. Davi estava visitando uma chácara em Piraquara – também no Paraná – quando se deparou com algumas lhamas. “Na época, eu não tinha noção de que ela também era um animal doméstico, e me encantei. O dono queria vender uma que estava prenha por R$ 2.500, mas eu não tinha todo esse valor. Tinha só uns R$ 1.700.” Ele, então, pegou dinheiro emprestado com os irmãos e comprou a lhama. “Ela deu cria na semana seguinte. Lembro até hoje: era uma machinho marrom, a coisa mais linda do mundo.” Logo em seguida, outro chacareiro se interessou pela mãe e o filhote, que foram vendidos por R$ 5 mil. Foi quando Davi percebeu que tinha em mãos um negócio em potencial.

Quando criança, Davi nem imaginava que as lhamas eram animais de estimação. (Davi Augusto/VOCÊ S/A)

Em meados de 2002, iniciaram-se as discussões públicas sobre o uso de animais em apresentações circenses. Desde então, 12 Estados brasileiros proibiram os animais de circo – incluindo todos os das regiões Sudeste e Sul, as mais ricas. E foi desses estabelecimentos que Davi começou a sua criação. “Tudo quanto é circo tinha três ou quatro lhamas, e os donos queriam vender por um valor bem baixo, porque não podiam mais ficar com elas. Então, com os R$ 5 mil da outra venda, comprei quatro lhamas. Foi quando mudei de profissão e abri o Lhamas Brasil.”

E pode criar lhamas no Brasil? Pode. De acordo com o Ibama, as lhamas são consideradas animais domésticos em território nacional, dispensando autorização para sua criação ou comercialização – não é o que acontece com uma onça, por exemplo. Além disso, trata-se de um animal resistente, que, apesar de adaptado ao frio dos Andes, sobrevive a temperaturas de até 50º C – ou seja, suporta qualquer clima brasileiro quando devidamente cuidada (tosa em dia, vermífugo a cada três meses e vacina contra febre aftosa). E Davi garante que, apesar da fama de cuspir quando se sente ameaçada, a lhama é um animal dócil, que convive bem com outros animais e crianças.

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Mercado promissor

Em 2006, ele fez as primeiras importações de animais: foram 60 vindos do Chile. Além de enfrentar a burocracia da importação de animais – que exige documentações especiais, pagamento de taxas, liberação do criadouro de origem e avaliação de veterinários registrados na Vigilância Agropecuária – e o espanhol, idioma que ele não dominava na época, Davi ainda precisou aprender a tocar um negócio. “Deu um trabalho lascado. Eu não sabia lidar com finanças, não sabia vender e era muito leigo nessa parte de marketing. Porque se você está vendendo um boi, por exemplo, é só você sair que na primeira cidade tem alguém interessado. Mas com uma lhama você precisa despertar a curiosidade das pessoas.”

No início, ele vendia poucas lhamas e esperava os clientes indicarem para outras pessoas; foi quando ele foi atrás de cursos sobre empreendedorismo, vendas e como lidar com pessoas. “Comecei a estudar, me preparar e aperfeiçoar o negócio. Percebi que, por não estar na internet, não estava sendo visto. Então, em 2010, lancei o site. E os pedidos começaram a aumentar.”

Hoje, o empresário tem um rebanho de 115 lhamas para reprodução (em sua grande maioria fêmeas, já que machos não dão cria – basta um punhado deles para emprenhar todas). Os animais estão distribuídos entre duas fazendas em Campina Grande do Sul e Saudades do Iguaçu, ambas no Paraná. É um negócio familiar – ele conta com a ajuda do filho Miquéias, de 16 anos, e outros dois funcionários, além de acompanhamento veterinário periódico. Todos os dias, as lhamas são escovadas e alimentadas. Os adultos pastam e recebem ração para cavalo; já os filhotes são amamentados na mamadeira cinco vezes por dia. “Geralmente, os filhotes de mamadeira esquecem que são lhamas e pensam que são gente. Tinha uma aqui, que se chamava Chiquinha, que, quando estava com fome, entrava em casa e ia cômodo por cômodo procurando a gente e fazendo barulho. Só parava quando ganhava a mamadeira dela.”

No momento, Davi Lima está com 150 lhamas; cada filho custa R$ 10.000. (Getty Images/Getty Images)

Embora a maioria dos compradores esteja na região Sudeste – com São Paulo respondendo por 50% das vendas –, o número de interessados vem crescendo por todo o Brasil, principalmente no Centro-Oeste. Os animais são vendidos por R$ 9 mil; prenhas e filhotes, por R$ 10 mil. Mas eis a pergunta que não quer calar: quem compra uma lhama?

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Segundo o empreendedor, são pessoas de classe média alta para cima que possuem fazendas, donos de hotéis e até interessados em iniciar o próprio criadouro. O empresário Dinho Diniz, integrante da família fundadora do Pão de Açúcar, é um adepto das lhamas de estimação. Em 2014, sua mascote, batizada de Amora, parou as ruas do bairro dos Jardins, na zona oeste de São Paulo, ao ser vista passeando na coleira. Por mais que seja possível consumir carne de lhama, Davi não vende para o abate. O mercado de lhamas, enfim, é um mercado de pets de luxo – elas vivem por mais tempo que cães e gatos, por sinal, cerca de 20 anos.

As lhamas gostam de companhia e a orientação é que vivam em dupla ou em bando. Por isso, são raras as vezes em que Davi vende apenas uma unidade por comprador. “Quando o pessoal vem visitar, diz que quer levar três lhamas, e no final acaba levando dez. É bom demais estar perto delas. Uma vez teve um rapaz que veio de longe, viajou mil e poucos quilômetros para levar três lhamas; no final, ele levou um macho e 15 fêmeas”, diz.

Davi também contou com a sorte. É que as lhamas viraram moda – nenhuma relação com seu negócio; trata-se de um fenômeno global, principalmente entre os jovens. Nos últimos anos, o mamífero ganhou espaço em estampas de camiseta, capas de caderno, no Pinterest… São ilustrações inspiradas no estilo zen do bicho, com a cara de desencanada delas junto de frases como “Menos Drama, Mais Lhama!” (ou No Drama, Llama! no original). Em 2017, a World Global Style Network (WGSN), empresa britânica de previsão de tendências, já tinha identificado o sucesso do animal, que começava a desbancar os unicórnios no mundo dos memes. A lhama, enfim, é o novo unicórnio. Com a vantagem de que existe no mundo real.

Os memes não trazem só lhamas, mas alpacas também. A alpaca está para a lhama como o pônei está para o cavalo. É uma versão mais compacta e fofinha do mamífero andino. E Davi entrou na onda. Começou a vender alpacas também. Já são sete animais – outros 140 foram importados, mas estão esperando a reabertura de fronteiras para serem entregues. “Já faz um ano e meio que fiz o pedido, mas a pandemia atrapalhou a vinda das alpacas. Deviam ter chegado em abril, mas até o final do ano elas já vão estar aqui.” A criação de alpacas nem começou direito e Davi já tem encomendas: mais de 90 alpacas estão vendidas. Cada filhote sai por R$ 12 mil.

Quarentena

Ao contrário de muitas empresas que se viram no fundo do poço com a chegada do coronavírus, o Lhamas Brasil percebeu uma explosão de vendas. Antes da Covid-19, a média era de 15 animais por mês. Entre março e junho, foram 40 por mês. “Antes da pandemia, eu tinha 168 lhamas disponíveis para venda e agora estou só com um casal. Vai demorar mais uns 15 dias para desmamar mais animais e já tenho uma fila de espera de 20 pessoas.”
O motivo do aumento da demanda está exatamente na doença. As lhamas estão sendo usadas em pesquisas para o desenvolvimento de uma vacina contra o vírus. “As lhamas já faziam parte de estudos avançados de anticorpos contra várias doenças tropicais. E agora, com o coronavírus, forneci muitos animais para a Fiocruz de Rondônia e do Ceará, e para o Instituto Vital Brazil, no Rio de Janeiro”, afirma Davi.

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Essa não é a primeira vez que as lhamas aparecem no setor da saúde. Na verdade, muito antes da pandemia, elas ganharam espaço na lista dos animais de terapia certificados – aqueles cuja companhia produz melhoras na saúde mental de pacientes. Nos EUA, lar de 164 mil lhamas de estimação, a mascote já está presente em clínicas, casas de repouso e hospitais com o objetivo de reduzir a depressão e a ansiedade. É isso. “Menos drama, mais lhama” 🙂

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