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Conheça a Pula Muralha, startup de ensino de mandarim que nasceu de um canal no YouTube

Uma professora chinesa e um jornalista brasileiro criaram um método lúdico para ensinar chinês – e o curso online deles já tem 6 mil alunos.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 19 ago 2021, 18h48 - Publicado em 19 ago 2021, 15h38

Há quem diga que o mandarim será o novo inglês. Não é à toa: o PIB da China deve ultrapassar o dos Estados Unidos ainda nesta década. Isso significa que as oportunidades de emprego envolvendo o país e sua língua têm se multiplicado. De emprego e de negócios – a nação asiática, afinal, é o nosso maior parceiro comercial.

Diante dessa realidade, estudar mandarim (a língua mais usada na China) parece uma decisão lógica. O problema é que isso requer muito mais do aluno. O inglês, o francês, o alemão, até o russo e o persa, compartilham da mesma origem do português – são todas línguas surgidas a partir do protoindo-europeu, um idioma de 5 mil anos atrás. Palavras como “mãe”, por exemplo, são mais ou menos parecidas em todas. Numa língua oriental, não há cognatos.

Em suma: aprender mandarim é uma aventura, que precisa de bons guias, bons métodos. E foi com a ideia de aplicar um método mais eficiente que surgiu a Pula Muralha, uma startup fundada pela chinesa Si Lao e seu marido, e que surgiu de um canal no YouTube.

Si Lao, mais conhecida pelo apelido Sisi, vive no Brasil há dez anos. Sua história como professora começou quando ela fazia seu mestrado em linguística na Universidade de Hubei, em Wuhan. Em parceria com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), ela veio ao Brasil em 2011 dar aulas de mandarim. Um dos seus primeiros alunos foi o jornalista Lucas Brandt, com quem engatou um namoro. Foi o motivo que fez Sisi ficar por aqui.

Nos primeiros anos, Sisi dava aulas particulares e também em escolas de idiomas. Mas não era exatamente o trabalho dos sonhos. “Sentia muita dificuldade porque não tinha material didático feito especificamente para brasileiros. Eu precisava desenvolver o meu próprio para cada turma”, conta.

Em 2014, Lucas trabalhava como editor de vídeos, e foi nessa época que a ideia de criar um canal surgiu. Juntos, ele e Sisi fundaram o Pula Muralha, hoje com 750 mil inscritos.

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A ideia ali no início era dar dicas básicas e rápidas de mandarim, além de explorar a cultura e a vida na China. “Começamos a ensinar coisas como ‘oi, tchau, obrigada’, e as pessoas adoraram”, conta Sisi. Aí caiu a ficha: a rede social era uma boa porta de entrada para alunos que quisessem aulas particulares.

Dos primeiros vídeos surgiram três turmas com seis alunos cada. A demanda foi aumentando. O casal, então, percebeu que seria necessário profissionalizar o negócio. O primeiro passo para tornar o ensino mais produtivo já foi um grande salto: criar o próprio material didático.

Para isso, começaram em 2015 uma campanha de financiamento coletivo voltada para público do canal. A meta inicial era de R$ 25 mil reais; arrecadaram R$ 45 mil.

Nasce um negócio

Diante do sucesso acima do esperado, o casal decidiu abandonar seus projetos paralelos para focar só no curso. E caprichou na elaboração do material próprio. Ele foi batizado como Caixa Mágica de Chinês. O princípio ali é que o aluno consiga aprender o idioma brincando (tal como fazem as crianças que estão aprendendo a falar): são 60 cartas, cada uma com um ideograma chinês acompanhado de um desenho que mostra o significado daquele símbolo específico, além da tradução no verso e a pronúncia.

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(Pula Muralha/Divulgação)

E aí vem o pulo do gato: no chinês, ideogramas com sentido completo podem se combinar para formar novas palavras  – e o resultado é possível de adivinhar usando a lógica (veja no box). Com as 60 cartas da caixa, dá para formar 80 novas combinações, totalizando 140 palavras em chinês aprendidas. E dá para fazer isso jogando com amigos, por exemplo.

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Mais do que material didático, eles tinham criado um jogo – 300 pessoas compraram logo de cara. E mais importante: 100 novos alunos se inscreveram para o curso online. Agora a professora e o jornalista tinham uma escola de fato nas mãos. Se viram empreendedores da noite para o dia e tiveram de montar um negócio às pressas.

Planejar o conteúdo do curso foi uma tarefa complexa. Começaram com vídeos longos, gravados, mas logo viram que não era o ideal. “Hoje [com a pandemia], todos percebem que não dá para dar uma aula online de mais de uma hora. As pessoas não prestam atenção”, diz Sisi.

Após trancos e barrancos, o curso foi lançado em março de 2016. A saída para o dilema foi gamificar o aprendizado: centenas de vídeos gravados, porém curtos, são a espinha dorsal para quem se matricula nas aulas online do Pula Muralha. À medida que o aluno vai avançando e completando exercícios, ele vai ganhando mimos.

“A primeira recompensa que a pessoa ganha é um nome em chinês, como se fosse um batizado no curso”, conta Lucas. Não existem traduções diretas para “Enzo” ou “Maria Valentina”. Os nomes próprios em chinês remetem à cultura milenar deles. Então o seu nome nessa língua terá de ser algo necessariamente novo. “Nós pedimos para a pessoa falar um pouco sobre a personalidade dela e pensar em qual seria a primeira coisa que ela faria se fosse para a China. Com base na resposta, a gente cria um nome em ideogramas, com significados que tenham a ver com a pessoa.”

Outras recompensas são encontros particulares com os professores e o envio de medalhas. A ideia é que o aluno percorra três níveis do chinês, cada um com mais de 15 módulos, em um período de 18 meses.

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Além disso, os alunos do curso têm acesso a uma rede social exclusiva para tirar dúvidas entre si – monitorados por professores. Em média, a comunidade conta com 75 pessoas online a cada hora, estima Lucas.

O modelo tem funcionado. Em 2018, o casal contratou seus três primeiros funcionários; em 2020, já eram 17. É que, especialmente no ano passado, a Pula Muralha duplicou o seu número de alunos matriculados – de três para seis mil. Não à toa: foi o ano em que as pessoas perderam o pé atrás com cursos online, já que, com o início da pandemia, não havia nenhuma outra modalidade disponível.

Fator pandemia

O surgimento do Sars-CoV-2 trouxe uma preocupação extra: a com a família da Sisi, que vive próxima ao local de origem da pandemia. Ainda mais no início, quando a pandemia ainda era misteriosa e ninguém sabia bem o que estava acontecendo em Wuhan. Passado o baque inicial, a empresa teve que enfrentar a onda de preconceito e desinformação contra chineses que tomou o mundo.

“Sempre teve comentários xenofóbicos nos nossos conteúdos. Mas, com a pandemia, eles cresceram”, conta Lucas.

O casal combateu esse pensamento com uma série de vídeos informativos e com a campanha #EuNãoSouUmVírus, que atraiu muita atenção da mídia e das redes sociais. E, se as notícias sobre o surgimento de vírus fez subir o tom da minoria preconceituosa, subiu também o interesse pela China.

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“As pessoas pensavam ‘um hospital que atende mil pessoas construído em dez dias? Nossa, sério, China? Nossa, uma cidade do tamanho de São Paulo [Shenzhen] que só tem ônibus elétricos, jura?’”, diz Lucas. Tudo isso aumentou a procura pelo curso. O interesse pela cultura chinesa, aliás, é o motivo mais citado pelos alunos do Pula Muralha para aprender mandarim: 55,8%, superando as razões ligadas ao estudo (54,1%) e ao trabalho (33,3%).

A empresa só conseguiu absorver essa demanda porque desde o início foi pensada para ser uma estrutura online. Hoje, o curso conta com alunos em 662 cidades do Brasil, muitas das quais não têm escolas presenciais de mandarim. “Temos bastante busca em cidades que têm mais agronegócio, no centro-oeste do Brasil, porque há forte investimento chinês nessa área”, conta Lucas.

Agora a empresa busca se expandir para a área de intercâmbios. Sisi também quer dar mais atenção ao canal no YouTube, que ficou menos ativo com o crescimento do curso. “Sou professora, mas hoje em dia me considero também uma criadora de conteúdo. Acho que uma parte muito importante do nosso trabalho é mostrar uma China diferente do que muitas pessoas pensavam.”

 

Método lúdico

Dá para aprender chinês brincando. É que os ideogramas se juntam como peça de lego, e o resultado às vezes é previsível usando a lógica.

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火         +       山          =        火山

huǒ               shān                huǒshān

(fogo)        (montanha)          (vulcão)
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王         +     子            =       王子

wáng             zǐ                    wángzǐ

(rei)           (filho)               (príncipe)
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大        +        人       =          大人

dà                 rén                 dàrén

(grande)        (pessoa)         (adulto)

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