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Conheça a Estrella Mobil, que monta motorhomes de luxo

Fundada por Julio Lemos, a companhia produz veículos que chegam a custar R$ 500 mil.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 15 abr 2021, 16h45 - Publicado em 5 abr 2021, 08h00

Viajar é uma espécie de fuga. Dos problemas, da rotina e até de si mesmo. Há um ano, a possibilidade de escapar foi arrancada de quem tem algum instinto de preservação. Aeroportos, aviões, hotéis, pousadas, tudo ficou sob a sombra do coronavírus. Foi assim que a pandemia se converteu no melhor argumento para a venda de motorhomes: viajar com a casa no porta-malas, sem precisar formar filas ou dividir o mesmo metro quadrado com desconhecidos. De quebra, dá para sonhar que está no próprio road movie.

Só que você não vai a uma concessionária e sai dirigindo um motorhome. Não existem montadoras com grandes linhas de produção à la Ford. O esquema é adaptar veículos que existiam para outras funções. Pode ser uma van, um chassi de ônibus, de caminhão ou um furgão. Algumas montadoras, como a Iveco e a Mercedes, até têm carroceria pensada para receber uma casa, mas é só a carcaça. A partir daí, alguém precisa colocar lá dentro toda a infraestrutura de cozinha, quarto, sala e banheiro. Esse é o negócio da Estrella Mobil, empresa do interior de São Paulo fundada por Julio Lemos em 2017.

Lemos é formado em engenharia aeronáutica e desde 2004 tocava uma empresa familiar voltada para adaptação de veículos, mas eram de uso profissional. Uma ambulância, por exemplo, é um veículo adaptado.

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Julio Lemos já trabalhava com adaptação de veículos. Em 2017, decidiu apostar em veículos recreativos. (Engaje!Comunicação/Divulgação)

Em 2015, começou a pesquisar sobre motorhomes e percebeu que havia uma demanda crescente. Foi quando decidiu mudar o rumo do negócio para os veículos recreativos (que o mercado chama de RV, da sigla em inglês). Julio se dedica aos motorhomes, mas existem também trailers, que têm a estrutura de casa, mas são rebocados, e campers, uma espécie de trailer apoiado na caçamba de uma picape

O trabalho da Estrella Mobil é quase artesanal. Funciona assim: o cliente compra o veículo na concessionária e entrega para Julio. Nisso já desembolsa uns R$ 100 mil a R$ 200 mil.

A montagem é feita sob demanda, com base em plantas padronizadas (como de um imóvel mesmo) que dependem do chassi escolhido. Existem cinco opções.

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É quando entram cama, fogão, geladeira, banheiro, chuveiro e uma placa de energia solar no teto, para manter tudo funcionando com o carro fora da tomada. A maior parte desses itens é desenvolvida especialmente para motorhomes e precisa ser importada. Tem ainda os itens opcionais, como a escada para subir no teto do motorhome ou o ar-condicionado. Quanto mais extras, mais sofisticada e cara fica a brincadeira. A adaptação mais barata sai por uns R$ 200 mil, mas geralmente clientes desembolsam R$ 400 mil para deixar o veículo no jeito. R$ 500 mil é quanto custa um apartamento de um quarto na região central de São Paulo.

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Interior de um dos motorhomes da Estrella Mobil (Engaje!Comunicação/Divulgação)

Com esses preços, dá para entender por que os adeptos da viagem de motorhome no Brasil sempre foram recém-aposentados, que tinham as economias de uma vida e tempo para ficar na estrada e fazer valer o investimento.
Agora, um público mais jovem, a partir dos 40 anos, começa a aparecer. Eles já flertavam com o sonho da vida nômade, faltava o empurrãozinho, afirma Julio. Foi quando veio a pandemia e parte dos trabalhadores passou a fazer home office. Daí para pegar a estrada, foi um pulo. Para dirigir um motorhome, basta a mesma carteira de habilitação de carros de passeio (a do tipo B). Mas isso só vale para modelos de até 6 toneladas e com no máximo nove passageiros.

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Barco com rodas

Essa supercustomização e o preço colocam o mercado de motorhomes em pé de igualdade com o de barcos. A Estrella Mobil montou dez veículos no último ano. De acordo com o site especializado Macamp, são cinco empresas de motorhomes no país – a Estrella Mobil é a mais nova delas. As mais consolidadas são a Santo Inácio e a Motor Trailer.

Não existem estatísticas oficiais de produção, como a Anfavea faz para os carros tradicionais. Já os dados do Registro Nacional de Veículos Automotores, que poderiam ajudar, têm lacunas. São 17 mil motorhomes licenciados no Brasil, pouco mais de 400 no ano passado.

Isso significa que os novos licenciamentos caíram 4% em 2020, quando comparados com 2019 – algo que estraga um pouco da festa de quem aposta em um crescimento acelerado, na onda do “meu escritório é na praia”, ou em qualquer lugar.

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Lá fora, porém, a coisa está realmente bombando. Dados da associação das indústrias de veículos recreativos dos Estados Unidos mostram que as vendas de motorhomes cresceram 21% no primeiro bimestre de 2021. Foram entregues 9 mil unidades no período – pouco mais da metade de toda a frota do Brasil.

Colocando na conta os trailers e outros modelos de veículos recreativos, foram 94 mil unidades vendidas nos EUA em apenas dois meses. A mesma entidade estima que 11,5 milhões de famílias americanas são donas de algum tipo de casa sobre rodas. E não entram nessa conta as famílias de baixa renda que moram em trailers porque não conseguem pagar aluguel – é lazer mesmo.

Na Europa, são mais de 5 milhões de unidades circulando pelo continente. Esses são os dados consolidados mais recentes da Federação Europeia de Caravana, de 2019. Os números parciais de 2020 mostravam a entrada de mais 150 mil veículos até o final de agosto – haja vontade de sair de casa.

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Os veículos recreativos existem há quase tanto tempo quanto os carros – o primeiro motorhome foi construído em 1910, nos EUA. Não é à toa que os americanos e europeus curtem tanto essa forma de viagem – é paixão antiga. Já aqui o motorhome chegou nos anos 1970. Somos jovens nessa história de colocar a casa na estrada.

Lá fora, os perrengues para os motoristas tendem a ser menores. Eles criaram ao longo de um século uma infraestrutura para receber motorhomes. Esses veículos, afinal, têm lugares específicos de parada. Precisam de bons campings – algo cuja oferta não é tão grande por aqui.

Por mais que o motorhome tenha banheiro e chuveiro, ainda é preciso reabastecer a caixa d’água, despejar o esgoto em um lugar adequado e usar energia elétrica. Essa é uma das maiores dificuldades de quem pretende adotar esse estilo de viagem.
Sites especializados em campismo tentam facilitar a vida, sugerindo lugares de parada com base nas dicas dos usuários. No caso do Macamp, há um grande mapa colaborativo com pontos de apoio (sem infraestrutura, apenas um lugar seguro para dormir) e campings para uma estadia completa.

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Motorhomes têm banheiro e chuveiro, mas é preciso abastecer o reservatório de água e descartar o esgoto regularmente. (Engaje!Comunicação/Divulgação)

O preço varia de acordo com os serviços que cada lugar oferece, mas rondam os R$ 35 por dia. Quer dizer, mesmo quem sonha com a vida nômade ainda vai pagar algum tipo de hospedagem – e, na pandemia, vai precisar ter contato com outros seres humanos.

Mesmo que a infraestrutura melhore, o fato é que há pouco mercado no Brasil para algo que chega a custar meio milhão de reais. Mas há uma alternativa para um público menos restrito: o aluguel. A diária varia entre R$ 400 e R$ 1.000, a depender do tipo de motorhome, do número de passageiros e da duração da viagem. Seja via aluguel seja via compra, o fato é que há potencial para que o Brasil desenvolva um mercado robusto de motorhomes, simplesmente por se tratar de um país continental e repleto de belezas naturais. Para tanto, porém, vamos precisar também de estradas mais amigáveis – e nada indica que isso vá se tornar parte da paisagem tão cedo.

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Quando estacionado, a cozinha do veículo pode ser ampliada. (Engaje!Comunicação/Divulgação)
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