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Como empreender nos EUA

O passo a passo para abrir um negócio na maior economia do mundo. E as histórias de brasileiros que deram esse salto.

Por Tiago Cordeiro
10 dez 2021, 07h03

Passaporte , endereço fixo com telefone nos Estados Unidos e uma conta bancária americana. São esses os pré-requisitos básicos para brasileiros que queiram abrir uma empresa nos EUA. Nem é preciso estar fisicamente no país para fazer a solicitação.

Na prática, nem é necessário ter um endereço estabelecido no país: muitos empreendedores iniciantes usam comprovante de residência de amigos, familiares ou mesmo de escritórios que prestam consultoria para brasileiros dispostos a empreender em solo americano – eles funcionam como agentes registrados, habilitados para receber contatos e correspondências em nome do empreendedor.

O telefone pode ser conseguido com facilidade: basta abrir uma conta no Skype, por exemplo, e solicitar um número americano. Custa de US$ 500 a US$ 2.000, dependendo do Estado.
Quanto à conta bancária, dois documentos de identificação são suficientes, e as opções estão se diversificando: além dos bancos americanos, cada vez mais instituições brasileiras fazem esse serviço.

Em geral, é preciso fazer um depósito inicial, que pode variar de US$ 1.500 a US$ 10.000. A autorização para abrir a empresa costuma ser emitida em uma a três semanas.
Em outras palavras, o processo de abertura de uma empresa, em si, é simples. Mas é importante tomar cuidado com alguns detalhes. Mesmo empresários experientes no Brasil podem encontrar dificuldades inesperadas ao mudar de país. Foi o caso de Paula Veiga e Dan Guimarães.

O casal era proprietário de três lojas da Sodiê Doces em Belo Horizonte já fazia quatro anos quando convenceu a rede a abrir seu primeiro ponto fora do país. Eles decidiram pela Flórida, onde vivem 300 mil dos 1,7 milhão de brasileiros que moram nos EUA.

Paula Veiga e Dan Guimarães: proprietários de uma franquia da Sodiê Doces em Orlando.
Paula Veiga e Dan Guimarães: proprietários de uma franquia da Sodiê Doces em Orlando. (Tiago Araujo/VOCÊ S/A)

Eles já conheciam bem os produtos, assim como o gosto dos clientes brasileiros – ao menos num primeiro momento, estes seriam a base dos consumidores no novo endereço. Pesquisaram possíveis locais. A princípio preferiam Miami, mas identificaram maior potencial em Orlando.

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Optaram pela International Drive, uma avenida de 17 quilômetros próxima à Disney e ao SeaWorld, e que abriga vários shoppings, restaurantes e hotéis. Abriram, então, uma empresa do tipo LLC. Vamos entender agora o que é isso.

Os modelos de empresa

O tipo mais básico de pessoa jurídica nos EUA é o Sole Proprietorship (SP), “proprietário único”. É a MEI deles, praticamente. Esse tipo de companhia não precisa de razão social (você pode usar o seu nome mesmo). E a empresa não paga impostos diretamente. Você se acerta com o fisco como pessoa física, sobre o que vier a lucrar com o negócio. Mais simples do que encarar os impostos PJ.

A grande limitação das SPs é que você não pode fazer dívidas em nome da empresa. Tudo o que a companhia dever na praça recai sobre o dono – ou os donos, caso você abra uma General Partnership (GP), ou “sociedade geral”, que nada mais é do que uma SP com mais de um sócio.

Conforme o negócio cresce, passa a ser mais interessante poder separar melhor sua pessoa física de sua pessoa jurídica. É para isso, afinal, que empresas existem: se o negócio quebrar, seu patrimônio pessoal fica protegido – só o patrimônio da empresa fica em jogo.

O modelo mais simples nessa linha é o Limited Liability Company (LLC), “companhia de responsabilidade limitada” – equivalente às nossas LTDAs. Com uma dessas, dá para levantar empréstimos em nome da empresa – a obrigação de pagar fica sendo da companhia, não dos sócios enquanto pessoa física. É o que acontece com as empresas de maior porte (as “Corporations”, pela legislação dos EUA, a versão americana das nossas S/As).

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A grande diferença entre uma LLC e uma Corporation está na parte tributária. Empresas de sociedade anônima pagam impostos como PJ. Numa LLC, o esquema é o mesmo das Sole Proprietorships: os lucros e prejuízos da empresa entram na declaração individual de IR.

Outra alternativa é a formação de joint ventures, companhias criadas para a realização de projetos específicos.

E o visto?

Parece contraintuitivo, mas é fato: você não precisa de visto para abrir uma empresa nos EUA. Dá para fazer o processo daqui mesmo – e prestar serviços para americanos sem sair do Brasil. Um passaporte válido, sem visto, já serve como identificação.

Claro que, para ir até lá, você precisa de visto. Mas montar uma empresa nos EUA pessoalmente não requer uma autorização especial. Basta o visto B1/B2. O visto meramente turístico é o B2. O B1 é o que permite fazer negócios por lá. De qualquer forma, os dois costumam ser concedidos em conjunto – se você fizer uma viagem para a Disney, já lhe dão um B1/B2.

“O visto B1 se presta a atividades como planejar reuniões, realizar pesquisas e procurar espaço pra instalações futuras”, diz Leda Oliveira, CFO da AG Immigration, um escritório de advocacia especializado em imigração para os EUA. O B1/B2 tem validade de dez anos, mas rola aquele problema: ele não permite que você passe mais de seis meses seguidos por lá.

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Para garantir o Green Card, a residência permanente, você precisa de um visto da classe “EB” – de Employment Based; “baseado em emprego”. Há vários subtipos: o EB1-A é o mais famoso, para “pessoas com habilidades extraordinárias”, de acordo com a descrição do serviço americano de imigração.

Para garantir um, você precisa ser amplamente reconhecido na sua área, ter recebido prêmios internacionais etc. Não é simples, claro. Também há o EB1-B, para pesquisadores acadêmicos, e o EB1-C, para executivos de alto escalão.

Mais fácil de obter é o visto do tipo EB2. Esse é o visto mais comum entre quem foi contratado por alguma companhia americana. Mas também há uma modalidade ideal para empreendedores: o visto EB2–NIW. A sigla é para National Interest Waiver – “exceção de interesse nacional”. Paula Veiga, da Sodiê de Orlando, tem um desses.

A “exceção” aí é que você não precisa de uma oferta de emprego. Você precisa comprovar que tem pelo menos dez anos de experiência profissional na sua área, e mostrar que seu empreendimento pode colaborar com a economia americana. Essa parte é subjetiva, claro. O risco de ter esse tipo de visto negado, então, é considerável.

Quem tem bala na agulha pode tentar o EB-5: ele exige que você invista US$ 1 milhão na empresa que for abrir nos EUA, e que ela gere pelo menos dez empregos. Se você escolher uma região que o governo americano considere como uma Targeted Employment Area (um lugar onde a taxa de desemprego é alta), a exigência de investimento inicial cai para US$ 500 mil. Em geral, são cidades pequenas.

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Jeitinho americano

O brasileiro Douglas Ferrarini Strabelli começou com um visto B1/B2. Hoje tem Green Card e recentemente deu entrada para solicitar cidadania americana. Nascido em Maringá, no interior do Paraná, Strabelli migrou para a Espanha com 18 anos, onde trabalhou em canteiros de obras. Fundou uma pequena construtora dois anos depois. No ano 2000, migrou para os Estados Unidos, sem falar inglês.

“Cometi o erro de entrar no país sem falar a língua, sem planejamento, sem saber o que iria fazer. Quem comete essa falha costuma perder tempo e dinheiro”, diz. Hoje, aos 45 anos, é proprietário da Sagewood Corporation, uma empreiteira com 350 projetos em portfólio, entre eles o Fasano da Quinta Avenida, em Nova York – uma obra de US$ 45 milhões.

Strabelli dá algumas dicas para quem está começando: “Os consulados podem ajudar a ampliar as conexões profissionais. Visitar empresas de referência no setor no qual pretende atuar também ajuda a reduzir as chances de errar”.

Douglas Strabelli, empreiteiro paranaense radicado nos EUA.
Douglas Strabelli, empreiteiro paranaense radicado nos EUA. (Tiago Araujo/VOCÊ S/A)

Ele também ressalta a importância de cultivar uma boa imagem. “O americano nunca faz negócio visando ao resultado imediato, como o brasileiro costuma fazer. Ele valoriza o planejamento, a trajetória, a reputação. Formar joint ventures é uma prática muito comum por aqui, e dá resultados excelentes, mas essas portas só se abrem para quem se demonstra confiável no longo prazo.”

O fato de ser brasileiro nunca fechou portas, afirma o empreendedor. “Os Estados Unidos são um país muito jovem, formado por imigrantes, que valoriza o trabalho sério e consistente. Se você se dedica e não busca atalhos, tem tudo para fazer sucesso”, afirma.

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Nilton de Araújo Faria, fundador e sócio da Master Consultores, dá um exemplo de como os empreendedores americanos lidam com regras. Um brasileiro entrou em uma loja de donuts. A dona estava fechando, porque já tinha passado do horário em que estava permitida a funcionar, mas havia se esquecido de trancar a porta.

Ele pediu para comprar um donut. Ela se recusou. Ele insistiu: “Mas e esses donuts que estão no último dia da validade, você vai perder?”. Ela respondeu que sim, iria descartá-los no dia seguinte. “Então o brasileiro perguntou se, nesse caso, ela poderia doar um donut. Ela respondeu que sim. Porque doar não descumpriria nenhuma norma”, diz Faria. “É preciso entender que não existe jeitinho.”

As filigranas

O que vimos aqui é o básico: tipo de empresa, tipo de visto, diferenças culturais. Mas claro que essa é só a ponta do iceberg. Para cumprir as filigranas das legislações estaduais e municipais para cada tipo de negócio, você vai precisar de ajuda profissional. E mesmo assim pode ter problemas.

Foi o que aconteceu com a Sodiê de Orlando. “Só a obra de reforma da loja durou quase um ano”, diz Paula Veiga. A falta de suporte especializado na realidade americana, especialmente nas autorizações necessárias para reformar o ponto, atrasou os planos. “Dominávamos o negócio, desenhamos o planejamento da nova filial, mas não estávamos preparados para todas as diferenças em relação à legislação e à documentação”, relembra ela.

“Você precisa de muitas permissões diferentes. Estávamos amparados por profissionais que diziam entender da legislação local, mas nos deixaram em maus bocados. Estávamos ansiosos para abrir as portas, mas não tinha como definir uma data para a inauguração.” O tempo ia passando, e a documentação não avançava. Os empresários buscaram outro escritório especializado na papelada e, finalmente, a loja abriu, em outubro de 2019.

Hoje a doceria vai bem, obrigado: opera com sete funcionários. Paula Veiga conta que o público consumidor continua sendo majoritariamente brasileiro, mas a loja caminha para diversificar a clientela. “O hispânico ama os doces, já o americano é desconfiado, não testa o que não conhece.”

Brigadeiros, por exemplo, deixam os locais ressabiados. “Eles estranham o aspecto, é uma dificuldade convencê-los”, relata. Para iniciar uma relação, a loja passou a desenvolver bolos que não existem no Brasil, como torta de abóbora na época de Halloween. “Pretendemos colocar no cardápio cupcake e pasta de amendoim, que os locais adoram.”

Outra realidade com a qual empreendedores brasileiros não estão habituados é o salário mínimo dos EUA. Ele é estabelecido por lei federal, com ajustes em cada Estado, mas não pode ser inferior a US$ 7,25 por hora. Na Flórida, são US$ 10. Uma jornada de 44 semanais custa US$ 1.760 mensais por colaborador. São R$ 10 mil por mês. Ou seja: o negócio precisa estar tinindo para ser sustentável.

“Planejamento nos EUA não é clichê. É necessidade”, diz o advogado Vinícius Bicalho, mestre em Direito e especialista em internacionalização de negócios. “O ambiente de negócios é saudável, mas extremamente competitivo: uma a cada quatro empresas do mundo estão aqui. É crucial cumprir a legislação e entregar o que promete, seja para o cliente ou para os parceiros, colaboradores e fornecedores.” E, claro, isso demanda esforço. Como resume Paula Veiga: “Eu achava que trabalhava muito no Brasil. Aqui eu trabalho o dobro”.

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