Como a Wine planeja convencer consumidores a beberem vinho no bar

Marcelo D’Arienzo, CEO da Wine, agora investe na venda de vinhos palatáveis a preços razoáveis em qualquer lugar, e não apenas pela internet.

Por Tássia Kastner
17 set 2021, 05h00
O executivo está sentado e segura uma taça de vinho.
 (Wine / Celso Doni/Divulgação)
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7 milhões de brasileiros se renderam aos encantos de Baco e passaram a consumir vinho no ano passado. O consumo total chegou a 501 milhões de litros, 30% a mais que em 2019. Nisso, a Wine voou: a empresa dobrou seu lucro em 12 meses, para R$ 11 milhões, e ainda chegou à marca de 270 mil assinantes, alta de quase 60% em um ano.

Só que esse estouro da enofilia em 2020 não deverá se repetir neste ano – a Ideal Consulting espera uma queda de 9% nas vendas da bebida. E dá para entender: vinho tende a combinar melhor com o isolamento (beber em casa) do que cerveja. Agora, com as pessoas saindo mais, a cerveja nos botecos volta a ter apelo. E não só pelo estado de espírito, mas porque vinho sempre foi uma bebida relativamente cara em bares e restaurantes.

Nesta entrevista, o CEO da Wine, Marcelo D’Arienzo, conta como a empresa pretende melhorar a oferta da bebida na vida offline, um esforço para não perder os novos usuários que vinham abastecendo suas adegas com compras pela internet. Ele chama isso de “hiperdisponibilidade”, uma estratégia que envolve fazer parceria até com o Zé Delivery, da poderosa Ambev.

Ele também comenta por que a empresa trocou os planos de um IPO pela captação de R$ 120 milhões via debêntures. “Vários concorrentes de e-commerce realizaram ofertas públicas. Hoje, estão sofrendo.”

O brasileiro começou a beber mais vinho na pandemia, certo?

Foram mais novos usuários, não necessariamente pessoas bebendo mais. A gente vinha crescendo 2 a 3 milhões de usuários por ano e, em 2020, esse número passou de 7 milhões. Era algo esperado, que está muito ligado à evolução da oferta de produtos.

O bolso do brasileiro tem uma limitação importante: a renda per capita não cresce há alguns anos. No Brasil, mais de 50% do volume de consumo é de vinho doce – produzido com uvas não vitiviníferas, como o famoso Chalise. Mas, conforme passa a haver ofertas próximas desse preço, o mercado se abre. Quando você vai, hoje, ao supermercado, o Chalise custa R$ 17, R$ 18. Nós conseguimos oferecer, pelo digital, uma garrafa de vinho chileno a R$ 24.

O interessante é o seguinte: depois que a pessoa migra para o vinho fino de mesa, não consegue voltar atrás. Há cinco anos, 75% do consumo era de vinho doce. A tendência é que isso continue a cair conforme esses novos usuários forem entrando na categoria “vinho de fato”.

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Esse aumento não é uma migração da cerveja, do período dos bares fechados?

Não há um insight que diga que o cara da cerveja saiu da cerveja. O dado muito claro é: o consumo de vinho doce cai, e o de vinho fino de entrada importado cresce. Mais de 90% do produto vendido no Brasil custa abaixo de R$ 50 – e tem muito rótulo bom por esse preço.

A Wine é uma das pioneiras na venda pela internet, mas hoje enfrenta bastante concorrência nesse segmento. Fica mais difícil crescer, não?

A Wine evoluiu junto com o mercado. Há dez anos, os importadores de vinho eram os distribuidores. Pessoas que importavam, vendiam para empresas menores, de modo que elas fizessem chegar ao varejo e, finalmente, ao consumidor. A Wine foi responsável pela desintermediação. Nós começamos a importar e vender direto para o consumidor. Essa tendência foi seguida por supermercadistas e pelos novos players online.

Agora, a nossa nova missão é criar um ecossistema para que exista o que eu chamo de hiperdisponibilidade. Quando você vai procurar a bebida hoje, precisa lembrar que 80% das compras ainda acontecem offline.

No supermercado?

Ou num bar, num restaurante, num hotel, numa balada. O nosso papel é garantir que em todas as jornadas de consumo exista uma oferta relevante. Pega o exemplo de restaurantes médios em São Paulo. Normalmente, eles não têm vinho na carta; se têm, é pelo preço errado. Um produto de entrada num preço alto.

Esses 7 milhões de pessoas que apareceram tomando vinho durante a pandemia saíram de casa, e agora estão na jornada de antigamente, que é a do supermercado, dos bares e dos restaurantes. O desafio é a bebida estar disponível no momento e no preço certo, para que o consumidor consiga comprar.

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Por que investir em lojas físicas?

Eu vou descentralizar estoques onde existe uma grande concentração de sócios, usando as lojas. Aí, quando o assinante da Wine abre o aplicativo, eu mostro qual é a unidade mais próxima e digo que entrego o produto em até três horas. Quem antes comprava na loja do bairro porque eu demorava três dias para entregar, agora passa a gastar comigo.

Não seria mais barato usar depósitos, como faz o Zé Delivery?

Seria, mas a gente aposta muito em relacionamento de longo prazo. Assim que acabar a pandemia esse posicionamento da loja ficará mais claro. Ela é um espaço de experiência, vai ser para degustação, eventos, treinamento, focado no relacionamento.

E somos o fornecedor oficial de vinho do Zé Delivery, que tem uma entrega diferente. Eu faço a expressa, em até três horas. A do Zé é superexpressa, de até 30 minutos. E ele é um canal importante para a Wine porque responde a parte do desafio que é a hiperdisponibilidade do produto. Com eles, a gente consegue fazer o produto chegar – e no preço certo. Quaisquer R$ 10 que você sobe o valor da garrafa [o que acontece com apps como o Rappi], fica inviável para o consumidor.

Mas o Zé Delivery é da Ambev. Isso não cria um conflito de interesses?

A conversa lá no Zé Delivery e na própria Ambev está sendo muito clara: aquilo é uma plataforma independente e vamos jogar juntos para desenvolver o mercado. No começo, dá um friozinho na barriga: “Poxa, eu vou ficar pelado bem na casa do cara da Ambev?”, mas o que temos visto é uma relação de parceria verdadeira.

Para este ano, a perspectiva para o vinho não é tão positiva quanto foi 2020. Vocês divulgaram uma projeção de quase 10% de queda no volume vendido.

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O dado mais atualizado continua nessa tendência de que 2021 será um pouco menor do que no ano passado. Ainda assim, é bastante forte e surpreendente, porque o aumento de 2020 foi muito relevante. Só de estar perto do resultado de 2020 já tem sido uma surpresa bacana.

A Wine tentou, mas não conseguiu fazer o IPO. Por quê?

Não é que não conseguimos.Nós optamos por não seguir em frente. No momento em que estávamos no meio do processo, tinha as prévias das eleições americanas e o mercado financeiro estava volátil. A empresa continuava a crescer mais de 60% ao ano, mas a condição era ruim. Desistimos do IPO e decidimos que era mais fácil voltar ao processo quando estivéssemos maiores e mais maduros. Aí fizemos as debêntures, para poder continuar com nosso plano de crescimento. E essa decisão se mostrou acertada.

Mas o mercado estava receptivo a novas empresas. Foram quase 40 ofertas de ações neste ano.

Houve uma janela, e vários concorrentes de e-commerce, como Mobly e Westwing, foram em frente e realizaram suas ofertas. Hoje, eles estão sofrendo. Alguns porque não conseguiram sustentar o crescimento, outros porque a expectativa era maior do que o negócio foi capaz de entregar. E nós tomamos a decisão de permanecer como companhia aberta para divulgar dados financeiros, o que dá uma proximidade muito maior com investidores. Aí, na hora certa, podemos decidir apertar esse botão.

Como manter os preços dos vinhos controlados com oscilações tão bruscas do dólar?

A estratégia é operar hedgeado [instrumento financeiro que permite fixar o valor do dólar], e o clube de assinaturas é uma vantagem porque a receita já está contratada. E eu sei quanto eu pago na garrafa, então preciso encontrar o câmbio e fazer o hedge sempre que ele estiver disponível para garantir a rentabilidade da companhia. Nos últimos 12 a 18 meses em que houve essa volatilidade grande do dólar, conseguimos não aumentar o preço do nosso produto.

Por que não trocar por vinho nacional?

O vinho nacional está evoluindo muito, mas, ao longo da pandemia, houve stock out [vinícolas ficaram sem produtos para vender]. Para aumentar a participação é preciso subir a capacidade de produção, hoje muito aquém do consumo. Eu acho que continuaremos a ser um país preponderantemente importador, até porque a capacidade produtiva do Chile é muitíssimo maior que a nossa. E, por conta da escala, eles conseguem entregar produtos de custo/benefício imbatível.

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Um dos desafios de lidar com álcool é o abuso da bebida. Essa é uma questão para a Wine?

O vinho é muito menos associado ao abuso de álcool do que os destilados e a cerveja. Em alguns países, é considerado alimento – na ótica da tributação. O vinho, diferentemente de outras bebidas, é uma opção de entretenimento. Como o nosso produto é uma winebox com duas garrafas e uma revista que explica ao assinante por que ele está recebendo aquele rótulo, esse consumo muda um pouco de perspectiva. Não é simplesmente “deixa eu pegar aqui esse álcool para relaxar”.

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