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Um breve panorama do impacto econômico e geopolítico das tarifas proibitivas impostas pelos EUA

Falácia comercial, protecionismo disfarçado, reação geoeconômica, tentativa de enfraquecer o BRICS e ataque à democracia brasileira estão entre as possíveis intenções do pacote de ataques ao Brasil representado pelo tarifaço americano.

Por Euzébio de Sousa, The Conversation
Atualizado em 14 jul 2025, 16h12 - Publicado em 14 jul 2025, 15h00
Foto do presidente dos EUA, Donald Trump.
 (Anna Moneymaker/Getty Images)
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou, no dia 9 de julho, a imposição de tarifas de 50% sobre todas as importações originadas no Brasil, o dobro da tarifa média praticada atualmente pelo governo norte-americano. A medida foi comunicada por meio de uma carta dura enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva com argumentos que misturam interesses geoeconômicos e protecionismo industrial e, principalmente, pressão política. Analisemos cada ponto e suas possíveis consequências para a vida brasileira.

1. Uma falácia comercial e protecionismo disfarçado

Trump alega que o Brasil “não tem sido bom para os EUA” e que a balança comercial é desfavorável. A realidade é oposta: nos últimos dez anos, os EUA acumularam um superávit de US$ 43 bilhões na relação bilateral. Somente no primeiro semestre de 2025, o Brasil teve um déficit de US$ 1,67 bilhão em sua balança com os EUA. Ou seja, os EUA têm vantagens reais no comércio com o Brasil.

A imposição de tarifas elevadas não busca corrigir desequilíbrios, mas sim criar uma condição anticoncorrencial que beneficie setores industriais americanos com perda persistente de produtividade. Entre os principais produtos que o Brasil exporta para os EUA estão óleos brutos de petróleo, celulose, minério de ferro, produtos semiacabados de aço, aeronaves, compostos químicos e alimentos industrializados.

A sobretaxa de 50% sobre as importações brasileiras impactará diretamente a estrutura produtiva americana, encarecendo insumos essenciais para diversos setores estratégicos da economia dos Estados Unidos. O setor de energia será afetado pelo aumento do custo do petróleo bruto importado do Brasil, pressionando refinarias e, potencialmente, os preços ao consumidor final. Na siderurgia e construção civil, o encarecimento do aço e do ferro provenientes do Brasil poderá elevar os custos de obras de infraestrutura e produção industrial.

A indústria química também será impactada, dado o aumento do custo de insumos como celulose e compostos químicos, que servem de base para uma ampla gama de produtos manufaturados. No setor automotivo e aeroespacial, o aumento nos preços de autopeças, aeronaves e componentes poderá comprometer cadeias produtivas integradas, pressionando a competitividade de montadoras e empresas do setor aéreo.

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Por fim, o setor de alimentos e bebidas sentirá os efeitos da alta nos preços de importação de carnes, café e sucos, o que poderá se traduzir em inflação ao consumidor e perda de margem para empresas americanas . Em suma, essa tarifa imposta de forma unilateral tende a fragilizar a própria estrutura produtiva dos EUA.

2. Reação geoeconômica e tentativa de enfraquecer o BRICS

Trump também parece motivado por razões geoeconômicas e geopolíticas. Sua personalidade performática o leva a se comportar como um participante de reality show, que precisa estar constantemente sob os holofotes. O sucesso da cúpula do BRICS, liderada por Lula, parece ter incomodado profundamente o presidente americano, que viu sua relevância internacional ofuscada por um bloco composto majoritariamente por países do Sul Global.

O BRICS vem se consolidando como um polo alternativo de poder internacional, com avanços no Novo Banco de Desenvolvimento, na cooperação comercial com moedas locais e na proposição de uma nova arquitetura financeira e institucional global. Se os EUA continuarem com uma estratégia agressiva de taxar e hostilizar parceiros comerciais, correm o risco de acelerar o processo de integração e fortalecimento do BRICS, aumentar a relevância da China e aprofundar o questionamento sobre o papel do dólar como moeda hegemônica. Não à toa, o dólar vem apresentando um dos seus piores desempenhos cambiais em décadas.

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3. Interferência política e ataque à democracia brasileira

Obviamente, a tentativa de influenciar o processo judicial brasileiro sobre a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, por meio de tarifas comerciais, causou espanto global. Trata-se de uma investida sem precedentes dos Estados Unidos para intervir explicitamente em um caso judicial doméstico de outro país soberano. O mais grave é que tal postura visa proteger um ex-presidente (Jair Bolsonaro) acusado de atentar contra a democracia brasileira. Trump passa a utilizar a política comercial como instrumento de chantagem para defender lideranças ultradireitistas mundo afora.

A situação se agrava com a participação do deputado Eduardo Bolsonaro, que viajou aos EUA não apenas para angariar apoio ao pai, mas também para sustentar medidas que afetam diretamente a economia e a soberania brasileira. Isso revela a incoerência do discurso patriótico do deputado licenciado ao se alinhar a um projeto que tenta minar não só a democracia, mas também os interesses econômicos nacionais. Cabe ao Brasil refletir sobre como lidar com parlamentares que atuam abertamente contra o Estado Democrático de Direito e contra a economia do próprio país.

4. Caminhos para o Brasil

É possível que Trump recue, como já fez em outras ocasiões, e reduza as tarifas a patamares menos proibitivos. No entanto, caso a sobretaxa seja mantida, o Brasil deverá responder de forma estratégica e ativa. Isso inclui intensificar a diversificação de suas relações comerciais e tecnológicas, com foco no fortalecimento de parcerias com países e blocos da Europa, Ásia e África — regiões que também têm sofrido os impactos das políticas erráticas da atual gestão norte-americana.

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Além disso, o Brasil poderá utilizar o cenário para acelerar sua inserção em cadeias produtivas alternativas, aumentar o uso de moedas locais em transações internacionais e intensificar sua atuação no BRICS e em outros fóruns multilaterais. A estratégia de Trump, ao buscar isolar e constranger o Brasil, corre o risco de obter o efeito inverso: estimular a reorganização geoeconômica global com menor dependência dos Estados Unidos e do dólar, fortalecendo a China, o BRICS e o próprio protagonismo internacional brasileiro.

Euzébio de Sousa, Doutor em Desenvolvimento Econômico, especialista em Economia Política e professor, Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)

Este texto é uma republicação do The Conversation. Leia o artigo original.

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