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Sem responsabilidade fiscal, não há responsabilidade social

Os primeiros mandatos de Lula foram um exemplo de como aliar contas públicas saudáveis e auxílios à população. Que ele siga as próprias lições no terceiro.

Por Alexandre Versignassi
9 dez 2022, 06h00

Quando Lula assumiu o governo pela primeira vez, em janeiro de 2003, a dívida pública estava em 76% do PIB. Ao entregar a faixa, oito anos depois, essa proporção era de apenas 62%. Foi diminuindo paulatinamente ao longo de todo o mandato, mesmo com a introdução do Bolsa Família.   

Em janeiro de 2023, de acordo com as previsões do Tesouro Nacional, Lula deve pegar a dívida pública no exato patamar de 20 anos atrás: 76% do PIB. Na ocasião, ele assumiu comprometido com a responsabilidade fiscal. E entregou.

Lula soube surfar uma onda de bonança global. O PIB do planeta cresceu 69% entre 2003 e 2010, de US$ 39,1 trilhões para US$ 66,3 trilhões. O do Brasil, em dólar, mais ainda: multiplicou-se por quatro – de US$ 509 bilhões para US$ 2,208 trilhões.    

Esse cenário permitiu uma expansão dos gastos públicos concomitante à redução do índice dívida/PIB. Com as contas do governo em dia, os juros caíram de intragáveis 26,50% para 10,75%. A inflação, de 12,53% para 5,90%.

O boom das commodities aliado a um cenário macroeconômico estável trouxe mais dólares para o país. A cotação da moeda americana caiu 48% nos oito anos de governo. Com o fortalecimento da moeda brasileira, livramo-nos da dívida externa (um câncer que abalava as contas públicas havia décadas) e juntamos US$ 320 bilhões em reservas internacionais – o que nos garante até hoje uma relativa estabilidade do câmbio.  

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O Goldman Sachs prevê que, com o virtual término do teto de gastos, ela saltaria para 90% ao fim deste mandato; a XP é ainda mais pessimista: 97,5%. Caso role mesmo essa escalada, a economia vai sangrar.

Mas o cenário hoje é diferente. Lula assume com um discurso populista. Sobre a manutenção do teto de gastos, que visa a garantir o mínimo de confiabilidade na gestão das contas públicas, disse: “Para quê? Para guardar dinheiro para pagar juros aos banqueiros? Não!”. E complementou: “Tem uma dívida social histórica de 500 anos com o povo pobre. E nós, como já fizemos uma vez, vamos começar a pagá-la”.

Ou seja: não há disposição para colocar as contas públicas em ordem. E isso num cenário em que o exterior não deve ajudar. Os EUA vivem sua inflação mais aguda em 40 anos. A Alemanha, em 70 anos. O maior índice em 12 meses desde a introdução do euro tinha sido de 4%, às vésperas da crise de 2008. Em outubro deste ano, chegou a 10,6%.

Com isso, as altas nos juros dos países desenvolvidos seguirão firmes 2023 adentro. Juros elevados combatem bem a inflação, mas com um efeito colateral: estagnação econômica, já que pressionam para baixo o consumo, e para cima o desemprego. Com o mundo travado, o Brasil não terá uma onda para surfar.

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Aumentar os gastos públicos num cenário assim pode elevar a relação dívida/PIB a um patamar perigoso. O Goldman Sachs prevê que, com o virtual término do teto de gastos, ela saltaria para 90% ao fim deste mandato; a XP é ainda mais pessimista: 97,5%.

Caso role mesmo essa escalada, o risco-país cresce. O Brasil passa a receber menos investimentos de fora. E o real perde valor ante o dólar. Isso mais a aceleração dos gastos públicos em si alimentam a inflação. Para segurar as altas nos preços, então, o país terá de praticar juros mais altos. E a economia vai sangrar.

Aí quem mais sofre é justamente a população pobre, que além de perder poder de compra (e talvez o emprego), não tem acesso à remuneração dos juros altos. Nisso, a dívida social à qual Lula se refere se tornará ainda mais profunda.

Que os sucessos macroeconômicos dos dois primeiros mandatos em algum momento inspirem este terceiro. Porque sem responsabilidade fiscal, não há responsabilidade social. E Lula deveria ser o primeiro a saber disso.

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