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Ford fecha fábricas e marca o fim de uma história de um século no Brasil

Montadora prevê demitir 5.000 pessoas. No Brasil, manterá a sede da América do Sul, o campo de testes e o centro de desenvolvimento.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 11 jan 2021, 22h48 - Publicado em 11 jan 2021, 17h37

A Ford está no Brasil há mais de 100 anos. Foi a primeira montadora a se instalar por aqui, ainda em 1919. Nesta segunda-feira (11) anunciou que todas as suas fábricas no país serão fechadas em 2021, uma medida que cortará 5.000 postos de trabalho enquanto o país vive o recorde de desemprego.

Em comunicado a investidores americanos, a empresa disse que encerrará imediatamente a produção nas unidades de Camaçari e em Taubaté. Já a unidade que produzia o utilitário Troller, em Horizonte, continuará operando até o quarto trimestre.

Para não dizer que todos os laços foram cortados, seguem no Brasil a sede sul-americana da companhia, o centro de desenvolvimento e o campo de testes. Mas o brasileiro que quiser comprar carros da montadora será abastecido pelas unidades produzidas no Uruguai e na Argentina.

A Ford tem ações negociadas em Nova York. Após o anúncio, os papéis subiam 3%, a US$ 9,27. No Brasil, os BDRs da companhia também avançavam. O valor de mercado da companhia é de US$ 36,9 bilhões, há muito ultrapassada pela Tesla, com seus US$ 767,7 bilhões. E isso já diz muito sobre a necessidade de reestruturação de uma empresa de motores à combustão.

A montadora americana já havia anunciado sua reestruturação na América do Sul e o marco mais simbólico desse plano foi o fechamento da fábrica de São Bernardo do Campo, o mais tradicional polo metalúrgico brasileiro.

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O motivo era a dificuldade de continuar gerando lucros considerados atrativos pela matriz. Em 2019, a GM havia feito ameaça semelhante. Ou voltava a dar lucro esperado, ou sairia do Brasil – mas nunca houve um anúncio de que de fato os resultados tenham batido as expectativas. No final de 2020, a Mercedes encerrou a produção de carros em São Paulo – a de caminhões, que é considerada lucrativa, persiste.

Segundo dados da Anfavea, a associação das montadoras no Brasil, a produção de veículos caiu 31,6% no ano passado, o equivalente a voltar 16 anos no tempo. Mesmo a recuperação desenhada para 2021, alta de 25%, não é suficiente para compensar as perdas do primeiro ano dos danos do coronavírus.

Nesta segunda, a Organização Mundial de Saúde afirmou que ninguém deve contar com a imunidade de rebanho neste ano, descartando, de quebra, qualquer otimismo com a recuperação dos mercados globais.

Conforme a pandemia foi se desenrolando, as montadoras elevaram os alertas de que enfrentavam dificuldades. Em 2020, o dólar saiu de R$ 4 para quase R$ 6. Não é só uma questão de desvalorização: a moeda oscilou tanto no período que tornou difícil fazer qualquer tipo de planejamento.

Faltaram matérias-primas durante o ano, mais uma consequência da pandemia. A indústria automotiva é o maior exemplo das chamadas cadeias globais de valor: quando componentes para um único produto são produzidos em diversas partes do mundo e importados para a montagem em outro país. Em 2020, as interrupções na produção obedeceram o contágio pelos países. Houve um desarranjo na produção que chegou a causar fila de espera por carro zero, apesar da queda da demanda.

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As montadoras também ficaram sem socorro financeiro para atravessar o período mais agudo da crise causada pela Covid, ainda que isso não tenha sido exclusividade delas. Estavam ao lado de companhias aéreas, energia e varejo. Só o setor de energia efetivamente foi socorrido com ajuda do governo – que vai acabar nas contas de luz dos brasileiros, já sabemos que não existe almoço grátis e nem “dinheiro do governo”. Em agosto, a Anfavea disse que as companhias haviam recorrido à crédito privado.

Montadoras foram beneficiadas com incentivos fiscais desde o início da industrialização no país. O primeiro ano completo de produção de veículos digna desse nome por aqui ocorreu em 1957, sob o governo Juscelino Kubitschek.

A história da Ford na Bahia, inclusive, remonta uma guerra fiscal entre estados. A montadora negociava com o governo do Rio Grande do Sul, mas recebeu uma oferta de isenção de impostos da Bahia – e mudou de planos. A isenção de impostos vigorava até os dias atuais.

Ainda assim, a leitura é os incentivos ganharam outra escala no governo Lula, quando houve corte no IPI (Imposto sobre produtos industrializados) disseminado para alavancar as vendas. E, associado a um incentivo ao crédito, a indústria viveu anos de ouro até a chegada da de 2014 a 2016.

Com o caos fiscal do país e a pressão pelo fim de incentivos a setores específicos da economia, os programas federais foram sendo substituídos pelo Inovar Auto, do governo Dilma, e depois pelo Rota 2030, do governo Temer. Os dois últimos exigiam compensações via investimentos. Com a saída de mais uma montadora, o país dá um novo passo para a desindustrialização brasileira.

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