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Especialista em finanças pessoais ensina a vencer o consumismo

Carol Sandpler lança livro no qual ensina a fazer compras mais vantajosas - para o bolso, para a natureza e para a sociedade

Por Mariana Poli
Atualizado em 17 dez 2019, 15h14 - Publicado em 9 mar 2018, 10h00

Até os anos 90, as casas não tinham closet. Os armários eram pequenos e feitos para armazenar apenas alguns pares de roupas e sapatos. Marcas lançavam no máximo quatro coleções por ano, e os itens eram feitos para durar. Hoje, consomem-se 400% mais roupas do que 20 anos atrás e lojas chegam a despejar no mercado 52 coleções — uma por semana.

Os dados são compartilhados pela jornalista especializada em economia e criadora do site Finanças Femininas, Carol Sandler, em seu novo livro, Detox de Compras (editora Benvirá, 27 reais). E mostram como a indústria do consumo acelerou. Nesta entrevista, ela ensina como se desintoxicar da avalanche de novos produtos que inundam as prateleiras: com autoconhecimento e compras mais conscientes.

Por que escrever um livro para ensinar o detox de compras?

Três anos atrás, deparei com uma série de mulheres que estavam desafiando a si mesmas a parar de consumir. Achei interessante e resolvi fazer o teste também. Em seis meses, comprei apenas um anel. Ao terminar o desafio, me dei conta de que a maioria dos itens que deixei para trás não fez a menor falta: desliguei o filtro do consumismo, fiquei menos vulnerável aos estímulos da indústria e aprendi a controlar meus impulsos. Logo depois de fazer o detox, assisti a uma palestra sobre a aceleração do mundo e percebi que o consumismo está totalmente relacionado a isso. Foi aí que resolvi escrever o livro.

A aceleração do mundo aumentou o consumismo das pessoas?

Sim, o consumo também acelerou. Marcas fast fashion têm uma coleção por semana. É brutal. A oferta de produtos explodiu e continua a crescer em velocidade exponencial. O problema é que nosso salário não aumenta na mesma medida e não podemos comprar tudo o que desejamos. Resolvi investigar de que maneira essa dinâmica impacta a sociedade, o meio ambiente e o mercado de trabalho. O livro é uma provocação: precisamos repensar a forma como consumimos, porque, do jeito que está, não é saudável.

Você faz críticas à indústria da moda. Por que centrar fogo nela?

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A expressão “vítima da moda” não é à toa. Nossa estrutura social é voltada para a aparência e para a estética. E, nesse sentido, a cobrança é mais pesada para a mulher. Nos cinco anos à frente do projeto Finanças Femininas, cansei de deparar com relatos de mulheres que ouviram: “Temos reunião amanhã, venha bem-vestida”. Garanto a você que homem nenhum escuta isso. Uma pesquisa da Robert Half [consultoria global de recrutamento] revelou que “venha bem-vestida” é uma das cinco frases sexistas mais ouvidas por mulheres no ambiente de trabalho. É fato que a indústria da moda tem nas mulheres um alvo fácil, numa relação perniciosa, que mexe com a autoestima. Mas a questão não é só com a moda. Há estatísticas que mostram que hoje as mulheres gastam mais com tecnologia do que com beleza. Embora não se enxerguem como high techs, elas querem o celular do ano, o computador novo, a TV inteligente.

Qual é o melhor caminho para fazer um detox de compras eficaz?

Eu prego que as pessoas devem se questionar antes de fazer suas compras: eu preciso disso? Tenho algo parecido? De que forma isso foi produzido? Basta dar um Google com o nome da marca para descobrir. Além disso, é preciso ter controle financeiro e fazer compras planejadas. Se eu gostei de algo, tenho dinheiro, dormi, acordei e quero mesmo aquele item, posso comprar. Se não tenho dinheiro, vou esperar até juntar o valor necessário. Só a consciência e a organização financeira são capazes de transformar o consumismo em consumo consciente.

Como convencer as pessoas a abrir mão de preços baixos  em nome de uma causa maior?

À medida que você se pergunta de que forma aquilo ficou tão barato, chega à conclusão de que quem paga a conta é a natureza de um lado, com a poluição do meio ambiente, e a sociedade do outro, com o trabalho escravo. Hoje, já existem iniciativas que ajudam o consumidor nesse sentido. O sistema B [processo global que certifica negócios sustentáveis] é uma delas. Ao adquirir um produto com selo B, a pessoa sabe que está comprando de uma empresa que usa matéria-prima local, valoriza seus funcionários e não poluiu o meio ambiente. O movimento está começando no Brasil, mas já existem boas companhias nacionais certificadas [é possível conferir a lista completa no site sistemab.org]. Há ainda outro raciocínio a ser feito. Se você usa duas vezes uma roupa baratinha e joga fora porque rasgou, gastou dinheiro à toa e ainda impactou o meio ambiente. É mais inteligente juntar dinheiro para adquirir algo melhor. É só fazer as contas: se considerarmos a hora/uso, uma blusa de 9,90 que você vestiu duas vezes é mais cara do que a de 100 reais que durou anos e foi usada dezenas de vezes.

O cartão de crédito é um inimigo de quem deseja se desintoxicar do consumismo?

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De certa forma, sim. Se analisarmos as dívidas da maior parte dos brasileiros, vamos perceber que não são de longo prazo, como o financiamento para a compra de imóvel ou uma linha de crédito para montar o negócio. É consumo. Nossa sociedade valoriza o cartão de crédito. Temos a percepção de que não precisamos do dinheiro na hora. A cultura do “quer pagar quanto?”, do “parcelamos em até dois cartões”, aumenta essa ilusão. Quando alguém divide em dois cartões um item que não é de sobrevivência, há algo muito errado. Assim como planejamos o orçamento da família, devemos planejar um orçamento de compras pessoais. Aconselho as seguidoras a fazer uma lista de desejos. Isso ajuda a estabelecer metas de consumo e a juntar dinheiro para alcançá-las.

Mas é possível usar o cartão de crédito com sabedoria, certo?

O cartão de crédito é como um carro. Se você sabe usar, ele o leva de um lugar a outro com segurança e praticidade. Se não sabe, vira arma. Se você é do tipo que nunca paga o  mí­nimo nem precisa parcelar as faturas, aproveite. Use o cartão para acumular milhas, por exemplo. Agora, se já entrou no rotativo, melhor ficar esperto. Há estudos que mostram que andar com o cartão de crédito nos torna mais propensos a usá-lo. O ato de abrir a carteira, contar as notas e entregá-las ao vendedor muda a experiência de consumo e ajuda a desenvolver o autocontrole. É economia com­por­ta­men­tal. Richard Thaler, Nobel de Economia, chama isso de nudge [“empurrãozinho”], ou seja, um incenti­vo. Para quem tem problemas para lidar com o cartão, um bom nudge é não andar com ele na bolsa.

No livro, você traz um dado impressionante: tomamos cerca de 35 000 decisões por dia. Como melhorar as escolhas financeiras
diante dessa avalanche?

Barack Obama, por exemplo, decidiu usar apenas um modelo de terno durante todo o seu mandato. Ele tinha várias unidades no armário e usava sempre a mesma roupa. Com isso, tinha uma decisão a menos para tomar. Não somos o presidente dos Estados Unidos, claro, mas tamb��m passamos o dia decidindo. Se eu tenho 500 reais, o que faço: o jantar da minha vida, uma viagem no fim de semana, uma compra no shopping? Há estafa de decisões. E a única maneira de fazer escolhas melhores é ter objetivos de vida claros e alinhados com seus valores. Isso ajuda a fazer renúncias e sacrifícios para conquistar o que real­mente se quer, seja o negócio próprio, seja a aposentadoria tranquila, seja a casa própria. O autoconhecimento gera decisões melhores. A pessoa sabe o que deve deixar de consumir para ficar alguns reais mais próxima de seu objetivo.

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