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Por que o cartão rotativo cobra 300% de juros?

A lei do teto nos juros pode fazer sentido na pandemia. Mas o caminho para reduzi-los de forma sustentável é outro: aumentar a concorrência entre os bancos

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 8 ago 2020, 11h55 - Publicado em 7 ago 2020, 12h02

Os juros do cartão rotativo são 14.900% maiores do que a Selic – média de 300% ao ano para quem fica devendo no cartão, contra 2% dos juros básicos da economia.

300% ao ano… Nos EUA, a taxa média do rotativo é de 23%.

Dois fatores explicam a diferença. Um é a falta de concorrência entre bancos por aqui. Existem 4,5 mil instituições bancárias nos EUA. No Brasil, são 150, com um adendo: 80% do total de depósitos do País estão em cinco – Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e Caixa. Falta de concorrência eleva preços, em qualquer área. E os juros são do que o preço daquele produto que, como nossas mães nos lembravam, não dá em árvore: o dinheiro. Os juros são o preço do dinheiro.

Dinheiro, porém, também fica mais caro quando entra outro fator na jogada: a inadimplência.

Vamos lá. Tanto nos EUA como no Brasil, só 60% de quem usa cartão de crédito paga a fatura direitinho no final do mês. O resto do povo entra no rotativo – um eufemismo para “não paga o que deve”. E aí cai na armadilha dos juros, que, seja lá, seja aqui, os bancos sempre deixam armada, já que o rotativo é um “produto” extremamente lucrativo.

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Mas tem um detalhe: a proporção de gente que simplesmente não paga nada do que usou no cartão. Os inadimplentes raiz. Nos EUA, essa taxa é de 5%. No Brasil, segundo dados do SPC, de 25%.

Como banco não leva desaforo financeiro para casa, o que eles fazem é cobrar juros altos no rotativo. A grana de quem paga a conta atrasada com juros cobre o rombo criado pelos inadimplentes.

Na conta de padaria, porém, algo não fecha. Nosso índice de inadimplência é cinco vezes maior que o deles. Ok. Mas nossa média de juros no rotativo é 13 vezes maior. Aí que entra o problema de falta de concorrência.

Falta de concorrência não se resolve por decreto. O Senado aprovou o teto de 30% para os juros no rotativo (e no cheque especial) enquanto durar o estado de calamidade pública da pandemia. Beleza.

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O problema é que os bancos vão dar um jeito para que a medida não manche de vermelho seus balanços trimestrais. Obrigados a cobrar um juro menor, terão de evitar clientes com “potencial de inadimplência”. Ou seja: vai ficar mais difícil ter um cartão de crédito.

Por outro lado, quem já paga juros no rotativo terá um alívio. Em vez de pagar 12% ao mês (que dá os 300% anuais), vai pagar 2%. Nisso, uma dívida de R$ 10 mil no cartão passa a comer só R$ 200, contra R$ 1.200 que come hoje. Dinheiro que iria para os bancos, segue no bolso do público.

Faz sentido como medida de emergência? Faz. O perigo é outro. Um adendo no Projeto Lei diz que, finda a pandemia, caberá ao Conselho Monetário Nacional (CMN) determinar os tetos de juros. O CMN é um grupo formado por três pessoas: o Ministro da Economia, o presidente do Banco Central mais um executivo do Ministério da Economia apontado pelo titular da pasta.

Ou seja: quem passa a determinar os juros deixa de ser o mercado, e passa a ser o governo (até porque o nosso Banco Central não é independente – é só um braço do Poder Executivo).

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Transformar isso em lei dá ao governo (a qualquer governo) poderes ditatoriais sobre o mercado financeiro. Desnecessário dizer que isso não é bom. Como tuitou o Faria Lima Elevator: depois dessa, só falta o Senado proibir por decreto as quedas da bolsa

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