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Sofia Esteves

Fundadora e presidente do conselho da Cia de Talentos, Co-fundadora do Bettha.com e Presidente do Instituto Ser+
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Agora o mundo não é mais VUCA, é BANI

A volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade ficaram para trás. O mundo ficou um pouco menos otimista, mas pode impulsionar muitas mudanças.

Por Sofia Esteves
20 Maio 2021, 16h00

Quem participou de eventos sobre transformação digital nos últimos anos com certeza esbarrou em um acrônimo que estampava pelo menos um slide nas apresentações de PowerPoint. Sim, estou falando do conceito VUCA. O mundo, há algum tempo, passou a ser descrito por essas quatro letras — V de volatility (volatilidade), U de uncertainty (incerteza), C de complexity (complexidade) e A de ambiguity (ambiguidade) —, que também pautaram a revolução tecnológica dentro das empresas.

Traduzir em quatro características toda a mudança acelerada e toda a complexidade vigente era um jeito de tornar um pouco mais compreensível aquilo pelo que passávamos e que, convenhamos, gerava um pouco de ansiedade. Transformar a subjetividade dos novos tempos em algo mais concreto nos ajudou a dar mais sentido para aquele momento da vida. E estou escrevendo assim, me referindo ao passado, porque, na minha opinião, já faz algum tempo que passamos do VUCA para o mundo muvuca. Tudo junto e misturado!

Eu costumava fazer esse trocadilho nas minhas palestras não só pela brincadeira, mas para propor uma reflexão sobre a tentativa de classificar o momento pelo qual estávamos passando. Essa necessidade natural do ser humano de criar categorias, de ter definições mais precisas.

De um lado, entendo que é importante nomear as coisas porque, de fato, são as palavras que nos ajudam a dar sentido e a entender melhor o que está acontecendo ao redor. Do outro, será que, ao criar um rótulo para o mundo em que vivemos, estamos nos limitando? Será que, inconscientemente, achamos que esse tipo de categoria ajuda a controlar um pouco melhor a mudança intensa? Como se fosse possível tirar um único retrato da transformação e, de alguma forma, tornar a realidade estática.

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Não tenho uma resposta exata para isso, mas trago uma novidade para quem achava que, ufa, já tinha entendido que mundo é esse no qual vivemos: a categoria mudou. Sai o VUCA, entra o BANI. Pelo menos na concepção do futurista e antropólogo Jamais Cascio. Para ele, a (mu)VUCA precisava ser reorganizada e traduzida em novas palavras porque é isso: a transformação é contínua e não vai “caber” sempre na mesma categoria. Aquele acrônimo tão popular nos PPTs já não representava tão bem a nossa realidade, a qual, na opinião do especialista, se tornou: Brittle (frágil), Anxious (ansiosa), Nonlinear (não linear) e Incomprehensible (incompreensível). Vamos entender um pouco melhor cada uma delas?

  • Frágil: nas palavras do especialista “a fragilidade geralmente surge de esforços para maximizar a eficiência, para extrair até a última gota de valor — dinheiro, energia, comida, trabalho — de um sistema”. Ele também relaciona essa característica com o desequilíbrio de sistemas que dependem de um único elemento para se manterem de pé, como uma monocultura agrícola ou um país rico em recursos naturais e que se concentra inteiramente na sua extração.
  • Ansiosa: sabe aquela sensação de desesperança e de impotência diante da pandemia? Então, esse cenário é o pano de fundo para a ansiedade. Para o futurologista, “em um mundo ansioso, toda escolha parece ser potencialmente desastrosa”. E, com isso, surge uma passividade diante da tomada de decisão, ao mesmo tempo em que, freneticamente, apertamos o botão F5 para saber mais notícias sobre o novo mundo, para “atualizar a página”.
  • Não-linear: aqui, a complexidade dá lugar para a falta de linearidade. A lógica da causa e efeito muda e ações que parecem pequenas podem causar efeitos gigantescos. Um exemplo que Cascio dá é a luta contra a própria pandemia. Ela não tem uma solução única, envolve diversos fatores, requer medidas mais complexas, mas também depende de cuidados “simples”, é um problema amplo e, portanto, requer uma “rede” atuando de forma conjunta para ser contida.
  • Incompreensível: muitas dúvidas, absurdos e perguntas sem resposta. Tudo isso colabora para essa sensação de falta de compreensão da realidade. O especialista ainda aponta uma ironia: em um mundo com tantos dados, tantas informações, parece que nunca estivemos mais perdidos.

Eu sei, não é uma visão muito otimista do mundo atual. Traduzir o contexto de hoje nessas quatro características pode reforçar a nossa angústia, contribuir para a desesperança… Enfim, bate um desânimo. Mas, talvez, olhar a realidade por essa nova lente pode, na verdade, ser o impulso que precisávamos para pegarmos novas ferramentas e “reformarmos” esse cenário. Não é porque o BANI parece representar muito do que estamos vivendo, que iremos continuar nessa estrutura para sempre. Lembre-se: o retrato muda.

O próprio “pai” do novo acrônimo explica que cada uma daquelas letras representando uma palavra podem inspirar soluções. Para a fragilidade, a resiliência. Para a ansiedade, a empatia e a atenção plena. Para não-linearidade, a visão mais ampla sobre o contexto e a flexibilidade. Para a incompreensibilidade, a transparência nas informações. É uma fórmula mágica que, de repente, vai consertar tudo? Não. Ainda estamos descobrindo como lidar com o “novo normal”. Porém, uma reforma começa justamente assim: identificando os problemas e as necessidades de melhoria. Então, mãos à obra!

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