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Claudio Lottenberg

Médico oftalmologista, é presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde. Também atua como conselheiro da Unicef.
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Pesquisadores da USP usam IA para detectar ansiedade e depressão em tweets

Uma base com 47 milhões de tweets treina um programa para detectar escolhas estilísticas típicas da redação de posts por pessoas com distúrbios mentais.

Por Claudio L. Lottenberg
Atualizado em 26 abr 2024, 14h35 - Publicado em 10 Maio 2023, 14h17

O diagnóstico precoce é muito importante para a medicina. Centenas de pesquisas são realizadas a cada ano para que se possa detectar com a maior antecedência possível câncer, doenças cardíacas, Alzheimer – um estudo recente acerca desta última inclusive fala de um exame que avaliará biomarcadores (indicadores mensuráveis) que poderão dizer, com quase dez anos de antecedência, se a pessoa apresentará sintomas da doença.

No caso de depressão e ansiedade, pesquisadores brasileiros vêm desenvolvendo modelos que permitirão ajudar a prever sua ocorrência. E as informações para esses modelos vêm de duas fontes de que não há mais como nos afastarmos hoje: redes sociais e IA (inteligência artificial).

O aumento de casos de depressão e ansiedade é um dos muitos legados sombrios deixados pela pandemia de covid-19. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, apenas no primeiro ano da pandemia, ocorrências desses dois transtornos mentais aumentaram em 25%. Mas, já em 2019 – ainda antes da pandemia, portanto –, cerca de 1 bilhão de pessoas vivia com algum tipo de transtorno mental, segundo dados do World Mental Health Report de 2022.

No Brasil, o Ministério da Saúde lançou em junho do ano passado iniciativas no SUS (Sistema Único de Saúde) para atender pacientes com ansiedade e depressão. O órgão fez uma revisão recente de 29 pesquisas e verificou que, antes da pandemia, sintomas depressivos eram comuns em 12,9% dos jovens e adolescentes; durante a pandemia, a taxa subiu para 25,2%. Quanto à ansiedade, os percentuais verificados foram de 11,6% e 20,5%, respectivamente.

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Quando se observa os casos de burnout, o que se vê em pesquisa da empresa Gattaz Health & Results, divulgada em outubro de 2022, é que 18% dos brasileiros – quase um em cada cinco – sofre com a síndrome – e além disso, 43% disseram ter sintomas de depressão e 13%, de ansiedade.

Não há como negar que, se for possível antecipar qualquer ocorrência de sintomas de depressão e ansiedade, os benefícios serão imensos, para pacientes e sistemas de saúde. E os “rastros” que deixamos em nossas interações digitais são uma fonte de dados que não se pode ignorar – até porque esses rastros tendem a ser cada vez mais amplos e numerosos, sem que haja sinais de reversão dessa tendência. Nada mais lógico que buscar, em toda a trilha que deixamos, indícios que possam auxiliar o diagnóstico para depressão e ansiedade.

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Com isso em mente, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão usando inteligência artificial (IA) e o Twitter, uma das maiores redes sociais do mundo, para criar modelos de previsão de ansiedade e depressão que possam, no futuro, fornecer sinais desses distúrbios antes do diagnóstico clínico. A base de dados em construção pelos pesquisadores foi batizada de SetembroBR – uma lembrança à campanha anual do Setembro Amarelo (de prevenção ao suicídio) – e usa informações buscadas no Twitter, de mais de 3,9 mil usuários da rede – incluindo informações da rede de conexões desses usuários.

O resultado é uma base que soma cerca de 47 milhões de tuítes públicos. Nessa massa de informação, o modelo busca padrões que mostram, por exemplo, que no discurso de indivíduos com depressão há uma tendência a que se faça referência a temas como “morte”, “crise” e “psicólogo” – e que se fale mais em primeira pessoa. Não são os únicos sinais, claro. A ferramenta ainda é parte do estudo, sem aplicação prática no diagnóstico desses transtornos.

Estamos no início dos desenvolvimentos dos elos entre tecnologia e saúde. A pandemia acelerou o processo, mas ainda estamos no princípio: quando chegarmos ao fim do próximo quarto do século 21, mal se pode dizer hoje em que ponto se estará. O profissional de saúde não será substituído pela máquina, mas está fará do diagnóstico precoce uma rotina, e essa é uma das maiores vantagens que a tecnologia digital poderia ter trazido à medicina. O uso das redes sociais poderá, enfim, ser mais do que uma forma de recreação – nem sempre saudável, ainda mais em exagero (como tudo na vida): virão dali dados que poderão ajudar a promover a saúde mental.

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