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Claudio Lottenberg

Médico oftalmologista, é presidente do conselho do Hospital Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde. Também atua como conselheiro da Unicef.
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Casos de burnout na comunidade médica dispararam na pandemia

É o que mostram estudos com profissionais que atuaram na linha de frente. Problema estrutural na Saúde também contribuiu para agravar situação.

Por Claudio L. Lottenberg
Atualizado em 11 abr 2022, 13h35 - Publicado em 11 abr 2022, 13h34

Um dos principais problemas que aflige os médicos hoje é o burnout — também chamado de síndrome do esgotamento profissional. Reconhecido como doença ocupacional pelo Ministério do Trabalho, e como fenômeno de escala mundial pela Organização Mundial da Saúde (OMS), consiste em quadro de exaustão extrema a nível físico, mental e emocional, gerado pelo estresse crônico no ambiente de trabalho.

A própria natureza da profissão médica sempre colocou esses profissionais numa categoria de risco para a doença; o estresse crônico, afinal, é inevitável num cotidiano em que a regra são as jornadas de trabalho extenuantes, um nível de responsabilidade altíssimo — nos quais as decisões tomadas são, literalmente, questão de vida ou morte — e um déficit estrutural de salubridade que chega a inviabilizar o tratamento adequado dos pacientes.

O que os médicos vêm enfrentando nos últimos anos, no entanto, transcende a dimensão habitual do problema. Cada vez mais, ele tem deixado de ser um risco potencial e se tornado algo inerente à profissão. Nos hospitais e prontos-socorros, particularmente, transformou-se em algo tão familiar que já não é reconhecido com a gravidade necessária.

Duas pesquisas recentes mostram de forma clara que a situação chegou a um ponto crítico, e ajudam a quantificar um mal que os profissionais de saúde já conheciam por experiência e intuição.

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A primeira delas é o trabalho de conclusão de curso da estudante de psicologia da Unifesp Gabriela Correia Netto, que ouviu 301 médicos da linha de frente no combate à Covid-19 no estado de São Paulo. Desses profissionais, 71% tinham nível médio ou alto de estresse relacionado ao trabalho, e ao menos 15% — ou 1 em cada 7 médicos — apresentaram sintomas graves da doença durante a pandemia.

Os profissionais que se encaixaram nessa definição relataram grau elevado de ao menos dois dos três eixos característicos do quadro: esgotamento emocional, falta de realização profissional e cinismo ou indiferença em relação aos pacientes. Ainda que nem todos os médicos se enquadrem oficialmente, a sensação de esgotamento foi consistente nas respostas ao formulário aplicado na pesquisa. O nível médio de esgotamento ficou em 3,54 numa escala de 0 a 6 (equivalente a 5,9 numa escala de 0 a 10).

Outro levantamento revelador foi conduzido pela Associação Médica Brasileira (AMB) no final de janeiro, em meio ao surto da variante ômicron do coronavírus, que avaliou a percepção subjetiva de mais de 3 mil médicos sobre as próprias condições de trabalho. Deles, 51% se declararam esgotados e apreensivos com a situação, e 64% avaliaram que seus colegas estão sobrecarregados.

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Evidentemente, as circunstâncias relatadas por ambos os estudos se explicam pelo contexto: a pandemia vem sobrecarregando os locais de atendimento de forma sistemática há quase dois anos (o Brasil chegou a ter 1 milhão de novos casos diários de Covid-19 no pior momento da onda da ômicron, segundo estimativa da Universidade de Washington). O fato de muitos profissionais terem se infectado também contribuiu para gerar uma reação em cadeia: com a necessidade de afastamento imposta pela doença, a sobrecarga piorou justamente no momento em que os médicos eram mais necessários.

No entanto, o coronavírus não é o único fator por trás do esgotamento dos profissionais da saúde — e não basta acabar com ela para erradicar a síndrome. A causa real está ligada a uma série de falhas estruturais do sistema de saúde brasileiro, que incluem a falta de infraestrutura e de equipes multidisciplinares.

Além disso, desde o início da pandemia, as condições de trabalho dos médicos pioraram de forma vertiginosa, e não houve nenhuma política específica para ampará-los enquanto categoria num momento que foi, certamente, o mais desafiador das suas vidas e carreiras.

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Ainda que situação da pandemia melhore no futuro próximo — como todos esperamos que aconteça — o fantasma onipresente do burnout tende a se arrastar e a ficar cada vez mais insustentável caso nada seja feito pelo poder público.

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