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Profissionais que atuam com metodologia ágil ganham destaque nas empresas

Com a transformação digital em curso, esta área se torna cada vez mais promissora para o trabalho do futuro e o desenvolvimento de profissionais

Por Diego Braga Norte
Atualizado em 18 mar 2021, 09h56 - Publicado em 13 jul 2020, 06h00

Para sobreviver e prosperar hoje, é preciso mais agilidade. As mudanças na sociedade e nos negócios ocorrem cada vez mais rápido, e o acrônimo Vuca virou praticamente um sinônimo do contexto atual: nunca o cenário foi tão volátil, incerto, complexo e ambíguo. Empresas tradicionais veem surgir concorrentes inesperados, startups pipocam em todos os setores, e a tecnologia da informação e a inteligência artificial alteram o andamento de mercados globais que julgávamos consolidados. O planeta está mais ágil.

Mantendo sua tradição em tentar prever (ou moldar) o futuro da economia e dos negócios, o Fórum Econômico Mundial publicou em janeiro deste ano o relatório Jobs of Tomorrow (“Empregos do amanhã”, numa tradução livre). Elaborado por cientistas de dados das empresas LinkedIn, Coursera e Burning Glass Technologies, o documento elenca as 96 profissões que devem ganhar relevância nos próximos dois anos. As carreiras do futuro estão espalhadas em sete macrogrupos: vendas, marketing e conteúdo; saúde; dados e inteligência artificial; engenharia e computação em nuvem; desenvolvimento de produtos; economia verde; e pessoas e cultura.

Salta aos olhos a demanda por profissionais que tenham entre suas competências familiaridade com as metodologias ágeis. “Com a consolidação da Indústria 4.0, a adoção das metodologias ágeis será algo irreversível”, afirma Luciana Lima, professora de gestão de negócios e pessoas no Insper. Ela avalia ainda que a adoção de tais procedimentos ágeis irá acontecer em todos os setores —­ as empresas se tornarão mais flexíveis para sobreviver e se adaptar às mudanças.

Baseado em uma série de valores e princípios, o Manifesto para Desenvolvimento Ágil de Software, feito por um grupo de programadores americanos em 2001, é um dos documentos fundadores do movimento agile. No texto, os autores pregam protocolos mais flexíveis para fazer as entregas. “Hoje, tudo o que usa tecnologia é agile. Há gestão ágil em empresas de finanças, mídia, educação, saúde, logística, indústrias, varejo e até em governos”, afirma Luciana Lutaif, diretora de práticas e talentos da consultoria Accenture.

Facilitadores

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Marcos Mattioli, especialista da Deloitte: à frente de um time multidisciplinar, sua função é dar mais fluidez às execuções de projetos | Foto: Celso Doni ()

Dentre as carreiras elencadas pelo Fórum Econômico Mundial na categoria “desenvolvimento de produtos”, três estão diretamente relacionadas com as metodologias ágeis: product owner (em primeiro lugar da lista), agile ­coach (em terceiro) e scrum master (em sexto). De maneira sucinta, o product owner coordena uma equipe de desenvolvedores e tem a responsabilidade de construir e entregar o produto ou serviço mais adequado para as necessidades dos clientes.

O scrum master é a pessoa que atua acima do product owner e tem a missão de ajudar todos a compreender os valores, princípios e práticas ágeis para melhorar a realização do trabalho. Já o agile coach, função mais conhecida, é o guia que orienta, nos diferentes níveis hierárquicos, todas as equipes durante o processo de implementação dos processos ágeis, incentivando funcionários e líderes na adoção de novas práticas e comportamentos. Todos funcionam como uma rede de apoio numa organização que aplique as metodologias ágeis.

Ainda que em diferentes contextos, essas funções têm algo em comum: precisam mediar e resolver os conflitos que surgem durante o desenvolvimento de um novo serviço ou produto. E esses embates podem ocorrer dentro dos times ou fora, caso existam clientes externos envolvidos no projeto. “Eles são facilitadores, aproximam pessoas que nunca trabalharam juntas, unindo-as com um objetivo comum e específico”, explica Luciana Lutaif, da Accenture. Para isso, habilidades socioemocionais — tais como facilidade de trabalhar em equipe, de criar e manter boas relações interpessoais, de escutar e mediar conflitos, entre outras — são essenciais.

“É curioso, mas a palavra ‘ágil’ não é a que melhor define o agile. ‘Maleabilidade’ é a melhor palavra para as metodologias ágeis”, diz Marcos ­Mattioli, especialista da consultoria Deloitte e responsável por implementar agilidade na companhia. Marcos, que está à frente de um time multidisciplinar composto de 13 pessoas, conta que até pouco tempo atrás os projetos eram grandes e dificílimos de ser moldados. Entre o pedido inicial e a entrega, passava-se tanto tempo que, quando saía do papel, o produto ou serviço já estava defasado em relação aos concorrentes ou às necessidades dos clientes. Ao usar métodos ágeis, com validações mais rápidas e pequenas entregas (os famosos sprints), o ciclo é acelerado e os ajustes são feitos com velocidade. “Não corremos mais o risco de sair do caminho das indicações iniciais. Tentamos mais, erramos mais, corrigimos rápido, aprendemos e entregamos mais”, diz Marcos.

Em alta

Numa pesquisa feita no LinkedIn em abril, havia 146 vagas para agile ­coach, 255 para product owner e 208 para scrum master. Juntas, as carreiras geravam mais de 600 oportunidades no período — lembrando que, em abril, o Brasil já enfrentava a crise econômica ocasionada pelo coronavírus. Essa demanda, de acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, tem forte tendência ao crescimento no país, exatamente como aponta o relatório do Fórum Econômico Mundial.

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O problema é que o Brasil está diante de um paradoxo: há vagas, mas pouquíssimas pessoas com experiência prática nessas metodologias. “Não basta ter feito um curso, é preciso ter cicatrizes de guerra, ter atravessado problemas e conquistado resultados com as metodologias”, diz Luciana Lutaif.

A alta demanda se explica tanto pela adoção em massa das metodologias nas áreas tecnológicas de empresas como pelo uso delas em outros departamentos. Hoje o mercado já fala em organizações ágeis, com entregas rápidas, planejamentos de horizonte mais curto e flexibilidade. “Há um movimento de disseminar a cultura ágil por toda a estrutura organizacional para eliminar barreiras, conectar pessoas de áreas distintas que possam resolver problemas, ter mais contato e cumplicidade com os clientes”, explica Luciana Lima, do Insper.

Uma das empresas que passa por essa transformação é a varejista Magazine Luiza, que está levando o processo tão a sério que foi até a Sué­cia recrutar o brasileiro Henrique Imberti, atual diretor de agilidade da companhia, que começou a se especializar no tema em 2004. Depois de algumas experiências como agile ­coach no Brasil, Henrique foi contratado pelo Spotify para atuar na mesma função, mas em Estocolmo, capital sueca. Ficou por lá de 2014 a 2017.

“A temporada serviu para eu consolidar algumas certezas e derreter outras”, diz. No Magazine Luiza­, seu objetivo (ao lado de um time de nove pessoas) é ajudar a mudar a mentalidade dos mais de 35.000 funcionários — e isso tem apoio do CEO da empresa, Frederico Trajano. “Agile coach, agile master, product owner, scrum master e qualquer variação possível não são super-heróis. Se não têm apoio interno, não fazem nada, falam para as paredes”, diz Henrique.

A equipe de agilidade do Magalu já colhe alguns frutos. O planejamento estratégico, por exemplo, não é mais anual, mas quadrimestral e ancorado em indicadores modernos, como número de usuários ativos no e-commerce e NPS (net promoter score, que mede a satisfação dos clientes). “Times e projetos mudam rápido, em semanas, mas mudar uma empresa desse tamanho é manobrar um transatlântico; demora um tempo, e é normal que seja assim”, diz o diretor. E ele completa: “Ser ágil é ter mais autonomia, é aprender com os erros para mudar rápido.”

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