Procuram-se profissionais de Tecnologia da Informação
Entenda melhor a questão da falta de mão de obra e as possibilidades que o segmento oferece para quem deseja mergulhar nele.
20 milhões de brasileiros não têm emprego. Destes, 14,1 milhões estão em busca de um trabalho para chamar de seu, de acordo com o IBGE, enquanto os outros 5,9 milhões já jogaram a toalha e desistiram de procurar. Em contraposição a essa realidade está a área de Tecnologia da Informação, com muitas vagas em aberto e poucos profissionais para preenchê-las. Até 2024, serão 421 mil postos de trabalho criados no setor, segundo estimativas da Brasscom (a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação). Dá mais de 100 mil novas vagas anuais. Isso seria lindo, não fosse um problema: nossos cursos superiores formam menos de 50 mil novos profissionais de TI por ano.
Responsável por 6,8% do PIB brasileiro, o setor de TI movimentou R$ 494,7 bilhões em 2019. No último relatório do LinkedIn sobre profissões em alta, 9 dos 15 cargos destacados estavam relacionados à Tecnologia da Informação. As profissões ligadas à área também encabeçam os rankings das consultorias de recrutamento PageGroup e Robert Half.
Não é novidade para ninguém que se trata de um segmento em ascensão. Em 2018, a estimativa de vagas anuais em TI já era de 70 mil. E o crescimento acelerado vem desde 2014, segundo o presidente da Brasscom, Sergio Paulo Gallindo. A pandemia, porém, agilizou o processo.
De um dia para o outro, boa parte do trabalho passou a ser feita de casa, a educação foi para o modo remoto, o e-commerce tomou de vez o lugar dos shoppings; o Rappi, o do restaurante por quilo; o Zoom, o da sala de reunião e do bar, e do consultório médico. Quase nada escapou do novo regime virtual. E os responsáveis por viabilizar tudo isso são justamente os profissionais de TI: programadores, desenvolvedores, cientistas de dados, especialistas em cibersegurança, em infraestrutura de nuvem…
E não se trata apenas de uma demanda das empresas de tecnologia propriamente ditas (Totvs, Locaweb, Linx), mas também de companhias diversas que estão reforçando suas áreas de TI, como varejistas, bancos e aplicativos de entrega.
“Não que a pandemia seja algo a se celebrar, longe disso, mas não se pode negar que a situação foi um propulsor para as transformações digitais”, diz o presidente da Brasscom. “De outra forma, a adaptação das empresas nunca teria acontecido tão rapidamente. E o impacto disso no mercado de trabalho é gigantesco.”
Áreas mais carentes
Também dá para mensurar essa ebulição da área em termos financeiros. A expectativa da Brasscom é de que o investimento em Tecnologia da Informação fique em torno de R$ 90 bilhões por ano daqui até 2024.
Algumas áreas do setor fervem mais que outras (veja quadro abaixo). Mais de um terço dos investimentos anuais (R$ 36 bi) devem ir para a Internet das Coisas (IoT). Natural. A Internet of Things é a tecnologia por trás de objetos que começam a entrar para o dia a dia. O nome vem do conceito de “empoderar” objetos dotando-os de conexão com a rede. Até pouco tempo atrás, isso não passava de uma conversa (um tanto chata) sobre o poder que um liquidificador ou uma geladeira com internet teria (se você souber de algum, nos conte). Mas isso já faz parte do passado.
A Internet das Coisas já chegou no nosso dia a dia. É ela que faz a Alexa te dar a previsão do tempo e contar piada. É a IoT que permite a um dono de Apple Watch sair para correr sem celular no bolso e atender ligações pelo relógio. É a IoT que acende a luz das lâmpadas inteligentes. Mais: com a chegada do 5G a internet vai adiantar outras coisas. Carros, por exemplo. É possível que tenhamos veículos autônomos o bastante para fazer viagens com o motorista lendo um livro ao volante, muito antes de as leis de trânsito permitirem a leitura de livros ao volante.
Uma área da TI, vale lembrar, puxa a outra. A IoT dá mais trabalho para o armazenamento em nuvem – algo que também já foi novidade, e que agora nos parece tão vital quanto o ar. Sem nuvem, sem música na Alexa. Sem nuvem, sem Gmail. A nuvem real não é algo tão fofo quanto o nome indica. São só galpões gigantes cheios de processadores e discos rígidos distribuídos em rincões mundo afora. O ponto é que eles não guardam só o seu Gmail, as músicas do seu Spotify e as piadas da Alexa. Há anos, a maior parte das empresas está deixando de ter data centers próprios, e migrando seus sistemas para nuvens. Nuvens como AWS, da Amazon, e a Azure, da Microsoft. Não por acaso, esses são os serviços mais rentáveis dessas duas companhias trilionárias – e o valor de mercado de cada uma delas é comparável ao PIB do Brasil (US$ 1,8 trilhão).
Segundo a consultoria Gartner, até 2025, 80% das empresas brasileiras terão migrado seus data centers para alguma nuvem. Com isso, a expectativa é a de que os investimentos em cloud computing por aqui somem quase outro terço do total esperado para a TI (R$ 28 bi). Ou seja: quase 70% daquelas 100 mil vagas/ano em TI estarão nessas áreas nos próximos anos.
Educação à força
Legal. Mas como preencher tantas vagas se os cursos superiores mal dão conta de metade delas? Discutir a ampliação de vagas nas universidades é fundamental para o futuro do país. O problema é que na TI o futuro já chegou. A demanda está aí, e a falta de gente preparada também. Nesse cenário, coube às próprias empresas irem atrás de uma solução rápida.
E foi o que aconteceu: cada vez mais companhias estão dando um jeito de formar novos profissionais por conta própria. Não se trata de cursos de graduação, mas de capacitação – geralmente voltados ao ensino de linguagens de programação. Saber Python, Java e cia., afinal, é o primeiro passo para quem deseja ingressar na TI. E não menos importante: já torna os formandos completamente empregáveis.
A Localiza, o Banco Inter e a MRV se juntaram para formar 100 mil pessoas ao longo de 2021. O projeto funciona por meio de uma startup de inovação da qual as empresas são fundadoras, a Órbi Conecta. E tem três frentes personalizadas para atender às necessidades de cada negócio. A frente do Inter planeja formar desenvolvedores Java. As da Localiza e da MRV, para capacitar desenvolvedores nas linguagens de programação do sistema .NET.
Em fevereiro, foram liberadas as primeiras 30 mil bolsas de estudos – outras 70 mil serão abertas nos próximos meses. Com carga horária de 90 horas, os alunos têm 75 dias para finalizar o curso (on-line) e, ao final, recebem um certificado e concorrem a uma vaga na empresa de cuja frente participaram.
Também há o Instituto da Oportunidade Social, que desde 1998 capacita jovens de 14 a 29 anos na área de tecnologia. Eles têm parceiros pesos-pesados, como Totvs, Dell, Microsoft e Deloitte. E oferecem cursos de programação (160 horas) e suporte em TI (300 horas), entre outros. Dos 2.250 formandos de 2019, 1.400 já foram contratados pelas empresas patrocinadoras.
Outra instituição de destaque nessa linha é a École 42, que ensina engenharia de software. Os cursos também são gratuitos, e duram de dez meses a dois anos. Há a capacitação para programação e também especialização em áreas como inteligência artificial, cibersegurança, desenvolvimento de aplicativos, entre outras. Em 2020, a École fechou uma parceria com o Itaú por dois anos – os alunos do curso se candidatam automaticamente a vagas em aberto na TI do banco.
A startup de educação Trybe tem um modelo diferente. O curso não é de graça, mas você só paga depois que já estiver empregado. Os alunos têm 1.500 horas de formação ao longo de um ano. E a preparação é abrangente: passa pelas dez linguagens de programação mais buscadas pelo mercado, de acordo com GeekHunter, uma plataforma de recrutamento de profissionais de TI – Javascript, HTML, CSS, React, Node, Express.js, SQL, NoSQL, Git e Python.
DiversiDados
Também existem cursos voltados a minorias. Uma iniciativa que junta a fome com a vontade de comer. De um lado, temos grupos com muito mais dificuldade para conseguir empregos; do outro, uma área com mais vagas do que profissionais capacitados. Mais do que isso. O segmento de tecnologia da informação é até mais masculino e branco que a média do mercado de trabalho. Só 37% dos profissionais são mulheres, e apenas 30% se declaram pretos ou pardos, de acordo com um levantamento da Brasscom.
Uma iniciativa que busca melhorar essa estatística é a AfroPython. Trata-se de uma ONG formada por profissionais de TI (e de outras áreas também), que oferece cursos gratuitos de programação para a comunidade negra. Recentemente, ela participou da criação do DiversiDados – um curso de desenvolvimento de software do Nubank. De acordo com o banco, as aulas são voltadas a qualquer pessoa que “faça parte de algum grupo sub-representado, seja de gênero, etnia, orientação sexual ou outro”.
O Grupo Fleury também tocou um programa nessa linha, só que mais específico. Uniu-se à Carambola, uma startup de capacitação tecnológica focada em diversidade, para criar um curso voltado à formação de desenvolvedores trans. A iniciativa resultou em três contratados para o laboratório.
Se você não é da área, então, fique de olho nas oportunidades que mostramos aqui. E o mais importante. A dica também vale para quem acha que “não leva jeito para a coisa”. Como lembra Sergio Paulo, da Brasscom: “Não é necessário ser nenhum gênio da matemática para estudar TI. O que você precisa é ter um mínimo de raciocínio lógico e dedicação”.
O lado meio vazio do copo
Iniciativas relevantes à parte, o fato é que o mundo real da TI segue com problemas antigos. O salário médio de um desenvolvedor python no país é R$ 4.500, o de um programador java, R$ 3.800 – de acordo com o Glassdoor, um site global de avaliação do mercado de trabalho. São ganhos bem maiores do que o salário médio do brasileiro (R$ 2.300). Mas, considerando a carência de profissionais na área, são ganhos baixos, sim. Mesmo os profissionais com curso superior têm remunerações relativamente modestas para uma área tão pujante. Um engenheiro de dados, por exemplo, tira em média R$ 8.500.
Sim, é compreensível que muita gente ache esses valores rechonchudos o bastante. Mas não é o que os profissionais de TI sentem. Uma pesquisa da FIA Business School, feita em 2020 com sete empresas referência em tecnologia mostrou que 41,7% deles não consideravam seus salários justos. A média de insatisfação dos outros setores corporativos foi de 25%.
A disputa por mais e melhor mão de obra sempre tende a aumentar os salários. Mas o fato é que isso ainda não aconteceu de forma significativa. Talvez a mão invisível do mercado esteja precisando de um curso de TI, para ver se aprende a programar a melhor solução.