Diga-me seu hobby que direi o quanto produz no trabalho
Pesquisadores descobriram que hobbies noturnos ajudam a ter mais disposição no trabalho. Veja como usar seu passatempo a favor da carreira
O que você faz à noite, fora do trabalho, pode ter uma influência positiva em sua carreira. Pelo menos é o que concluiu uma pesquisa realizada por professores da Austrália, da China e de Hong Kong, publicada na revista científica Journal of Applied Psychology.
Durante dez dias, os estudiosos mapearam os hábitos de 183 funcionários chineses de diferentes empresas e ocupações. Os participantes precisavam responder, três vezes ao dia, como se sentiam em relação a seu trabalho.
Os dados indicaram que os que mantinham hobbies noturnos mostravam-se mais proativos no dia seguinte. Já os que cumpriam obrigações domésticas ou levavam tarefas do escritório para casa sentiam-se mais enfadados.
O resultado não é sem razão. “Quando você faz algo que gosta está adquirindo conhecimento e experiências para se tornar um profissional melhor, são aprendizados para a vida como um todo”, afirma Nélio Bilate, consultor de desenvolvimento humano e organizacional.
Além disso, há uma explicação neurológica para os benefícios de um hobby noturno. “O envolvimento intelectual ajuda a liberar os neurotransmissores serotonina e dopamina, que aumentam a sensação de bem-estar e relaxamento.
Desenvolver novas habilidades e talentos melhora o foco, a criatividade, a disciplina e a organização”, diz Madalena Feliciano, presidente do Instituto Profissional de Coaching e master em programação neurolinguística.
A seguir, profissionais de diferentes áreas mostram como seus passatempos noturnos os ajudam a trabalhar melhor.
Divisão das paixões
Para muitos, o trabalho de Beatriz Ruiz (foto acima), de 31 anos, já é, por si só, um hobby. Afinal, ela é sommelier de cervejas artesanais da Ambev. Mas a rotina é intensa. Em seu dia a dia, além de cuidar do desenvolvimento de bebidas, ela precisa visitar bares e cervejarias e promover eventos da marca.
Com isso, alguns limites pessoais e profissionais se perdem. “Minha vida se mistura muito com o trabalho, estar em bares e eventos todo o tempo pode ser bem confuso.”
Esse embaralhamento, somado à cobrança por resultado, fez com que Beatriz se sentisse estressada. Para lutar contra o problema, em 2015 ela procurou algo que a ajudasse a relaxar e, de quebra, fizesse bem à saúde.
O pole dance, atividade que mistura dança e condicionamento físico, surgiu como uma opção. “Você adquire um olhar para o corpo e a alma. É um exercício de empoderamento feminino e aceitação de seus limites.
”A escolha pelo esporte, que ela pratica no mínimo duas vezes por semana, ajudou na criação de uma nova mentalidade sobre conquistas diárias e melhorou aspectos como introversão e produtividade.
“Os impactos do pole dance na minha vida vão além dos benefícios ao corpo e à saúde. A prática também contribuiu para minha concentração no dia a dia de trabalho.”
Força na medida
Oliver Seiler Calò, de 27 anos, formou-se em arquitetura, mas nunca chegou a trabalhar na área. Sua atuação é como professor na escola de marcenaria do pai, há 11 anos.
Mas, em 2017, a rotina começou a se tornar desmotivadora. “Percebi que precisava de outra atividade, tinha insônia e comecei a ficar depressivo.” Foi por isso que ele se matriculou em aulas de boxe.
Com o passar dos meses, sentiu a animação voltar e mudou alguns comportamentos (parou de fumar e de se alimentar de forma errada). O sono normalizou e sua satisfação com o trabalho aumentou. “Eu me sentia mais forte, com mais foco e disposição.”
As turmas de Oliver têm alunos de diversas idades e, em algumas etapas dos projetos, é preciso lidar com grandes máquinas de corte de madeira — processo que exige muita atenção e esforço físico para manter a segurança individual e dos alunos.
Com o boxe, ele se tornou mais consciente dos movimentos de seu corpo e passou a usar apenas a força necessária nos movimentos, o que acabou com suas dores nas costas.
Além disso, ele se sente mais criativo. “Passei de dois para quatro treinos por semana. O hobby está tão enraizado em mim que quero me aperfeiçoar e aprender cada vez mais.”
Mais empatia
O administrador Luís Roberto Nascimento, de 39 anos, não imaginou que seria convidado a apresentar um programa sobre esportes quando enviou, em 2012, um e-mail com a sugestão para que a Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) tivesse uma discussão esportiva em sua grade.
Ex-aluno da instituição, o paulistano é gestor da área de atendimento ao cliente na Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo.
No dia a dia, atua com projetos de melhorias de plataformas e gerencia casos graves de reclamações e, toda quinta-feira à noite, está à frente da bancada do No Tempo do Jogo, programa de 1 hora dedicado a entrevistas, debates e notícias semanais sobre o mundo esportivo.
“A sugestão nasceu de uma paixão que eu já tinha por esportes. Quando recebi o convite, o reflexo foi aceitar.” Sem experiência na área, Luís fez um curso de locução profissional de seis meses de duração para ajudar.
“Eu tive de me desenvolver para realizar um trabalho melhor e acabei adquirindo habilidades que levo para as outras áreas da minha vida.” Por causa do hobby, hoje ele se sente mais desenvolto para conversar com pessoas.
Além disso, o fato de mediar comentaristas e convidados no programa o ajudou a se tornar um bom ouvinte — algo essencial para seu trabalho do dia a dia. “Melhorei minha empatia.”
Criatividade sobre rodas
O hobby de Renata Lazzarili, de 26 anos, é o que lhe dá força para cumprir suas metas diárias. Quadrinista freelancer, a rotina da designer é cheia de objetivos a ser alcançados. “Preciso de disciplina para ter rendimento.”
E bota disciplina nisso. Todos os dias, Renata acorda às 8 horas e tem de seguir à risca sua lista de tarefas — caso alguma delas não seja executada, sua punição é faltar aos treinos de roller derby, esporte no qual duas equipes de jogadoras usando patins disputam desafios.
Majoritariamente feminina, a competição é conhecida por sua velocidade e pela exigência física das esportistas. Renata faz parte da Ladies of Helltown, primeira liga brasileira de roller derby, e tem uma escala pesada de treinos: três vezes durante a semana e duas nos fins de semana.
Tudo isso para se preparar para o campeonato nacional, que será em novembro, em Blumenau (SC), e envolverá cerca de 180 participantes.
Mas, para Renata, a participação no esporte vai muito além de conquistar um troféu: a ajuda efetivamente no trabalho. “Os movimentos inspiram novos traços e ampliam minha visão para as cores. Dá outra perspectiva à ilustração.”