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Autor de best-sellers fala sobre conexão com desconhecidos em novo livro

Em Falando com Estranhos, Malcolm Gladwell aborda as dificuldades em estabelecer uma comunicação eficaz com quem acabamos de conhecer

Por Juliana Américo
Atualizado em 25 abr 2020, 10h00 - Publicado em 25 abr 2020, 10h00

Negócios malsucedidos, projetos emperrados, entrevistas de emprego constrangedoras são alguns dos reflexos — só para ficar no mundo do trabalho — do que ocorre quando a conversa entre desconhecidos não flui bem. Ter a habilidade de nos comunicar com pessoas que acabamos de conhecer é algo muito mais importante do que imaginamos. Essa é a premissa do pensador americano Malcolm Gladwell no livro Falando com Estranhos, lançado recentemente no Brasil.

Com base em histórias reais, ele mostra as consequências nefastas de nossa inabilidade em transmitir sentimentos, expressar pensamentos e fazer leituras perspicazes das intenções alheias. E prova isso ao longo de 12 capítulos, nos quais analisa trapaças no mercado financeiro, episódios da série Friends e situações tão variadas quanto o suicídio da poetisa Sylvia Plath e o interrogatório de dois agentes da CIA com Khalid ­Sheikh Mohammed, principal mentor dos ataques de 11 de setembro.

Em entrevista a VOCÊ S/A, Malcolm, que é colunista da revista The New Yorker e autor de best-sellers como Blink: A Decisão num Piscar de Olhos e Outliers: Fora de Série, diz que só quem confia no outro e é capaz de rever as próprias expectativas consegue estabelecer conexão genuína com estranhos.

Na introdução do livro, você traz o caso de Sandra Bland, uma jovem negra que foi encarcerada nos Estados Unidos em 2015, sem ter cometido nenhum crime, e acabou se suicidando três dias após a prisão. Por que você decidiu abrir o livro com esse relato?
A história de Sandra Bland é muito controversa e me chamou atenção porque ocorreu no auge da discussão sobre a violência policial contra os afro-americanos. Eu realmente me emocionei com essa jovem que morreu sem motivo após uma abordagem policial malfeita [ela estava dirigindo quando foi parada por um policial por não ter dado seta. Um vídeo no YouTube mostra a discussão entre ela e o homem, que a obriga a sair do carro e dá voz de prisão]. Quanto mais eu pensava, mais percebia como o caso era um exemplo das consequências que podem surgir quando não conseguimos nos comunicar direito.

Você cita um período complicado da vida pública nos Estados Unidos, com diversos casos de violência policial contra cidadãos negros e ondas de protestos por todo o país. A polarização política, que hoje acomete diversas nações ao redor do mundo, dificulta a forma como nos relacionamos com quem não conhecemos?
Em tese, não. De tempos em tempos, a sociedade passa por momentos conturbados, e é importante entender que uma única opinião não representa toda a comunidade. Além disso, dados mostram que 95% das interações humanas são surpreendentes. Isso significa que, mesmo nas piores situações, deparamos com exemplos de empatia inesperados.

Mas como lidar com estranhos numa sociedade tão cheia de contradições?
Meu conselho é: quando lidamos com quem não conhecemos, precisamos ter cautela durante a interação. Desacelerar. Temos de entender que não é possível chegar a um entendimento completo sobre um desconhecido em um curto espaço de tempo. Não dá para interpretar uma pessoa por meio de um comportamento imediato. Atitudes momentâneas são apenas sinais rasos. Por isso, o primeiro passo para estabelecer conexão é estar disposto a admitir erros, voltar atrás e ­reexaminar conclusões iniciais.

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Você já foi mal interpretado na interação com desconhecidos? Que tipo de lição aprendeu com isso?
Com certeza. Em Falando com Estranhos, eu discorro sobre pessoas incompatíveis, cujas expressões faciais não combinam com as emoções internas. Pessoas que não parecem felizes quando estão felizes ou chateadas quando estão chateadas. Eu mesmo sou um pouco incompatível, sabe? Frequentemente, quando estou sendo atencioso, as pessoas acham que estou com raiva. Nem sempre sou claro sobre o que estou sentindo e, por isso, me vejo sendo mal compreendido. Entendi que o jeito como expresso minhas emoções nem sempre é óbvio e passei a ter muito mais cuidado quando me comunico com as pessoas, garantindo que entendam como estou me sentindo no momento em que falo com elas.

Um ponto interessante levantado no livro é que somos ruins em detectar mentiras. Por que temos dificuldade em interpretar sinais verbais e corporais?
Porque não evoluímos para ser bons detectores de mentiras. Ao contrário, fomos criados para acreditar em outros indivíduos e, por isso, nossa capacidade de interpretar expressões faciais e corporais não é muito sofisticada. Temos uma visão distorcida de que sorrimos quando estamos felizes e franzimos o cenho quando estamos bravos. Mas pesquisas mostram que muitas vezes a nossa expressão facial é diferente do que de fato sentimos. É por isso também que estamos tão suscetíveis a erros de interpretação. Agora, há uma questão importante: quem confia nos outros consegue se comunicar com mais eficiência, criando laços significativos e colaborando com maior facilidade. E, como apenas um pequeno número de pessoas quer de fato nos enganar ou nos prejudicar, estatisticamente a melhor estratégia a ser adotada para avançar no diálogo é simplesmente confiar, a menos que você perceba que a pessoa está trapaceando.

Mas o fato de confiarmos demais não pode se tornar um problema?
Na verdade, eu enxergo a confiança como uma coisa boa, mas que ocasionalmente nos traz prejuízos. Por exemplo, no livro eu conto a história da americana Amanda Knox. Ela era uma mulher difícil de interpretar, e o resultado disso foi sua prisão após ser acusada de ter participado do assassinato de sua colega de apartamento, Meredith Kercher, mesmo não tendo cometido o crime. O mesmo aconteceu com Bernie Madoff, um homem respeitado no mundo dos investimentos, mas que no fim estava envolvido com um dos maiores esquemas de pirâmide da história dos Estados Unidos. Esses são casos que mostram que temos dificuldade em interpretar a verdade, independentemente do momento em que estamos.

Os críticos dizem que esta obra é mais séria do que outras que já publicou. Concorda?
Sim. Eu escrevi alguns títulos muito otimistas e com conclusões claras. Neste último, não apresento uma solução simples para o problema da comunicação. O título Falando com Estranhos sugere que o livro vai realmente descrever e explicar às pessoas como fazer isso, mas não é o que acontece. Ele é mais uma reflexão sobre a falta de compreensão que temos dos outros do que um manual com dicas práticas.

O que você busca passar para a sociedade com suas obras?
Busco ajudar as pessoas a entender o mundo ao redor. Sempre temos muitas experiências e uma tonelada de certezas. Mas, diversas vezes, nos falta a capacidade de explicá-las e entendê-las. E o que meus livros fazem é, de certa forma, auxiliar nesse processo de compreensão, como se fosse uma brincadeira de ligar os pontos.

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Você tem um podcast de muito sucesso, o Revisionist History, que revisita de maneira provocadora personalidades e acontecimentos esquecidos ou incompreendidos. Como foi para você fazer a transição do texto escrito para o falado?
Não sei se sou muito bom falando, mas o podcast com certeza mudou a maneira como eu conto histórias. O áudio é muito mais pessoal e íntimo e, portanto, muito mais focado nos personagens e nos indivíduos. Isso ajudou a me desenvolver como contador de histórias e a descobrir novas maneiras de alcançar as pessoas. Além de ser muito mais emocional. E, com isso, acho que minha escrita se tornou mais emocional também.

 

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