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Estilo do fundo 3G capital é copiado até por quem o critica

Conhecido pela obsessão com o controle de custos, muita gente copia o modelo

Por Mariana Amaro
Atualizado em 5 dez 2020, 19h12 - Publicado em 6 mar 2018, 05h00

Tão certo quanto o lançamento de uma nova dieta a cada verão é a busca por uma nova forma de gerenciar os negócios e aumentar os lucros quando o mercado está estagnado. O curioso é que as duas coisas — a dieta da moda e o jeito de gerir negócios em evidência no momento — têm em comum a necessidade de um trabalho constante de revisão de metas.

No mundo corporativo, o modelo de gestão mais comentado hoje responde pelo nome de “orçamento base zero” — que, diferentemente do padrão usado em muitas empresas (que incrementa o orçamento do ano anterior aplicando índices de inflação), começa do zero a cada ano, o que supõe uma revisão contínua da necessidade real da empresa em relação ao número de pessoas, à estrutura e aos sistemas. A obsessão com os custos tem sido um dos pilares da gestão de companhias por onde passou o trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, sócios no fundo de investimento 3G Capital — amado por acionistas e odiado por alguns líderes, que nutrem um misto de desprezo pelo método do 3G com inveja dos resultados alcançados.

O histórico dos três empresários brasileiros fala por si só. Para ter uma ideia, apenas nos últimos anos e nas maiores operações, quando a cervejaria americana Anheuser-Busch se fundiu com a belgo-brasileira InBev, em 2008, mais de 1 000 funcionários perderam o emprego. Doze meses depois, a corporação havia multiplicado seus lucros por 10. Em fevereiro de 2013, o 3G comprou a fabricante de alimentos Heinz, conhecida pela marca de ketchup. Dois anos mais tarde, adquiriu a Kraft e criou a Kraft Heinz, segunda maior empresa de alimentos do mundo. Desde então, 11 executivos e outros 7 000 funcionários foram dispensados. No terceiro trimestre de 2017, a Kraft Heinz teve um lucro líquido de 944 milhões de dólares, uma melhora de 12% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Os resultados foram bons, mas a reputação ficou abalada. No começo do ano passado, a fabricante de bens de consumo anglo-holandesa Unilever, conhecida por sua cultura de propósito, rejeitou — com duras palavras — uma oferta de compra, no valor de 143 bilhões de dólares, feita pelo grupo 3G e pelo megainvestidor Warren Buffett. A investida fracassou principalmente porque o 3G subestimou a aderência da Unilever ao crescimento sustentável. Apesar das divergências, a multinacional é uma das muitas organizações que, por pressão dos acionistas, estão seguindo (alguns) pontos do receituário da Kraft Heinz, como a criação de um plano de melhoria para um horizonte de três anos, o corte de 30% dos gastos com publicidade e a redução do quadro de gerentes de nível médio.

O fato é que, depois do fracasso da investida do 3G sobre a Unilever, outras empresas se apavoram com a ideia de serem o próximo alvo do fundo de investimento. “A cultura se impõe. Eles podem falar que vão respeitar a herança, colocar o nome na frente do grupo, mas, no final do dia, o que o acionista quer é lucro”, diz um ex-funcionário de RH da Interbrew, que se fundiu com a brasileira Ambev em 2004 para criar a InBev.

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Agressivo, esse estilo de trabalho tem críticos. Um deles é o presidente global da Nestlé, Ulf Mark Schneider. Em uma reunião com os acionistas em abril de 2017, na Suíça, o executivo afirmou que a estratégia de cortes pode aumentar lucros no curto prazo, mas compromete a longevidade da companhia. “Essa atitude não é sustentável.” Mas isso não significa que a Nestlé deixará de promover mudanças: o investimento em comércio eletrônico, um segmento cujas vendas vêm crescendo, vai aumentar e reestruturações serão feitas.

Buscando replicar os lucros alcançados pelas marcas que fazem parte do grupo 3G, muitas organizações estão seguindo esse modelo, como as americanas Camp­bell Soup e a Kellogg, do setor de alimentos. Empresas das áreas financeira e de energia também caminham na mesma direção. Segundo um estudo da consultoria Bain&Company, 38% das 406 grandes empresas americanas pesquisadas usaram o orçamento base zero em 2016, ante 10% em 2014. Para Wilbert Sanchéz, sócio da TCP Latam, consultoria de reestruturações, esse orçamento obriga o executivo a questionar seus custos de forma permanente, diferentemente do modelo tradicional, que funciona quase no piloto automático. “O natural do ser humano é a inércia. É assim que donos de academia ganham dinheiro: você paga porque se ­esquece de cancelar.”

Fabiola Overrath, diretora de desenvolvimento e gente da Ambev, afirma que o orçamento base zero não é sobre “corte de custos”, mas sobre “encontrar eficiência”. “Todo ano eu repasso meu orçamento a partir do zero porque isso garante que eu sempre vá procurar a melhor forma para investir. É uma questão de disciplina”, diz.

A cultura do 3G

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O jeito 3G de administrar começou a ser desenhado no Banco Garantia em 1976. Depois de comprar a fabricante de bebidas Brahma em 1989, Lemann e seus sócios deram início a um choque de gestão e contrataram o consultor Vicente Falconi para ­ajudar. “Para implementar o processo com sucesso, é preciso disciplina”, diz Josué Bressane, sócio-diretor da Falconi Gen­te e ex-funcionário da Ambev, onde participou do processo de fusão da Brahma com a Antarctica. Outro fator importante é a coerência. “Se você quer cortar custos, mas anda de helicóptero e faz a festa de fim de ano no restaurante mais caro de São Paulo, sua mensagem não é ouvida”, diz Bressane. Mesmo depois que as paredes do restaurante da empresa, dividido por nível hierárquico, foram derrubadas, os funcionários ainda faziam distinção, como se houvesse uma linha invisível entre eles. “O Marcel, então presidente, começou a se sentar do lado que antes ficavam os funcionários do chão de fábrica. Ele liderou pelo exemplo”, afirma o consultor.

Nas empresas do grupo, a área de recursos humanos leva sempre o nome de “gente e gestão”. Essa mudança foi colocada em prática em 1997. Antes, havia um grupo  dedicado à gestão de resultados e outro aos processos do departamento de pessoal. Um novo diretor foi trazido para juntar os dois em um só. “A área de gente e gestão se tornou uma diretoria com indicadores, definição de metas de despesas e performance anuais”, afirma Bressane.

Para Célio Nunes, vice-presidente na Advisia Investimentos, esse modelo não funciona em todos os lugares. “Setores, graus de maturidade, ambientes regulatórios, competição e complexidade operacional diferentes geram necessidades diferentes quanto aos sistemas de gestão que devem ser utilizados”, afirma. De fato, não é um método para qualquer um. Segundo dados da consultoria Deloitte, 65% das companhias que adotaram o orçamento base zero falharam em suas metas. Outro risco para quem opta por essa cultura de gestão é a inibição da criatividade e da inovação. “Alguns projetos demoram para apre­­­­sentar resultado. A fabricante de carros elétricos Tesla, por exemplo, nunca teria nascido no 3G, pois queimou caixa durante anos”, diz Sanchéz, da TCP Latam.

Quem segue a cartilha do 3G pode também ter problema no recrutamento. “Eles pregam a meritocracia. O problema é que, invariavelmente, os processos são desiguais. Se para uma vaga candidatam-se 390 homens e dez mulheres, a pergunta que a empresa precisa fazer é por que apenas dez mulheres se interessaram por esse trabalho, e não simplesmente acreditar que só há dez profissionais com capacidade de fazer aquele trabalho”, diz Newton Campos, coordenador do Centro de Estudos em Private Equity da FGV. “Trabalhar a diversidade não é só para ser bonito no papel, é uma questão de estratégia de sobrevivência — pelo recado que ela manda à sociedade e porque, economicamente, uma organização mais diversa tem melhores resultados.”

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