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Empresas criam estratégias para integrar profissionais com mais de 60 anos

Até 2050, o número de brasileiros acima de 60 anos deve mais que dobrar. Como resultado, haverá muitos profissionais seniores disponíveis no mercado

Por Nataly Pugliesi
Atualizado em 15 dez 2020, 08h50 - Publicado em 25 Maio 2020, 10h00

Em 2050, o número de brasileiros acima de 60 anos deve mais que dobrar, ultrapassando os 40 milhões, segundo o ­Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A queda nas taxas de fecundidade e o aumento da expectativa de vida são as principais justificativas para a inversão da pirâmide etária no país.

Some-se a isso a reforma da Previdência, que elevou a idade de aposentadoria de homens para 65 anos e de mulheres para 62, e o resultado é que teremos profissionais cada vez mais velhos no mercado. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2040 a média de idade dos funcionários nas organizações será de 45 anos. “Uma pessoa com 60 anos está começando a terceira parte da vida e ainda tem muito a contribuir. Por isso, as companhias devem tornar o ambiente de trabalho fértil para esses profissionais”, diz Ricardo Sales, sócio fundador da consultoria Mais Diversidade.

Para contratar e inserir trabalhadores mais velhos, as empresas terão de atacar uma questão que por muito tempo foi ignorada: o preconceito etário. E ele está enraizado. De acordo com um estudo feito em 2013 pela consultoria PwC, em parceria com a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp), para 70% das empresas os profissionais maduros custam mais caro. Além disso, 69% acham que eles são resistentes a mudanças e 58% acreditam que esse pessoal é menos flexível.

O preconceito etário é tão generalizado que ganhou até nome: ageísmo. O termo, criado em 1969 pelo psiquiatra e gerontologista americano Robert Neil Butler, é empregado para descrever os estigmas de qualquer faixa etária, mas frequentemente é associado à discriminação contra os mais velhos. Embora muita gente não conheça a palavra, o sentimento de exclusão não é novidade para essa parcela da população.

Segundo o estudo Um Retrato Etário nas Organizações, dos pesquisadores brasileiros Fran Winandy e Darcy Hanashiro, em parceria com o site Vagas.com, 50% dos profissionais com mais de 45 anos já foram alvo de piada por causa da idade e 55% afirmam ter sofrido discriminação em processos seletivos. “É comum muitas pessoas deixarem de colocar a idade e o ano em que se formaram para que as empresas deem uma chance a elas. Muitas vezes são recrutadores jovens que não selecionam esses profissionais por falta de identificação”, afirma a pesquisadora Fran, que também é sócia na Acalântis Executive Search.

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Derrubando estereótipos

O rápido avanço das novas tecnologias contribui para reforçar esses estigmas. Pense por um momento no perfil de profissional ágil, ousado e inovador, que tanto aparece entre os mais desejados pelas empresas. Provavelmente, a primeira imagem que vem à cabeça é de alguém jovem e descolado.

“Associamos inovação aos nativos digitais. Criamos a percepção de que outras gerações têm dificuldade de se atualizar e são mais lentas. Isso é puro estereótipo”, diz Ricardo, da consultoria Mais Diversidade.

Os números comprovam isso. De acordo com o estudo da FGV, para 62% das companhias, os profissionais mais velhos têm dificuldade em lidar com as tecnologias. “É quase como acreditar que essas pessoas apresentam algum declínio cognitivo, uma vez que o acesso à internet e a smartphones hoje é muito mais fácil”, diz Fran. Essa adesão às novas tecnologias é um fato. Segundo dados da Pnad Contínua de 2018, 31% dos idosos acessam a internet diariamente — grupo que mais cresceu entre os novos usuários da rede.

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Mas não basta contratar profissionais mais velhos. É preciso integrá-los, oferecendo as oportunidades e os desafios, trabalho semelhante ao que ocorre na inclusão de grupos como mulheres, negros e LGBTQI+. “No fundo, esse é o único tema de diversidade que fala absolutamente com todos os públicos, porque é uma posição que um dia todos vamos ocupar”, diz Ricardo, da Mais Diversidade.

Uma das premissas para criar times diversos é que trazer outros pontos de vista para a empresa contribui para gerar inovação. No caso de profissionais mais velhos, isso tem o adicional da experiência e da bagagem que essas pessoas adquiriram com o passar dos anos.

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Foco na inclusão

Aos poucos, as empresas começam a criar ações de inclusão de profissionais mais velhos em suas jornadas de diversidade. Segundo outro estudo da FGV, de 2018, 28% das companhias já contam com um pilar etário, por exemplo. Embora baixo, o número é um avanço se comparado com algum tempo atrás, quando a discussão nem existia.

O aumento do interesse das empresas é algo sentido pela MaturiJobs, plataforma que conecta profissionais maduros a vagas de emprego. “De um ano para cá vimos nosso faturamento triplicar, com companhias procurando proativamente nossos serviços”, diz Morris Litivak, fundador da empresa.

Uma das companhias que já começaram esse trabalho é a distribuidora de energia EDP Brasil. Em 2019, a multinacional portuguesa deu início à sua política de diversidade e, logo de cara, colocou a questão etária como um dos pilares do programa. Hoje, cerca de 12% do quadro de 2 600 empregados da EDP tem mais de 50 anos.

Fernanda Pires, diretora de RH da EDP Brasil, e funcionários seniores da empresa: grupo para discutir gerações e benefícios flexibilizados por faixa etária | Foto: Omar Paixão ()

Batizado de Gerações, o grupo de afinidades voltado para o tema conta com 100 funcionários voluntários. “Desenvolvimento, atração e retenção são os nortea­dores desse pilar”, afirma Fernanda Pires, diretora de recursos humanos da EDP Brasil. Uma das iniciativas que surgiram por meio do grupo foi a flexibilização de benefícios de acordo com a faixa etária. A ideia é deixar que cada grupo etário monte a própria cesta, partindo do pressuposto de que os interesses podem mudar ao longo da vida. A implantação da iniciativa atualmente está sendo estudada pela empresa.

Antes de lançar o programa de diversidade, entretanto, a EDP realizou uma série de treinamentos e palestras sobre os temas que seriam trabalhados. Para falar de inclusão de profissionais mais velhos, a companhia criou uma campanha, batizada de Talento Não Tem Idade, por meio da qual divulgou peças de endomarketing reforçando a posição de combate ao preconceito etário na organização.

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Os líderes da EDP também receberam capacitações, e a ideia é criar uma meta de diversidade e inclusão, atrelada à distribuição de lucros da multinacional. “Nosso objetivo é ter equilíbrio e representar as várias gerações, entendendo que cada uma tem com o que contribuir”, diz Fernanda.

Estagiário aos 60

Embora o aumento da idade produtiva dos idosos tenha como principal razão a questão econômica, também há o fato de que, com maior expectativa de vida, muitas pessoas não querem parar a carreira e suas conquistas profissionais. “No trabalho é onde formamos nossa identidade e construímos nosso legado. Com a ajuda da medicina, hoje envelhecemos com mais vigor. Então, quando chegam à idade de se aposentar, muitos não querem”, afirma Ricardo,­ da Mais Diversidade.

Esse foi um dos motivos, aliás, que inspiraram Morris a criar a MaturiJobs. Quando sua avó, então com 80 anos, teve de se aposentar repentinamente, ela começou a adoecer. “Continuar produzindo e trabalhando ainda é muito importante para a geração que usa nossa plataforma”, diz ele, que também oferece treinamentos em empreendedorismo para os profissionais cadastrados em seu banco de talentos.

Continuar se capacitando mesmo depois de sair da faculdade e terminar o MBA, o chamado long-life learning, é, inclusive, uma demanda que não tem idade — segundo especialistas, o hábito se tornará essencial para darmos conta das transformações dos próximos anos. E, se vamos continuar sendo eternos alunos, nada mais natural do que a existência de estagiários e trainees mais velhos. “A flexibilização de idade nos programas de estágio ainda é algo pontual, mas é uma ótima alternativa para quem continua estudando ao longo da vida”, diz Ricardo, da Mais Diversidade.

Ilustração: Getty Images ()

A Unilever foi uma das pioneiras nesse sentido ao lançar, em 2019, um processo seletivo exclusivo para estagiários com mais de 50 anos. “A ideia surgiu durante um workshop de diversidade e inclusão, vinda de um funcionário”, afirma Luciana Paganato, vice-presidente de RH da Unilever Brasil.

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O programa, que recrutou três profissionais com 62 anos para a área de vendas, foi batizado de Senhor Estagiário, em referência ao filme estrelado por Robert De Niro. O pré-requisito para participar da seleção era que os candidatos estivessem cursando uma faculdade. “Esses estagiários têm perfis variados: um deles está na primeira graduação, outro buscou o curso para se aprimorar, e o terceiro voltou a estudar para retornar ao mercado. Eles têm vontade de aprender”, diz Luciana.

Faz bem para o bolso

Inserir os mais velhos nas companhias, além do apelo social, tem um viés mercadológico. “Não é apenas a força de trabalho que vai envelhecer, mas também os consumidores. Isso quer dizer que as empresas terão de incluir profissionais que consigam pensar com a cabeça desse público para criar soluções e antever demandas”, afirma Morris, da MaturiJobs. A visão é compartilhada por Luciana, da Unilever. “Para estar em todos os lares, não há como não ter diversidade. Então, é essencial romper e eliminar todos os estereótipos possíveis, incluindo o de idade.”

O Itaú Unibanco foi outra empresa que percebeu isso. Em junho de 2019, começou um projeto-piloto, em parceria com a consultoria de recrutamento Labora e com o movimento de longevidade Lab 60+, para recrutar profissionais acima de 50 anos para as agências. O processo seletivo teve recorde de público: 2 000 pessoas se inscreveram para apenas 18 vagas. Os selecionados tiveram treinamentos de desenvolvimento pessoal, novas tecnologias e finanças.

Nas agências, eles receberam a missão de melhorar a experiên­cia de clientes idosos. Entre as responsabilidades estava a de conscientizar o público sênior sobre a importância de poupar e a de incentivar a adesão às novas tecnologias, orientando aqueles que desejassem baixar o aplicativo do Itaú, por exemplo. “Iniciativas como essa preparam o banco e a sociedade para o futuro do trabalho e antecipam tendências de mercado”, afirma Luciana Nicola, superintendente de relações institucionais e sustentabilidade do Itaú Unibanco.

O projeto, que terminou no final de janeiro, foi considerado um sucesso. “Nos meses de outubro e novembro registramos, respectivamente, 39% e 81% de aumento no número de clientes que estão com a jornada digital completa, ou seja, passaram a rea­lizar os serviços pelo app”, comemora Luciana. A expectativa é realizar outras edições do programa até o fim do ano.

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Práticas como essa ainda podem aumentar o engajamento do restante dos funcionários, como explica Fran, da Acalântis Executive Search: “Ao contratar profissionais com mais idade, que muitas vezes não encontram chance em outras companhias, a organização mostra que as pessoas não são descartáveis”. Uma mensagem que toca todas as gerações.


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