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Conheça o microlearning, técnica que está mudando a educação corporativa

O novo jeito de ensinar (e aprender) está transformando as metodologias de corporações, que apostam em vídeos, podcasts, tutoriais, textos e jogos diversos

Por Diego Braga Norte
Atualizado em 15 dez 2020, 08h49 - Publicado em 5 jun 2020, 08h00

“Há três anos notamos uma mudança significativa no perfil de nossos funcionários e percebemos que os métodos tradicionais de treinamento não faziam mais sentido para eles. O conhecimento se perdia”, diz Márcia Costa, vice-presidente de RH da C&A Brasil. Por métodos tradicionais entenda-se: treinamentos longos, com aulas, workshops, palestras e dinâmicas em grupo, pausas para almoço e coffee break entre as atividades.

Com média de idade de 25 anos, a varejista tem um número considerável de jovens da geração Z. Foi essa constatação que fez a empresa reformular toda a sua universidade corporativa, chamada de Academia da Moda. Há dois anos, a C&A passou a treinar as pessoas utilizando ferramentas de microlearning (ou microaprendizado).

A solução consiste em sintetizar e fragmentar os assuntos para que possam ser consumidos — e, sobretudo, assi­milados — de forma rápida. São vídeos, podcasts, tutoriais, textos e jogos que compõem o conteúdo e podem ser apreciados em, no máximo, 8 minutos. “Dá para estudar no ônibus, no metrô e até mesmo nas pausas para o café”, diz a executiva de RH.

Essa forma de disseminação do conhecimento, mais modular e em multiformatos, desponta como a favorita na emergente economia 4.0. E há razões, inclusive científicas, para isso. Uma pesquisa publicada em 2018 no International Journal of Educational Research Review comparou resultados de aprendizagem de dois grupos de jovens alunos.

A conclusão? O pessoal que usou microlearning apresentou aprendizado 18% melhor do que aquele que viu o conteúdo da maneira tradicional. Segundo os pesquisadores, o conhecimento adquirido de maneira compartimentada tende a permanecer na memória por períodos mais longos. Seguindo essa linha, o psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus criou o conceito de “educação espaçada” e demonstrou que o processo de aprendizado é melhor quando a mesma quantidade de estudo é dividida por diferentes períodos de tempo. 

Mas isso não significa que pequenas pílulas de informação,  sozinhas, sejam suficientes. “O modelo que mistura atividades online, presenciais e em grupo ainda é o melhor. A interação com professores e colegas é insubstituível, afinal, trabalhamos com humanos e fazemos negócios entre pessoas”, diz Adriano ­Mussa, especialista em educação e inteligência artificial pela Columbia University e reitor da escola brasileira de negócios Saint Paul.

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Mari Achutti, CEO da escola de educação corporativa ­Sputnik, corrobora a preferência do mercado pelos modelos mistos. “A maioria das companhias pede uma parte presencial aliada ao microlearning”, diz ela, que em sete anos já capacitou mais de 10 000 alunos em cerca de 90 empresas, como Google, Facebook, Coca-Cola, Nike e Ambev.

Na Academia da Moda, além das chamadas “pílulas de conhecimento”, que separam o conteúdo em micromódulos de diferentes formatos, existe a parte presencial, que é conduzida por um funcionário treinado e mais experiente, sempre dentro das lojas. “Os instrutores seguem scripts e já sabem de antemão as dúvidas mais comuns que surgem em cada tipo de conteúdo”, explica Márcia, da C&A.

Márcia Costa, vice-presidente de gente e gestão da C&A Brasil: público interno jovem fez a companhia remodelar sua universidade corporativa | Foto: Luísa Santosa (VOCÊ RH/VOCÊ RH)

De acordo com ela, os resultados desse tipo de capacitação se refletem em custos menores — o investimento maior é na implantação da plataforma de microlearning; os gastos com manutenção e atualização são baixos —  e melhor percepção dos clientes. Embora não revele números, ela diz que indicadores como qualidade no atendimento das lojas e velocidade das filas melhoraram muito após a implementação do novo conceito.

Os preços para um programa de treinamento variam muito. Projetos de capacitação custam entre 28 000 e 500 000 reais, dependendo do tipo, da abrangência, do tempo de duração, do conteúdo, do número de alunos, entre outras variáveis. Entre as vantagens de um sistema de microlearning estão os ganhos de escala para a companhia e a facilidade de acesso para os funcionários.

Isso porque os treinamentos presenciais impõem limites físicos: nem todos os funcionários podem estar presentes naquele dia e horário. Empresas dispersas geograficamente, como grandes varejistas, e as organizações com equipes de vendas externas se beneficiam desse modelo.

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Modo de usar

Não há consenso sobre a origem do conceito microlearning, mas um dos primeiros livros que mencionam a palavra é de 1953, The Economics of Human Resources, do pesquisador equatoriano ­Hector Correa. No entanto, o termo não tinha a conotação de hoje. O sentido atual só teve impulso após o advento dos smart­phones e, mais precisamente, depois do lançamento do primeiro iPhone (em 2007), o celular inteligente e intuitivo que influenciou todos os demais modelos subsequentes.

A internet na palma das mãos possibilitou uma nova compreensão do aprendizado. Mas o conceito só explodiu mesmo após o Google popularizar em 2013 a ideia de “micromomento”, em que alguém acessa um desses dispositivos para uma necessidade real: “conhecer, ir, fazer ou comprar”.

Foi um pulo até a ideia chegar à educação corporativa. Afinal, o microlearning nada mais é do que um micromomento reservado para o aprendizado. “Não é um modelo teórico, tampouco é modismo. É algo do mundo atual, dinâmico e tecnológico, que exige soluções rápidas, eficientes e flexíveis”, diz Tatiana Iwai, coordenadora do núcleo de comportamento organizacional e gestão de pessoas do Insper.

Para Adriano Mussa, da Saint Paul, o novo formato de estudo subverte paradigmas da educação. Antes, a condução do aprendizado era feita pelos professores e pelas escolas. Hoje, “o controle remoto está na mãos do aluno, que pode pular de um conteúdo para outro, avançar, retroceder para revisar, dar pausa e prosseguir.” Esse protagonismo exercido pelos estudantes é ótimo para o dia a dia corporativo, onde as pessoas têm horários, responsabilidades e demandas diferentes umas das outras.

Um levantamento da PwC mostrou que 80% dos trabalhadores afirmam não conseguir realizar tudo o que gostariam no âmbito profissional. É nessa escassez de tempo que o microlearning cresce como alternativa de aprendizado fragmentado e assíncrono, encaixado com menos estresse no dia a dia de trabalho.

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“As novas gerações já se atentaram para a importância da formação contínua. São mais voláteis e não estão dispostas a trabalhar em uma única empresa a vida toda, como os pais fizeram. Eles mudam de emprego, de carreira e até de área. Se não estudarem, é impossível fazer isso”, diz  Erika Braga , diretora de recursos humanos da PwC Brasil.

Até pouco tempo atrás, um bom MBA era um “estoque de competências”, no jargão acadêmico. Hoje, para muitas áreas, ele já não é mais suficiente. “O reskilling [requalificação] e o entendimento de lifelong learning [aprendizado ao longo da vida] ganharam força com as novas tecnologias, que são atualizadas o tempo todo”, afirma Adriano, da Saint Paul. O que é novo hoje, no ano que vem já se tornou obsoleto.

Um bom exemplo da velocidade das mudanças está estampado numa pesquisa do Fórum Econômico Mundial, divulgada no mês passado em Davos, na Suíça. No futuro, estima-se que 42% das habilidades básicas necessárias para a execução dos trabalhos existentes sejam diferentes das atuais. O “futuro” ao qual a elite do capitalismo global se refere é daqui a dois anos, 2022.

O texto menciona que “o mundo está enfrentando uma emergência de requalificação” e defende uma “revolução” no setor educacional, com foco nas sete áreas que mais vão crescer: cuidados humanos (assistente social 2.0, psicólogos, médicos e cuidadores de idosos); engenharia e computação em nuvem; marketing e produção de conteúdo; inteligência artificial; sustentabilidade; cultura e educação; e gestão de projetos.

Não é só tecnologia

Tatiana, especialista do Insper, explica que microlearning é antes de tudo uma plataforma e, portanto, não dá para dissociá-lo da tecnologia. No entanto, ainda mais importante que a forma, é o conteúdo. É aí que reside o perigo para as empresas que estão em busca de modernizar seus processos de capacitação e desenvolvimento de equipes.

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Por isso, antes de sair contratando sistemas de treinamento, o mais indicado para companhias, sejam elas de pequeno, grande ou médio porte, é saber exatamente quais são os objetivos almejados. A área de recursos humanos, em especial, deve questionar: quais são os propósitos da empresa, desenvolver soft skills ou ensinar hard skills? Precisamos qualificar lideranças? Ou disseminar a cultura corporativa aos mais jovens?

O primeiro passo é desenhar o projeto, avaliando as necessidades específicas e a cultura da companhia. Isso ajuda a definir qual é o tipo de formato e quais são as soluções para os desafios encontrados. Muitas vezes, basta um ajuste fino, uma edição ou a troca de plataforma. Como a transmutação de um livro em PDF de 150 páginas para dois vídeos, um game e três textos de dez páginas, por exemplo.

Apesar de alguns treinamentos serem obrigatórios, como os de compliance, não existe uma regra fixa. Cada companhia deve se ater à sua realidade operacional e de mercado. Ou seja, o momento atual exige customização. E, nesse contexto, os líderes de equipes têm papel preponderante na capacitação, pois convivem diariamente com as equipes e conhecem as deficiências e qualidades de cada uma.

Armando Lourenzo, reitor no Brasil da EY University, da Ernst & Young, conta que há um coordenador responsável só para fazer auditorias internas e verificar as necessidades educacionais de cada time. Ele avalia de projetos a demandas pessoais, satisfazendo as necessidades da companhia e os anseios específicos dos profissionais.

A universidade corporativa da multinacional funciona desde 2010, mas adotou o microlearning em 2016, depois que Armando esteve em um evento nos Estados Unidos e viu como o modelo funcionava e agradava aos colaboradores de lá. Na grade da EY University há cursos mandatórios e optativos, todos com certificações. Os obrigatórios são os mais técnicos, que fazem parte da trilha de aprendizagem dos trabalhadores, conhecimentos que eles precisam saber para suas funções.

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Já os facultativos abordam temas variados, como empreendedorismo interno, gestão, liderança, marketing e outros. Os módulos de ambas as modalidades duram de 3 a 5 minutos e todo o treinamento obrigatório é aliado à experiência, com projetos para praticar o conteúdo estudado. “Fazemos também curadoria de livros e indicações de leituras para quem quiser se aprofundar em determinados assuntos”, diz.

Com 20 anos de atuação no Brasil e cerca de 5 000 colaboradores em 12 cidades, a EY construiu uma série de saberes internos, depurou práticas e protocolos. Todo esse conhecimento é aproveitado na EY University, que tem a maioria dos conteúdos feitos por profissionais da casa e outra parcela elaborada em colaboração com parceiros externos, como a Fundação Dom Cabral.

Mesmo os treinamentos técnicos globais obrigatórios da matriz americana são customizados para o público brasileiro.

Para analisar a aderência dos conteúdos, a empresa aplica provas avaliando os principais pontos do assunto apresentado. E também relaciona teorias a casos práticos ao final de cada curso ou treinamento. “Os resultados são muito bons. A média das notas das trilhas obrigatórias é altíssima, os funcionários se dedicam para progredir mais rápido na carreira”, afirma Armando.

De olho na eficácia 

Essas ações de monitoramento e a aferição de resultados devem fazer parte da rotina nas capacitações. A professora Tatiana, do Insper, recomenda atenção na fase das pesquisas de satisfação, quase onipresentes depois de cursos, eventos corporativos e palestras. “Estar satisfeito não significa que aprendeu. Satisfação com o curso ou com o palestrante, não se traduz em desempenho e faturamento. O que gera resultados é o maior conhecimento sobre determinado assunto”, pondera.

Além do básico  — como número de pessoas que completaram o treinamento e tempo médio gasto em cada atividade —, hoje é possível analisar detalhes bem específicos, de acordo com a necessidade de cada empresa. Isso porque a maioria dos fornecedores de tecnologia e soluções educacionais de microlearning oferece métricas para medir a eficiência dos treinamentos.

Dá para saber, por exemplo, o custo médio em treinamentos gasto por empregado, mensurar se houve avanços nas avaliações de desempenho (feitas entrapares ou pelos gestores) e avaliar se teve uma diminuição no tempo médio de execução de uma determinada tarefa após a qualificação oferecida. Há casos, segundo fontes de mercado, em que as pílulas de informações fizeram as vendas subir até 30%. O ganho, que é considerável para os negócios, também se reflete nas pessoas, que têm a chance de se capacitar, melhorar a performance e aumentar a própria empregabilidade.


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