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Como criar empresas realmente diversas: novo desafio do RH

Abrir espaço para o diferente melhora os indicadores de negócios. mas construir organizações com grupos minoritários é um grande desafio para o RH

Por Juliana Américo, da VOCÊ RH
Atualizado em 15 dez 2020, 10h27 - Publicado em 21 ago 2019, 06h00

o pobre Flicts procura alguém para ser seu par, um companheiro, um irmão, um amigo complementar. Em cada praça ou jardim, em cada rua ou esquina pergunta:

— Posso ser seu amigo?

— Não — lhe diz o vermelho.

— Espera — o amarelo diz.

— Vá embora! — manda o verde.

Um dia Flicts parou! E parou de procurar.”

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Publicado em 1969, Flicts, do escritor e cartunista Ziraldo, é um livro infantil sobre as diferenças e conta a dificuldade que uma cor distinta enfrenta para se encaixar no arco-íris. Embora seja voltada para crianças, a história de 50 anos atrás pode, facilmente, ser transportada para o mundo corporativo atual.

Afinal, o discurso em prol da diversidade está cada vez mais presente. Tanto que um levantamento realizado pelo LinkedIn em 2018 mostra que 78% das companhias priorizam a diversidade na hora de contratar novos funcionários. Mas, por trás de ações bem-intencionadas, muitas empresas ainda não conseguem tirar os planos do papel.

A mesma pesquisa revela que 38% dos empregadores têm dificuldade de encontrar candidatos diversos, enquanto 27% têm barreiras na hora de manter os funcionários de grupos minoritários em seus quadros. Essa, aliás, é uma questão delicada.

Outra pesquisa, dessa vez do Boston Consulting Group (BCG), que ouviu 16 500 pessoas em 14 países, incluindo o Brasil, indica que apenas 25% dos funcionários de grupos minoritários se sentem beneficiados pelos programas de diversidade das organizações.

Os projetos voltados para a questão étnico-racial beneficiam 28% dos profissionais, enquanto os de LGBTI+ atingem 26%. As ações de equidade de gênero são as que mais apresentam falhas, com somente 21% dos empregados beneficiados.

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Esse sentimento pode ser explicado pelo fato de as discussões sobre diversidade ainda serem recentes no Brasil. “O debate começou nos anos 70 e ganhou força no ambiente corporativo nos últimos cinco anos”, diz Ricardo Sales, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e sócio da consultoria Mais Diversidade.

Além disso, há o fato de que a diversidade só dá certo quando está totalmente ligada à estratégia organizacional. “A gente vê iniciativas muito dispersas e que não estão ancoradas em um planejamento”, diz Ricardo.

Assim como os demais departamentos da companhia, o setor de diversidade e inclusão precisa ter metas, equipe especializada, comprometimento da liderança, abordagem baseada nas necessidades da organização e métricas para medir o progresso.

Vantagens competitivas

Os benefícios da diversidade estão cada vez mais claros. Por mais que a justiça social e a busca por melhores ambientes de trabalho sejam justificativas válidas, não se pode ignorar o fato de que as empresas dialogam com a sociedade para fazer novos negócios e atrair consumidores.

Por isso, posicionamentos contra grupos minoritários podem afetar diretamente a imagem da marca. Em 2013, por exemplo, a fabricante de massas Barilla passou por maus bocados após seu presidente, Guido Barilla, fazer declarações homofóbicas.

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A comunidade mundial LGBTI+ boicotou produtos da companhia depois de o executivo afirmar que era contra a adoção por casais homoafetivos e que nunca faria um anúncio com uma família homossexual. Resultado: para evitar prejuízos, a empresa precisou se desculpar publicamente e repensar toda a sua política de diversidade.

Assim como os consumidores, os profissionais também estão de olho no modo como as organizações tratam o tema. As novas gerações, sobretudo a Z (dos nascidos a partir da virada do milênio), estão interessadas em trabalhar em locais preocupados com a sociedade, com o meio ambiente e que tenham um propósito além dos lucros.

Um estudo da consultoria EY revela que 66% dos jovens que estão entrando no mercado de trabalho valorizam mais as empresas que oferecem oportunidades iguais de remuneração e promoção, independentemente das diferenças dos funcionários.

Já dados da consultoria InsideOut Development mostram que uma cultura fraca em diversidade e inclusão é fator decisivo para 36% dos trabalhadores da geração Z. “Esse é um ponto fundamental para a sobrevivência dos negócios”, diz Ricardo.

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Além disso, a verdade é que empresas inclusivas ganham mais dinheiro. A inclusão aumenta não só a receita como também o engajamento, a produtividade, a atração e a retenção dos talentos, além de, no longo prazo, reduzir possíveis custos judiciais atrelados à discriminação.

E, segundo dados de uma famosa pesquisa da McKinsey & Company, as empresas que se preocupam com a diversidade de gênero são 21% mais lucrativas, enquanto a diversidade étnica pode aumentar os lucros em 33%.

Niarchos Pombo, líder de diversidade e inclusão da SAP Brasil, e Eliane De Mitry, gerente de RH (ao centro): já são 14 autistas trabalhando em unidades da empresa no Brasil | Foto: Leandro Fonseca

Na Cargill, gigante do agronegócio com mais de 10 000 funcionários e operações em 17 estados brasileiros (além do Distrito Federal), isso pode ser sentido na pele.

Em 2018, de acordo com seu relatório anual, a companhia viu seu lucro líquido aumentar 87 milhões de reais em comparação com o ano anterior. E a preocupação com a diversidade pode ter influenciado esses bons resultados.

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Por lá, quase 50% dos funcionários pertencem a grupos minoritários. Os esforços da companhia em relação ao tema se intensificaram em 2016, quando o CEO e presidente global, David MacLennan, assinou um plano de ação da Paradigm for Parity, coalizão de 27 empresas que buscam paridade de gênero dentro das empresas.

No ano seguinte, o executivo ainda se comprometeu com outro pacto, o Action for Diversity & Inclusion, no qual CEOs se empenham em buscar a diversidade. No lançamento da assinatura, ­David disse que equipes diversas entregam melhores resultados e criam conexões que vão além do mercado de trabalho, compreendendo e conectando comunidades.

Mas nada adianta se o discurso não é aplicado ao dia a dia. Para isso, um dos passos mais eficientes é ter grupos de afinidades formados por funcionários que se dedicam a discutir a questão.

Foi em um desses times, por exemplo, que uma funcionária da Cargill percebeu que a companhia adotava um termo preconceituoso em um sistema interno: o de cobranças de fornecedores inadimplentes, que era batizado de Lista Negra. Ao lado da área de TI, a empresa fez um ajuste de nomenclatura para Cadastro Bloqueado.

Desde o ano passado, a Cargill está se dedicando a outra população que precisa de mais representatividade — ainda mais em um setor tradicional, como o agronegócio: os LGBTI+, que sofrem muito no Brasil.

De acordo com dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), uma das mais antigas associações brasileiras de defesa dos homossexuais, o país registra uma morte por homofobia a cada 23 horas. Em 2018, houve um aumento de 14% do número de homicídios, de 111 para 126. E só nos primeiros cinco meses de 2019 já foram registrados 141 assassinatos desse tipo.

Para ajudar essas pessoas, a Cargill, além de integrar o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, que possui dez compromissos que os signatários devem cumprir em prol dos direitos e do desenvolvimento profissional da comunidade LGBTI+, lançou o Projeto Pivô, uma ação para aumentar a contratação de transexuais.

Com a ajuda de um dos grupos de afinidade, a equipe de RH mapeou tudo o que poderia ser um problema na aceitação e na integração dos novos funcionários, incluindo a questão dos banheiros e do nome social nos crachás e no e-mail.

A companhia firmou uma parceria com a organização Transempregos para fazer palestras de sensibilização, explicar as barreiras dos trans no mercado de trabalho e preparar a equipe do escritório de São Paulo, onde sete funcionários foram alocados.

“A gente contou com a ajuda da rede para buscar esse público, ampliar as contratações, criar uma abordagem inclusiva e deixar os candidatos à vontade”, explica Simone Beier, diretora de RH da Cargill. Hoje, a empresa se planeja para levar o projeto para a unidade de Uberlândia (MG).

A abertura ao diferente e, mais especificamente aos LGBTI+, pode também incentivar a inovação. Pelo menos é isso que mostrou o estudo Employment Nondiscrimination Acts and Corporate Innovation, divulgado em 2016 pelos professores Huasheng Gao, da Nanyang Business School de Singapura, e Wei Zhang, da Universidade de Finanças e Economia de Xangai.

Os docentes observaram dados de 5 000 companhias dos Estados Unidos que fizeram registros de patente de 1976 a 2008 e perceberam que aquelas que estavam sediadas em estados com leis antidiscriminação aos LGBTI+ tiveram um aumento de 8% no registro de patentes. Ou seja, estar num ambiente que estimula a tolerância impulsiona as novas ideias.

Sem a liderança, sem chance

Se existe um sentimento-chave para a diversidade é a sensação de pertencimento — que faz com que as minorias não se sintam estranhas no ninho dentro do ambiente de trabalho. Sem essa percepção, os funcionários acabam se isolando e não compartilham sua visão de mundo e suas ideias com colegas e chefes.

Uma pesquisa feita pelo Boston Consulting Group, e divulgada com exclusividade por VOCÊ RH, mostra como isso ocorre na prática. De acordo com o levantamento, 78% dos profissionais que fazem parte dos grupos majoritários do mundo corporativo (formado por homens brancos heterossexuais cisgênero não portadores de deficiência e com idade entre 35 e 50 anos) se sentem livres para ser autênticos no trabalho.

Esse índice cai para 74% entre as mulheres brancas e os homens negros e pode sofrer uma queda de até 18 pontos percentuais quando se trata de pessoas que se identificam com quatro ou mais aspectos de grupos minoritários (como ser homossexual, negro, mulher e PCD, por exemplo).

“A diversidade é muito valiosa, mas, para se beneficiar dela, é preciso inclusão. Para que isso aconteça, as pessoas têm de sentir que são elas mesmas e podem compartilhar sua visão no trabalho”, afirma Juliana Abreu, sócia do BCG.

Conquistar esse ambiente de segurança psicológica para as minorias é um trabalho complexo que passa por dois fatores. O primeiro é básico: atrair profissionais de diferentes grupos para que haja representatividade. O segundo está atrelado à liderança. Sem chefes que dão o exemplo, a luta pela inclusão não consegue avançar.

Na multinacional IBM, por exemplo, a bandeira LGBTI+ só ganhou força quando, em 2004, executivos (homens e heterossexuais) passaram a apoiar abertamente a causa e a incluir o tema na agenda de reuniões com as equipes. Antes de os diretores se empenharem na questão, o grupo de afinidade tinha poucos aliados heterossexuais.

A explicação? Os funcionários acreditavam que a própria sexualidade seria questionada se participassem do debate. “É preciso ter uma cultura massiva de diversidade dentro da empresa, e a transformação da cultura quem faz é a liderança”, afirma Adriana Ferreira, líder de diversidade e inclusão da IBM para a América Latina.

Reduzir o preconceito na liderança exige esforço do RH. O primeiro passo é orientar os gestores sobre a importância da diversidade para os negócios e explicar que todos nós temos, em maior ou menor grau, vieses inconscientes que fazem com que as decisões nem sempre sejam tão racionais quanto se imagina.

Elas são permeáveis por preconceitos, julgamentos, ideias pré-concebidas e experiências pessoais anteriores. “É comum ouvir diretores falarem que não contratam mulheres porque o trabalho é muito perigoso”, afirma Liliane Rocha, fundadora da Gestão Kairós, consultoria de diver­si­dade e sustentabilidade.

“Esse é um exemplo claro de viés inconsciente, porque os trabalhos de risco não são perigosos somente para as mulheres mas também para os homens.”

Na linha de frente

Para diminuir os vieses, é preciso muito treinamento. É isso o que faz a empresa de tecnologia SAP, que, desde 2011, colocou a inclusão em sua pauta. No início, levantar essa bandeira não foi fácil.

“A dificuldade era explicar para a alta liderança a importância de investir na diversidade”, diz Eliane De Mitry, gerente de recursos humanos da companhia. Depois de alinhar a estratégia e as expectativas, o desafio tem sido manter os gerentes de nível médio focados no tema.

Isso porque, de acordo com a executiva de pessoas, esses profissionais são os mais impactados pelos vieses inconscientes, pois são os mais pressionados para a entrega de objetivos de curto prazo — e, por estarem na linha de frente com as equipes, podem ter seu comportamento replicado pelos times.

“É um trabalho constante, porque, na maioria das vezes, o gestor está preocupado com os resultados e esquece a diversidade, não pensa em contratar uma mulher ou em integrar uma pessoa com deficiência”, diz Eliane.

Adriana Ferreira, líder de diversidade e inclusão da IBM para a América Latina (à frente): a equidade de gênero já era defendida pelo presidente da multinacional em 1935 | Foto: Germano Lüders

Por isso, a SAP passou a fazer treinamentos, palestras e apresentações para que os gestores entendam que todos têm preconceitos e que é preciso tomar cuidado com isso. Só no último ano, foram 1 300 horas em ações desse tipo.

“Alguns acham que a gente não deveria ser tão incisivo, que a inclusão tem de acontecer de forma natural. Mas, se não for assim, nunca vai ser natural”, diz Eliane.

“O time precisa passar por essas experiências de diversidade para saber o que é possível; senão, fica na desculpa de que é difícil contratar uma pessoa cega, é difícil incluir uma pessoa com deficiência intelectual. Se for pensar assim, tudo fica difícil.”

Simone Beier, diretora de RH da Cargill (em pé): grupos de afinidades ajudam a empresa a combater vieses inconscientes | Foto: Leandro Fonseca

Desde 2013, a SAP deu outro passo na busca da inclusão e começou a recrutar pessoas com transtorno do espectro autista (TEA).

No início, o objetivo era encontrar profissionais com habilidades como reconhecimento de padrões, mas com o tempo as equipes perceberam que os funcionários possuíam competências que poderiam ser usadas em outras áreas que não a de tecnologia, como suporte às áreas de vendas e soluções.

Já são 160 profissionais empregados em oito países. No Brasil há 14 autistas, distribuídos pelos escritórios de São Paulo, Rio de Janeiro e São Leopoldo (RS), além de um grupo de afinidade específico para os funcionários com autismo.

O processo é feito em parceria com a Specialisterne, fundação de origem dinamarquesa que ajuda na integração de pessoas com autismo no mercado de trabalho.

Diferentemente de outras deficiências, cada autista tem suas particularidades — além de apresentar níveis diferentes de interação social, alguns podem se incomodar com barulhos e luminosidade, por exemplo.

Por isso, a chegada de cada novo funcionário é tratada como algo especial dentro da companhia: a Specialisterne separa os perfis que mais se encaixam na vaga e ajuda a conduzir a entrevista, que é feita ao lado do RH e do gestor da área.

Em alguns casos, o candidato recebe uma atividade que deverá ser entregue num prazo determinado — etapa importantíssima, pois os autistas costumam ter dificuldade para se expressar e para apresentar seus pontos de interesse, e a tarefa ajuda a empresa a analisar com mais profundidade as capacidades do candidato.

Uma vez dentro da companhia, o funcionário passa por acompanhamentos periódicos para entender como está a adaptação e quais habilidades podem ser melhoradas ou desenvolvidas.

Atraindo o diferente

Uma maneira de aumentar a diversidade nos quadros está no recrutamento. Mas, para que isso aconteça, as companhias precisam repensar o modo como selecionam.

Devem não só treinar as chefias sobre os vieses inconscientes mas também revisar exigências, como ter faculdade de “primeira linha” ou fluência em idiomas.

Isso porque, no Brasil, muitos grupos minoritários são formados por pessoas de baixa renda que simplesmente não têm acesso a esse tipo de educação.

Pensando nisso, o Google está mudando suas exigências, que, agora, se baseiam mais em experiências e habilidades do que em nomes de universidades famosas nos currículos.

O inglês, no entanto, é um entrave: apenas 5% da população brasileira consegue se comunicar nessa língua — e, destes, apenas 1% tem fluência, de acordo com uma pesquisa da British Council.

Mas isso não poderia ser um empecilho para o Google. Por isso, foi criado o programa Next Step, que vai recrutar, em agosto, 20 estagiários que não falam inglês. O projeto, ainda piloto, prevê que os estagiários receberão, durante dois anos, aulas para adquirir o conhecimento do idioma.

“Temos contato direto com a matriz, que fica na Califórnia, e todos os documentos são em inglês, mas entendemos que isso é muito mais uma questão de acesso do que habilidade”, afirma Flávia Garcia, líder de diversidade e inclusão do Google e responsável pelo programa.

Uma das consequências do fim da exigência do inglês é aumentar o número de uma população pouquíssimo representada nas organizações: os negros. Embora 56% dos brasileiros sejam pardos ou negros, de acordo com dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 5% dos executivos pertencem a essa etnia — índice que cai para 0,4% entre as executivas, segundo levantamento do Instituto Ethos.

É necessário esforço para combater uma desigualdade tão profunda, como tem feito a Bayer. Por lá, a revisão das competências, a comunicação com os jovens e a parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares e com outras instituições de ensino que fazem parte do University Impact Rankings (que lista as faculdades mais inclusivas do mundo) ajudaram a diversificar os estagiários.

“Quando você fala que quer experiência de intercâmbio, já sabe que não abrange todas as pessoas”, diz Aline Alves Felix, consultora de talentos e inclusão da Bayer.

A mudança, que começou em 2016, já rendeu bons frutos: em 2017, 25% dos contratados se declararam negros e, em 2018, o número subiu para 49%.  “O grupo de afinidade BayAfro discute políticas de inclusão e igualdade racial dentro da companhia em todos os níveis hierárquicos”, diz Aline.

Perfil específico

É importante saber que o responsável pela estratégia de diversidade deve ter um perfil específico. Além de considerar o tema uma bandeira pessoal, é preciso lidar com conflitos, ser flexível, saber navegar entre os vários níveis hierárquicos, entender de números e gostar de acompanhar as metas e as métricas da área.

Esse conjunto de habilidades se replica na hora de recrutar os membros para os grupos de afinidades, que reúnem funcionários interessados em ajudar a empresa a melhorar o ambiente de trabalho.

Eles funcionam como uma espécie de termômetro. Sabem tudo que está sendo falado, os temas mais delicados, ajudam na implementação das ações e, o mais importante, são um canal para o empregado se abrir e fazer suas considerações. Embora cada time tenha suas necessidades, é preciso ter em mente que a diversidade é interseccional.

“O grupo de mulheres, por exemplo, também fala de mulheres negras, mulheres com deficiências, LGBTI+, e vice-versa. É fundamental que esses grupos debatam e conheçam os pontos em comum para tomar decisões que ajudem a empresa a avançar”, diz Ricardo, da Mais Diversidade.

Sem os grupos de afinidade, a petroquímica Dow provavelmente não estaria tão avançada em suas práticas de inclusão. No Brasil, a multinacional americana tem seis redes de discussão, que tratam de temas como gênero, raça, geração e deficiências.

Além de propor mudanças e ações em prol da diversidade, como flexibilização dos horários de trabalho, auxílio no tratamento hormonal de transexuais e benefícios para casais homoafetivos, os grupos funcionam como interface com os profissionais minoritários.

Em 2018, por exemplo, um funcionário transexual da filial de Jacareí (SP) comunicou o grupo de afinidade ­LGBTI+ que iria fazer uma cirurgia de harmonização facial e que depois disso voltaria para a empresa como mulher.

“O time mobilizou toda a unidade e treinou os 300 funcionários com workshops para falar sobre o assunto e desmistificar os preconceitos. Quando retornou ao trabalho, a funcionária já estava com computador, e-mail e as informações nos cadastros do RH atualizados com seu nome social”, diz Patrícia Lima, líder de inclusão da Dow para a América Latina.

Os grupos também ajudaram na parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares, ampliando o número de estagiários negros de 35% para 50% entre 2018 e 2019, e lançaram um programa de mentoria para impulsionar o desenvolvimento da carreira de profissionais pertencentes a minorias, com sessões sobre carreira, desafios e incentivo.

Aline Alves Felix (sentada à frente), consultora de talentos e inclusão da Bayer: em 2018, 49% dos estagiários se declararam negros | Foto: Germano Lüders

Quando o tema é a inclusão dos PCDs, a equipe tem uma ajuda extra. Três deficientes visuais do escritório de São Paulo precisam de auxílio para se deslocarem da estação de trem do Morumbi até o prédio da companhia, que fica a poucos metros de distância.

Quando estão chegando ao destino, os empregados acionam a empresa por telefone, que disponibiliza um segurança para encontrá-los na estação e acompanhá-los até o escritório. Na hora do almoço, a equipe da cozinha também ajuda os funcionários a se servirem e se acomodarem nas mesas.

“A gente tem diversos treinamentos sobre inclusão de deficientes para quebrar os estereótipos, facilitar a integração e desenvolver a carreira dessas pessoas”, explica Patrícia.

Patricia Lima (à esq.), líder de inclusão da Dow para a América Latina: programa de mentoria impulsiona a carreira de profissionais de grupos minoritários | Foto: Germano Lüders

Dentro da estratégia

Não existe uma receita para garantir que uma empresa tenha diversidade. O que se sabe é que as companhias não podem simplesmente lançar programas e esperar resultados. Para dar certo, é necessário foco na implementação, acompanhamento por parte da presidência e dos diretores e conexão com todas as áreas do negócio.

De nada adianta uma pessoa (ou equipe) totalmente dedicada ao assunto se a estratégia não se conectar com as necessidades corporativas.

“O que importa é a realidade da empresa. Esse departamento, de fato, consegue trabalhar as práticas de diversidade e dialogar com o resto da organização?”, questiona Daniel Teixeira, diretor de projetos da Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert).

Não à toa, muitas vezes, os líderes de diversidade se consideram lobos solitários — sem uma equipe estruturada, eles reportam suas atividades para os diretores e fazem parcerias com as áreas para conseguir implementar os projetos. Fato é que, se a área não conseguir mudar a cultura e conversar com todos os setores, a tendência é que ela seja desarticulada.

Logo, as práticas não devem ser focadas em um único profissional, mas materializadas nos valores organizacionais. “Se a cultura não se transformar, a tendência é que a pessoas que entraram se sintam desconectadas do ambiente e acabem sendo repelidas naturalmente”, afirma Daniel.

Por isso a estratégia é tão importante, sem ela as coisas correm soltas e as metas não são cumpridas. “Um projeto de diversidade não demanda somas astronômicas de investimento, mas deve-se levar em conta a maturidade da companhia sobre inclusão e os objetivos finais para não gastar dinheiro com ações não efetivas”, afirma Daniel.

O uso de currículo às cegas (quando informações pessoais, como gênero, etnia, idade e estado civil, são omitidas em etapas do processo de seleção), por exemplo, é interessante para companhias que estão começando suas ações de diversidade ou querem aumentar a inclusão de uma maneira em geral.

A Cargill usou a técnica em 2017 durante a seleção para o programa de estágio. Os candidatos não podiam contar onde estudavam nem no currículo nem na entrevista final.

O resultado foi a contratação de 40% de mulheres e três vezes mais estudantes de faculdades com classificação inferior a cinco ou quatro estrelas, segundo a avaliação do MEC.

Já as companhias que possuem estratégias avançadas podem partir para ações afirmativas. Na IBM, por exemplo, a equidade entre homens e mulheres é uma questão que vem do século passado.

Em 1935, Thomas John Watson Jr., então presidente da companhia, defendeu a igualdade salarial e de gênero e, em 1943, Ruth Leach assumiu a vice-presidência da companhia e foi a primeira mulher a ter um cargo executivo.

Além de aumentar a presença dos grupos minoritários dentro da empresa e na liderança, a IBM usa as pesquisas anuais de clima corporativo para medir quanto está sendo inclusiva.

“As respostas dizendo que acham o ambiente da empresa bom, que recomendariam a companhia e que sentem que podem ser eles mesmos aumentam ano a ano”, afirma Adriana.

No caso das mulheres, o RH acompanha o número de funcionárias que deixam o emprego depois de engravidarem e implementou política de flexibilização de horários, programa de aleitamento para as mães que voltam mais cedo da licença-maternidade e flexibilização da licença-paternidade.

Definindo prioridades

Como nem sempre as empresas conseguem trabalhar com ações voltadas para todos os grupos minoritários, a dica é saber escolher as causas pelas quais lutar. Um bom passo é olhar para o quadro de funcionários e entender quanto ele está próximo da realidade brasileira. Afinal, a empresa é uma amostra do país.

O mesmo raciocínio vale para as multinacionais que seguem orientações de diversidade da matriz. “A questão das minorias raciais e étnicas são importantes e muitas das orientações vêm do global, mas como eu vou priorizar isso?”, diz Niarchos Pombo, líder de diversidade e inclusão da SAP Brasil.

“Quando olho para a demografia da SAP Argentina, eu tenho muitos funcionários brancos, mas, quando olho para a demografia de Buenos Aires, a maioria da população também é branca.

Seria legal ter uma iniciativa de minorias raciais por lá? Sim, seria ótimo, mas, quando eu comparo com o Brasil, onde sei que mais da metade das pessoas se identificam como não brancas, e estou longe desse número dentro da SAP, essa é uma prioridade muito maior do que na Argentina.”

Uma população que cresce no país e que deve, no futuro, se tornar outro ponto de atenção para as companhias são os idosos. O envelhecimento da população e a reforma da Previdência estão levando os profissionais a continuar por mais tempo no mercado de trabalho.

Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) — divulgados pela Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia — mostram que o número de trabalhadores com 65 anos ou mais subiu 61% de 2011 a 2017.

Assim como cresceu o número de idosos com carteira assinada, também subiu o de desempregados. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, o desemprego entre os idosos saiu de 18,5%, em 2013, para 40,3%, em 2018.

Essas pessoas — e as diferenças geracionais entre os funcionários — devem ser o novo tópico de inclusão do RH. Já ciente disso, a IBM está desenhando, para este ano, um projeto que pretende reinserir mulheres da terceira idade no mercado formal de trabalho.

Os desafios da diversidade são tremendos e, neste mundo em constante transformação, novas questões não vão parar de surgir. As empresas — e os profissionais de RH — têm um papel fundamental nesse tema.

Somente oferecendo oportunidades igualitárias é que pessoas oriundas de realidades hostis e que sentem o preconceito na pele todos os dias conseguirão conquistar um lugar ao sol. Certamente elas retribuirão com trabalho duro, bons resultados e muito engajamento.


Mão na massa

Nove estratégias para criar um ambiente que valoriza a diversidade

1 Cultura

Reavaliar os pilares nos quais a cultura organizacional está apoiada para incluir a diversidade é um bom caminho. vale também divulgar as políticas antidiscriminação e antiassédio e os códigos de conduta da empresa.

2 Liderança

O quadro executivo precisa estar alinhado com os programas e as metas de diversidade da companhia. Isso é fundamental porque os líderes são exemplos nos quais os funcionários se espelham. Workshops, palestras, treinamentos e mentoria reversa (quando grupos minoritários compartilham suas experiências com os gestores) são ferramentas que ajudam na sensibilização e na quebra de preconceitos.

3 Redes

Incentivar a criação de grupos de afinidade auxilia a empresa a entender quais são as demandas e as causas que precisam de mais apoio, além de construir um ponto de contato direto com os funcionários.

4 Treinamento

Assim como os líderes, é fundamental treinar os funcionários em relação ao tema e sobre como quebrar preconceitos. Torne as ações de diversidade constantes e presentes no dia a dia da empresa. Isso faz com o assunto se torne natural.

5 Recrutamento

Repense os métodos de ampliar a diversidade na empresa. fazer Parcerias com universidades que não são de primeira linha e com fundações e consultorias que ajudam a incluir grupos minoritários no ambiente de trabalho é um caminho promissor.

6 Retenção

O RH precisa sempre questionar se o ambiente é inclusivo e se os funcionários têm espaço para se expressar. Também é importante avaliar os benefícios oferecidos para a empresa e se eles estão de acordo com o que os grupos minoritários esperam (como inclusão de parceiros homoafetivos no plano de saúde e no seguro de vida e apoio médico para PCDs e transexuais).

7 Carreira

Não se pode esquecer de criar um plano de carreira que leve em conta as barreiras enfrentadas pelos grupos minoritários e que incentive o desenvolvimento desses profissionais. Organize programas de mentoria para que os funcionários tenham contato com a liderança e, assim, se tornem gestores no futuro.

8 Métricas

Estabelecer métricas claras e quantificáveis é fundamental. Acompanhe de perto o número de empregados diversos, identifique onde a empresa não está alcançando a inclusão e escute os funcionários por meio de pesquisas.

9 Denúncias

O mau comportamento, como piadas, brincadeiras e comentários, não pode ser tolerado. As organizações devem manter canais de denúncias nos quais o empregado informe sobre casos de preconceito e assédio. Além disso, uma equipe deve ser responsável pela investigação.

 

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