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As vantagens e os riscos dos ETFs de renda fixa

Eles ainda são sinônimo de renda variável, mas começam a enveredar-se pelas águas mais calmas da renda fixa, com taxas de administração mais baixas que as dos fundos tradicionais e impostos menos escorchantes.

Por Júlia Moura, Alexandre Versignassi
Atualizado em 24 ago 2023, 15h42 - Publicado em 10 fev 2023, 06h28

Juros de dois dígitos com inflação de um tornam a renda fixa irresistível. E o fenômeno deve durar um bom tempo. A edição de 20 de janeiro do Boletim Focus, do Banco Central, previa Selic a 12,5% ao final de 2023 frente a um IPCA de 5,5%. O Focus não serve para antever o futuro, mas é um bom indicador de tendências. E o que temos aí para 2023 adentro é o maior juro real (acima da inflação) do planeta, em 7% – ou mais, dependendo de quem faz a previsão.         

É o cenário propício para olhar com carinho uma alternativa relativamente nova em renda fixa: os ETFs dessa modalidade. A vantagem básica deles é trazer menos impostos e taxas, como veremos adiante. De qualquer forma, trata-se de um produto jovem. O primeiro surgiu em 2018. E até agora há apenas nove.

ETF, diga-se, ainda é sinônimo de renda variável. E para muita gente a própria sigla ainda não soa familiar o bastante para ser sinônimo de alguma coisa. Se este não for o seu caso, pule direto para o intertítulo seguinte. Se for, vem com a gente neste recap. 

O que é um ETF

É a sigla para Exchange Traded Fund – fundo negociado em bolsa. Nos fundos comuns, você paga um gestor para que ele escolha a alocação do dinheiro que entra ali. Se for um fundo de ações, esse profissional escolherá os papéis e você lhe pagará por isso, com uma taxa de administração de uns 3% ao ano sobre o total investido (e mais um extra sobre os eventuais ganhos na forma de “taxa de performance”).

Com ETFs não. Os gestores desses fundos não têm o trabalho de escolher papéis. ETFs seguem índices. Como funciona: você vai ao home broker, digita o ticker de algum ETF e compra. Digamos que seja o BOVA11, da BlackRock. Ao adquirir uma cota dele, que sai por volta de R$ 110, você leva frações de cada um dos 88 papéis que fazem parte do Ibovespa. 

Isso porque o índice que ele segue, na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, é o Ibovespa. Ninguém trabalha na escolha das ações. Por conta disso, a taxa de administração é baixa – no caso do BOVA11, 0,10%.

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Mas há vários índices além do Ibovespa. E cada um tem um ou mais ETFs dedicados a acompanhá-los. Por exemplo: o DIVO11, do Itaú, segue o índice IDIV da B3, que agrega as maiores pagadoras de dividendos

Mas não existem só índices de ações. Há também os de títulos públicos e privados. Ou seja, os de renda fixa. Vamos a eles. 

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(Brenna Oriá/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)

ETFs de IPCA+

Vamos começar pelos índices de títulos públicos. A mãe de todos eles é o IMA (Índice de Mercado Anbima). Ele lista todos os papéis que compõem a dívida pública. Mas um eventual ETF composto por todos eles seria um tanto esquizofrênico porque o mercado de renda fixa não é como o da bolsa. Na renda variável, a média do mercado anda mais ou menos junta. Na renda fixa as leis são diferentes. Há títulos que valorizam quando os juros sobem. E há títulos que valorizam quando os juros caem.  

Então quem baliza os ETFs são os índices “filhotes” do IMA, que tratam de diferentes famílias de títulos. Dos nove ETFs de renda fixa, cinco seguem ao menos em parte o IMA-B, que lista só títulos IPCA+, que pagam o IPCA mais uma taxa de juro real, acima da inflação. Eles são os que valorizam quando os juros caem. Mas espera aí: os juros não estão em alta? Estão. Mas boa parte do mercado aposta que os atuais 13,75% são o pico desta fase da Selic, ou pelo menos estão bem perto disso. 

Dá para ganhar muito dinheiro com IPCA+ se você compra esses títulos quando os juros estão nas alturas e tem paciência para esperar até que eles caiam, enquanto vê o saldo do investimento andar de lado (ou para baixo…). Um desses títulos, o IPCA+2035 valorizou 210% entre 2016 e 2020, período em que a Selic caiu de 14,25% para 2%. 

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Por outro lado, dá para perder também. O IPCA+2035 caiu 11% de 2020 para cá, com a alta da Selic no período. O IPCA+2045, mais ainda: 35%. 

Aplicar em IPCA+ significa escolher um ou mais entre vários títulos diferentes. Há os de vencimento mais curto, como o IPCA+2026 (o número que vem à frente é o ano em que o papel expira), os de prazo mais longo (2035, 2045, 2055). Os de prazo longo caem mais quando a Selic sobe, e viram ouro quando a taxa de juros do Banco Central despenca. Os de prazo curto oscilam menos. 

Bom, dá para você montar sua carteira de IPCA+ no braço mesmo, pelo site do Tesouro Direto. Mas não é uma escolha simples dividir o dinheiro entre os diferentes títulos. Tanto não é que bancos cobram caro pelos fundos de renda fixa que investem nessa modalidade – coisa de 1% ao ano (sim, isso é muito). 

Num ETF é diferente. Não há humanos assalariados para escolher as estratégias. Um ETF de renda fixa desse tipo vai seguir o IMA-B e pronto. E o que o IMA-B traz é o seguinte: uma carteira composta pelos títulos IPCA+ de acordo com o volume de cada um deles no mercado. Se há mais 2050 do que 2035 no mercado (e há mesmo), a carteira do índice trará mais do 2050. Se tiver mais 2028, do que 2027, bora carregar mais nos 2028. É a inteligência coletiva na gestão do fundo. Nota: o ETF em si não vence nunca. O fundo vai recompondo a carteira conforme os títulos vão vencendo.

Bom, como inteligência coletiva trabalha de graça, as taxas de administração dos ETFs são menores que a dos fundos convencionais. Os que seguem o IMA-B cobram 0,20% ou 0,25%. É uma baita diferença sobre aqueles 1%. R$ 100 mil que rendam 7% anuais ao longo de 20 anos se transformam em R$ 331 mil brutos sob uma taxa de administração de 1%. Sob 0,20%, seriam R$ 388 mil.

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Em relação a comprar os títulos diretamente no site do Tesouro, dá na mesma: a taxa para essa modalidade é 0,20% ao ano mesmo. A vantagem financeira do ETF nesse páreo é outra. 

No Tesouro Direto vale a tabela regressiva do IR. Se você sacar antes de 180 dias, paga 22,5% sobre o rendimento. E assim por diante até chegar ao imposto mínimo, de 15%, após 720 dias. 

No ETF é diferente. Pelas normas do mercado, eles seguem uma tabela regressiva que não tem a ver com o tempo em que você colocou dinheiro no fundo, mas com as datas de vencimento dos fundos que existem lá dentro. A parte da grana alocada em títulos que vencem em até 180 dias será de 25% sobre o rendimento; até 720 dias, 20%. Acima disso, 15%. 

Para evitar esse contratempo, os gestores por trás dos ETFs vão limpando as carteiras: excluem os títulos de vencimento mais curto com o passar do tempo. Por exemplo: o IPCA+2025 vence em menos de 720 dias. Logo, ele não faz mais parte das carteiras dos ETFs que seguem o IMA-B.

Agora, a desvantagem desses ETFs. Investir em IPCA+ não diz respeito apenas a tentar lucros fortes, como aqueles 210% do período entre 2016 e 2020, na expectativa de que os juros caiam. Muita gente usa esses títulos para realizar sonhos pontuais. 

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Alguém que planeje comprar um apartamento em 2029 pode simplesmente adquirir IPCA+2029 para deixar o dinheiro reservado e rendendo. Em janeiro de 2023, a taxa dele era de 6,15% ao ano mais a inflação que acumular até o fim da década – uma maravilha. Mas o pagamento dela só é garantido mesmo para quem segura até o vencimento. Segurou, ganhou. Num ETF não. Ele sempre estará ao sabor das cotações de mercado dos títulos. E elas podem cair com força se a Selic voltar a subir nos próximos anos (toc, toc, toc). 

Agora, vamos dar nomes aos bois. Os ETFs IPCA+ que seguem IMA-B são o IMAB11, do Itaú (com taxa de 0,25%), e o IMBB11, do Bradesco (com taxa de 0,20%). 

Há outros ETFs dessa família. A diferença é que eles seguem subíndices que derivam do IMA-B original. São eles:

IMA-B 5+: a carteira dele só contém títulos que vencem em mais de cinco anos – ou seja, aqueles que valorizam ferozmente com quedas nos juros, e caem mais feio nas altas da Selic. 

IMA-B 5 P2: só com títulos de até cinco anos, mais estáveis. O índice, porém, já deixa avisado que não inclui títulos que vencem em menos de dois anos (daí o “P2”). 

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Ufa. Perdão pelo excesso de siglas. No box abaixo, você pode ver detalhes desses e outros ETFs. E vale lembrar: o imposto sobre os ETFs de renda fixa fica retido na fonte, tal como acontece nos fundos normais. Nos ETFs de renda variável, vale a regra do mundo das ações: o inferno de pagar via Darf.

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(Brenna Oriá/Fotos: Getty Images/VOCÊ S/A)

ETF de Tesouro Selic

Reserva de emergência precisa ficar em LFT – o título público cujo nome fantasia é “Tesouro Selic”. Ponto. O saldo ali, afinal, tende a subir todo dia, sem as surpresas do IPCA+. Precisou sacar, vai sacar mais do que depositou. Sem grandes lucros, mas sem prejuízo. O trabalho aí é escolher o melhor canal para esse tipo de investimento. Há quem compre pelo Tesouro Direto de uma vez. Ótimo. E há quem prefira os fundos DI que só têm esses títulos na carteira– são aqueles que geralmente carregam a palavra “Simples” no nome, indicando que ali só tem pós-fixados, que acompanham religiosamente a Selic. 

O Tesouro cobra 0,20% ao ano de quem faz a compra no site deles. Os fundos DIs dessa modalidade, coisa de 0,30%.

A novidade: desde novembro de 2022 há uma terceira via, com taxa de apenas 0,19%. É o LFTS11 – primeiro ETF de Tesouro Selic, lançado pela Investo, uma gestora de fundos, e administrado pelo BNP Paribas. “Dos nossos 17 ETFs listados, o LTFS11 é, hoje, o mais procurado”, diz Cauê Mançanares, CEO da Investo.

A taxa desse ETF é menor do que a média dos fundos convencionais, o imposto fica sempre naquele piso de 15% e, tal como acontece em qualquer outro ETF de renda fixa, não há IOF (o imposto que penaliza gravemente saques em menos de 30 dias). Mais: não há come-cotas (o método de tributação que quebra as pernas dos juros compostos – veja melhor aqui). 

Também dá para escapar do come-cotas comprando LFTs direto pelo site do Tesouro. Mas nesse caso você não se livra da tabela regressiva do IR, ou seja, sacou antes de 720 dias, pagou mais do que 15%, e rola também o IOF. Já um ETF de LFT não tem esses problemas. 

Outro ponto. Título público você não “saca”. Você vende depois de ter comprado do Tesouro por um valor menor. No Tesouro Direto, o próprio Tesouro Nacional garante essa recompra, de modo que você sempre tenha como sacar de fato o seu dinheiro. No mundo dos ETFs, o que você compra são cotas de fundos. Quem garante a recompra, então? Nesse caso, os “formadores de mercado” – instituições financeiras contratadas para comprar e vender as cotas junto ao público, fornecendo a liquidez necessária. No caso do LFTS11, o formador de mercado é o BTG Pactual.

Hoje, ele cobra um spread de R$ 0,03 centavos por cota. Em 27 de janeiro, o preço unitário de compra de cada uma era de R$ 102,83. O de venda, R$ 102,86. Dá 0,029%. Trata-se de um spread menor que o do Tesouro Nacional. No mesmo dia, ele estava em 0,047%. Ou seja, o mesmo que R$ 0,05 por fração de título equivalente ao preço da cota. 

Nota: com a Selic a 13,75%, os juros diários das LFTs ficam próximos de 0,04%. O spread do LFTS11, então, equivale a basicamente um dia de investimento. O do Tesouro Nacional, a um pouco menos de dois. De qualquer forma, sempre vale ficar de olho para ver se o spread e a taxa desse ou de qualquer outro ETF seguirão baixos.

A fauna dos ETFs de renda fixa também traz fundos com títulos mais voláteis, como um de títulos públicos prefixados (o IRFM11, do Itaú), que sobem e descem com mais voracidade que os de inflação. E tem um de juros futuros (o FIXA11, da Mirae Asset), que flutua de acordo com as expectativas para a Selic nos próximos anos – algo que obviamente varia mais do que a Selic de verdade. 

Completa a lista dos nove o DEBB11, do BTG. Ele é um ETF de debêntures, com a carteira composta por títulos de dívida de empresas. Esses papéis rendem mais que os títulos públicos, mas trazem seus riscos – se uma companhia devedora quebrar, você perde. São eventos raros. O caso da Americanas fez com que vários fundos com debêntures da empresa apresentassem perdas em janeiro – o DEBB11 não tinha, então seguiu tranquilo. Seja como for, os riscos e oportunidades do mercado de títulos privados como um todo merecem uma reportagem à parte. Até a próxima.

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(Arte/VOCÊ S/A)

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