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Por que as mulheres tendem a ser mais inseguras do que homens no trabalho

A síndrome do impostor leva mulheres a se candidatarem a uma vaga de emprego ou a uma promoção apenas quando se sentem 100% prontas

Por Tamires Vitorio
Atualizado em 19 dez 2019, 16h12 - Publicado em 2 jul 2019, 06h00

“Toda vez que me pediam para responder algo na sala de aula, eu tinha certeza que iria envergonhar a mim mesma. Sempre que fazia uma prova, eu estava certa que havia ido mal. E, toda vez que não me envergonhava ­— ou até me saía bem —, eu acreditava que tinha enganado todo mundo”, escreveu Sheryl Sandberg, chefe operacional do Facebook, em seu livro Faça Acontecer — Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar (Companhia das Letras, 35,90 reais), ao falar sobre um problema comum entre muitos profissionais em todo o mundo: a síndrome do impostor.

Quem lida com essa questão, basicamente, acredita que não merece ter êxito no que faz e é uma fraude prestes a ser desmascarada.

Era assim que Anna Flavia, de 27 anos, se sentia. Tanto que demorou duas semanas para enviar um teste a uma vaga de engenheira de soft­wares da Creditas, plataforma de crédito online. Isso porque ela ficou com medo de sua solução estar incorreta.

“Eu tinha de desenvolver um código e fiz isso em um dia. Mas eu olhava para ele e pensava que, se o entregasse rapidamente, não sentiria que estava bom. Mas, se eu demorasse, poderia perder a vaga”, diz.

Quando foi chamada para a entrevista presencial, Anna achou que se tratava de um engano. “Imaginei que eu teria de explicar alguma coisa que não tinha ficado boa em meu teste”, afirma.

Mas a realidade estava longe da fantasia — e, naquele dia, Anna saiu contratada como engenheira plena na companhia, apesar de não ter ensino superior, outro fato que a deixava ainda mais insegura para atuar na área de tecnologia. Mesmo com o crachá nas mãos, a desenvolvedora continuou se sentindo insegura.

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“No primeiro mês, qualquer pessoa que me chamasse para conversar, eu achava que iria me mandar embora. Para mim, eu era uma impostora”, diz. “Em uma experiência anterior, durante uma entrevista de emprego, me perguntaram se eu conseguiria programar tão bem ‘naqueles dias’. Mesmo depois disso, aceitei a vaga, porque, na minha cabeça, não conseguiria coisa melhor”, diz Anna.

Em outra ocasião, ao fazer uma entrevista no mesmo lugar que um amigo com conhecimentos técnicos iguais aos dela, a discrepância de tratamento entre os dois ficou clara. “A entrevista dele durou apenas 40 minutos, enquanto o gestor ficou 3 horas me fazendo perguntas. No final, o salário que me ofereceram era 500 reais mais baixo do que o oferecido a ele”, afirma.

Precisa ser assim?

A síndrome do impostor pode acometer qualquer pessoa, mas parece que as mulheres têm certa tendência a se sentir dessa forma. Pelo menos é o que aponta uma famosa pesquisa feita pela companhia de tecnologia HP em 2014.

O levantamento mostrou que a maioria das funcionárias da empresa só se candidataria a uma vaga se preenchesse 100% dos pré-requisitos. Entre os homens, ter apenas 60% das competências já seria o bastante para concorrer à posição.

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Embora tenha sido desvendado há cinco anos, esse comportamento feminino parece continuar ecoando nos dias atuais. Tanto que, segundo um levantamento divulgado pelo LinkedIn, com base nos dados de mais de 610 milhões de membros da rede social em 200 países, as mulheres são 20% menos propensas a se candidatar a um emprego em comparação com os homens.

A sensação é que, se não tiverem certeza de que estão totalmente preparadas, as profissionais não saem do lugar. Mas por que isso acontece?

Uma das explicações passa por fatores de nossa cultura, ainda estruturalmente machista e que influencia, mesmo inconscientemente, a forma como as mulheres são criadas — e o modo como se comportam quando ingressam no mercado de trabalho.

Segundo especialistas, isso ocorre porque os meninos são, em geral, educados para ser ousados e correr riscos. Já as mulheres são encorajadas a ser sensíveis e a apostar no que é seguro.

Além das construções sociais, outros fatores podem diminuir a confiança de uma mulher no próprio taco. De acordo com o relatório global Mulheres nos Negócios e na Gerência, publicado em 2015 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o teto de vidro (metáfora para o fato de determinadas minorias só conseguirem ascender na carreira até certo ponto, sem chegar aos níveis hierárquicos mais altos) ainda é um problema real para as mulheres nos negócios.

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Tanto que a maioria das pessoas pensa em características masculinas quando imagina um líder — esse foi o resultado de uma pesquisa feita pela psicóloga Isabel Cuadrado, da Universidade da Alméria, na Espanha, com 115 homens e 80 mulheres.

Para chegar a essa conclusão, a pesquisadora fez com que as pessoas respondessem o que achavam mais importante em um chefe, baseando-se em alguns estereótipos de gênero (como “tem autoconfiança e capacidade de negociar, e toma decisões rapidamente” para os homens e “entende e ajuda os outros, é emocional e sensitiva” para as mulheres).

Os estereótipos masculinos foram mais lembrados pelos entrevistados. E isso, claro, influencia na ascensão feminina no mercado.

Ou tudo ou nada

A sensação que fica para as profissionais é que, se elas não forem perfeitas, não vão chegar longe. “As mulheres ficam mais em evidência por ser minoria em alguns ambientes corporativos e por seus resultados serem mais observados. Isso impõe a necessidade de que esses resultados sejam sempre muito bons e acaba perpetuando uma diferenciação que não é benéfica para o equilíbrio de gênero nas empresas”, afirma Ana Claudia Plihal, diretora de soluções de talento do LinkedIn Brasil.

Para Regina Madalozzo, professora do Insper, as mulheres perseguem o limite da perfeição de um jeito diferente dos homens. “Claro que eles tentam ser melhores, mas de uma forma muito menos restritiva. É como se, para as mulheres, existisse apenas um jeito de alcançar os objetivos, que é ser perfeita, porque é a referência que elas têm. Já os homens têm diversos outros exemplos de sucesso”, diz.

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Outros pontos, como o machismo e a descrença de algumas partes da sociedade sobre as qualidades profissionais das mulheres, atrapalham quando elas estão em busca de uma nova oportunidade. Com essa mistura de situações, está pronto o mito de que as mulheres precisam estar 100% preparadas para participar de um processo seletivo — o que, para as especialistas ouvidas por VOCÊ S/A, não passa de uma lenda.

“Os requisitos de uma vaga são apenas desejáveis, e é difícil alguém ter todos. A mulher precisa mostrar no que é boa e focar isso. O que precisar ser desenvolvido será”, afirma Regina. Além disso, estar totalmente pronta para uma vaga pode ser desinteressante para a carreira.

“Se você já está 100% preparada, na minha opinião, significa que essa posição não deveria mais ser seu objetivo. Considerando que o mundo profissional está em constante mudança, acreditar nisso é uma ilusão”, afirma Claudia, do LinkedIn.

Por isso, muitas vezes é preciso se forçar a encarar um desafio. Essa foi a atitude de Renata Altemari, de 32 anos. Para conquistar o cargo de gerente de soluções de vídeos no Twitter para a América Latina, ela participou de um processo seletivo interno.

Renata Altemari, gerente de soluções de vídeos no Twitter: incentivo da chefe para disputar a vaga | Foto: Leandro Fonseca (Você S/A)

Mas, quando a vaga surgiu, achou que não tinha as competências necessárias. “Um homem do meu time também decidiu entrar no processo, e então percebi como é comum nos diminuirmos. Nós tínhamos as mesmas qualificações e, mesmo sabendo que eu tinha pontos a meu favor, pensava que ele estava à minha frente”, diz Renata.

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Depois de ir com a cara e a coragem, ela foi promovida. “Minha chefe me encorajou e comentou que estava pensando em me promover. No fim, conquistei o novo cargo. Foi um momento muito importante em minha carreira”, afirma.

Desmistificando a perfeição

Caso a insegurança bata antes mesmo de se inscrever em uma vaga, o primeiro passo é pesquisar um pouco mais sobre a empresa para conhecer sua cultura e saber qual o perfil de candidatos que ela procura.

Depois disso, vale a pena entrar em contato diretamente com o recrutador e fazer o máximo de perguntas possível, por exemplo: “Quais competências são realmente necessárias e quais podem ser desenvolvidas ao longo da carreira?”

Uma vez conquistado o posto, é importante manter um contato frequente com o gestor e entender melhor as práticas de igualdade de gênero que o local oferece para que as mulheres se sintam mais seguras para competir.

“Parte importante do processo de empoderamento das mulheres no mercado de trabalho é a forma como os gestores lidam com seus times. O ideal é que busquem entender as diferenças entre liderar homens e mulheres e os vieses de gênero, auxiliando em uma mudança de postura”, diz Renata.

Outra chave para deixar de se sentir uma impostora parece bastante simples à primeira vista, mas pode ser uma tarefa complicada: autoconhecimento. Para se conhecer melhor, vale fazer terapia, sessões de coaching e até ler livros sobre carreira.

“Tudo isso é importante para dar um embasamento a seu crescimento profissional”, diz Regina. No fundo, o mais importante é internalizar que ninguém é perfeito — e ninguém estará, nunca, totalmente pronto para nada.

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