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Empresas aderem à sustentabilidade como modelo de negócio

Pequenas e médias empresas aproveitam a mudança de comportamento dos consumidores e apostam em nichos orgânicos

Por Por Michele Loureiro
Atualizado em 17 dez 2019, 15h20 - Publicado em 1 jul 2016, 10h36

Se há alguns setores que enfrentam períodos de dificuldade econômica com um pouco mais de tranquilidade, sem dúvida, o de alimentos orgânicos é um deles. Com a mudança de comportamento dos consumidores, que estão cada vez mais exigentes no quesito alimentação, esse segmento nadou de braçadas nos últimos anos. Segundo um estudo da consultoria Euromonitor, o consumo de alimentos sem adição de agrotóxicos e cultivado de maneira natural praticamente dobrou entre 2009 e 2014, enquanto a demanda por alimentos tradicionais cresceu 67% no período. 

Estima-se que anualmente esse mercado movimente 35 milhões de reais – e a previsão é de alta de 20% a 30% em 2016. Esses números colocam o Brasil como o quarto maior consumidor de orgânicos, atrás de Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. “Todo esse potencial pode ser explicado pelo aumento da conscientização dos consumidores, envoltos por essa onda verde. É uma tendência que demorou a chegar no Brasil, mas não tem volta”, diz Silvio Passarelli, diretor da Faculdade de Administração da Faap e especialista em marketing. “As pequenas e médias empresas ainda dominam a comercialização desses alimentos saudáveis, mas a tendência é que grandes grupos invistam cada vez mais nessa frente.” 

Em um levantamento realizado pela Dunnhumby, empresa especialista em ciência do consumidor, do grupo varejista britânico Tesco, com 18 000 pessoas de 18 países, 79% dos brasileiros disseram que saúde e nutrição são prioridades em sua vida. Esse patamar não passa de 55% no Reino Unido e de 66% nos Estados Unidos. E, segundo um relatório da Nielsen, três quartos dos consumidores leem atentamente o rótulo dos produtos e 63% desconfiam do que consta nas embalagens. 

É o caso da advogada paulista Sylvia Regina Rocha Batista, de 29 anos. Há cerca de oito anos ela passou a se preocupar mais com o que consome. “Minhas idas ao supermercado ficaram mais demoradas, pois passo um bom tempo lendo a embalagem dos alimentos antes de comprar. Mas um dos maiores problemas é o preço. Certas vezes deixo de comprar por conta do valor muito mais alto do que o dos alimentos tradicionais”, diz Sylvia. Esse é mesmo um ponto de atenção desse mercado. Um dos fatores que explicam o preço ainda salgado dos produtos é a produção em baixa escala. “São centenas de pequenos produtores e empreendedores descobrindo um mercado”, afirma Silvio. A consolidação desse segmento deve gerar preços mais atrativos ao consumidor nos próximos anos.

Saúde no prato 

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A questão dos preços foi um dos principais pontos levados em conta para a criação da Pic-me, companhia que comercializa frutas sem conservantes, em formato de purê, uma espécie de papinha para adultos. A empresa foi fundada em outubro de 2015 por Thiago Burgers e três sócios – o grupo de investimento Joá, do apresentador Luciano Huck, uma empresa de comunicação e o presidente de uma multinacional – e vende cada embalagem por 6 reais. 

Thiago Burgers, da Pic-me

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“Acredito que os alimentos que contêm adição de açúcar, conservantes e sódio estão com os dias contados. Por isso, resolvi fazer parte dessa revolução e trazer produtos de uma forma acessível”, diz Thiago. Para fundar a Pic-me, ele viajou para alguns países com tradição no segmento saudável e pesquisou possíveis áreas de atuação. “Notei que as frutas eram um ponto de atenção. Muitas pessoas querem comer, mas a dificuldade de transporte e a durabilidade acabam atrapalhando”, diz. 

Segundo um estudo da Nielsen, 96% dos brasileiros não consomem fruta fora do lar e 92% não consideram a fruta um alimento prático. Mesmo sendo fonte de vitaminas, compostos bioativos e minerais, o consumo de frutas é menor do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde justamente por conta da falta de praticidade. Para possibilitar o encontro da fome com a vontade de comer, a Pic-me desenvolveu uma embalagem com cinco camadas de plástico e alumínio, que impossibilitam a entrada de luz e umidade e impedem a oxidação do alimento. Com a embalagem, as frutas podem ser consumidas em até um ano. O processo é todo feito no Chile, que também fabrica o produto para empresas dos Estados Unidos. “Nossa expectativa é de faturar 10 milhões de reais nesse primeiro ano de funcionamento da empresa”, diz Thiago.

Além de conquistar quem se preocupa com a saúde, os alimentos orgânicos atraem outro tipo de público: os vegetarianos e veganos (que já são cerca de 20 milhões de brasileiros, segundo o Ibope) e as pessoas com restrições alimentares, como as alérgicas a lactose e glúten. Foi pensando nesses nichos que os sócios Patrick Bouzon e Enrico Leta fundaram as marcas Vitalatte, fabricante de queijos frescos, e a Yorgus, produtora de iogurte. As 6 toneladas de produtos produzidas diariamente em Valença, no Rio de Janeiro, são 100% naturais, livres de conservantes, espessantes e aditivos químicos. E, em abril, a Yorgus iniciou a produção de uma versão sem lactose. 

Beleza consciente

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Mas nem só de alimentos vive essa indústria que prega o consumo mais consciente. Segmentos como o de beleza já entraram nessa onda e conquistam adeptos. A Poli Óleos, por exemplo, nasceu no fim da década de 90 com o objetivo de utilizar a matéria-prima brasileira da forma mais pura possível. Maracujá, acerola, andiroba, buriti, copaíba, cupuaçu, guaraná, maracujá e tucumã são parte da lista de componentes da empresa, que comercializa óleos e ingredientes da biodiversidade para toda a indústria de beleza do país. Em 2008, Evelyn Steiner, que nasceu em uma família com atuação no agronegócio, comprou a companhia, que possui uma unidade fabril em Vinhedo, em São Paulo, e viu o negócio deslanchar. Além de produzir os óleos, certificados por entidades internacionais e com garantia de procedência – como verificação se não há mão de obra escrava no processo –, ela notou a necessidade de vender diretamente para o consumidor final. “A tendência sustentável ainda é um nicho pequeno do segmento de beleza, mas queremos ser os precursores. Afinal, a natureza foi muito generosa com o Brasil e possibilita oportunidades incríveis”, afirma Evelyn. 

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Em 2010, a empresária adquiriu a Ikove Organics, marca com forte presença na Europa e voltada para o mercado de exportação. Os 54 produtos como xampus, condicionadores e cremes anti-idade são comercializados em seis países, entre eles Estados Unidos, Canadá e Emirados Árabes. No Brasil, os produtos são vendidos para clínicas de estética, lojas especializadas e redes de hotelaria. “Neste ano começaremos a venda em farmácias, perfumarias e redes como Sephora. Isso deve ampliar nossa receita em 30%”, diz Evelyn. Para dar conta do aumento da produção, parte da fabricação dos itens da Ikove será feita em unidades terceirizadas. Até o final de 2017 a marca será comercializada em todas as regiões do país. “Esperamos faturar perto de 4 milhões de reais neste ano e temos planos de ampliar nossa fábrica quando a economia apresentar sinais de melhora”, diz Evelyn.

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Estilo verde

Até a moda leva empreendedores a fazer parte do movimento de orgânicos. Um exemplo é a Insecta Shoes, que produz sapatos artesanais a partir de tecidos reutilizados. A companhia nasceu em 2013 da união de duas amigas apaixonadas por moda: uma dona de brechó e uma fabricante de calçados. De olho no desperdício da indústria têxtil, Pamella Magpali e Bárbara Mattivy resolveram empreender. Com roupas que possuíam estampas interessantes no estoque do brechó, elas começaram a produção artesanal da empresa com sede em Porto Alegre. A primeira leva, de 20 pares, desapareceu em poucos dias. “É  uma tendência complementar à da alimentação saudável e zelo com o meio ambiente”, diz Bárbara. Com a demanda crescendo e 100 pares vendidos por mês, elas buscaram uma nova sócia. Foi assim que Laura Madalosso, publicitária que atuou como gerente de pesquisa de moda e tendências na Renner, chegou à empresa no fim de 2014. 

A Insecta Shoes tem nove funcionários, duas lojas próprias e vende por volta de 500 pares por mês no Brasil, Estados Unidos e Suécia. Os calçados custam em média 270 reais e, para conseguir ganhar escala, a companhia trabalha com uma cooperativa do Sul do país que produz tecido ecológico feito a partir de garrafas PET e algodão reciclável. Mesmo assim, a maior parte da matéria-prima ainda é fruto de garimpos em brechós. “Quatro pessoas viajam pelo  Rio Grande do Sul em busca de roupas bonitas que foram descartadas”, diz Bárbara. Segundo ela, uma peça de adulto rende até sete calçados. “Acreditamos no consumo consciente e buscamos clientes com essa percepção”, afirma a fundadora. Neste ano, a Insecta Shoes deve ampliar seu processo de internacionalização e aumentar o faturamento em cerca de 50%, para 1,5 milhão de reais.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 214 da revista Você S/A com o título “Onda sustentável”

Você S/A | Edição 214 | Maio de 2016 

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