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Cresce o número de vagas que exige que os profissionais se dividam entre duas ou mais cidades. Veja os prós e contras

A oferta de posições que exigem que os profissionais se dividam entre duas ou mais cidades tem crescido. Avalie se esse esquema de trabalho funcionaria para você

Por Por Vanessa Vieira
Atualizado em 17 dez 2019, 15h19 - Publicado em 4 set 2016, 11h26

Quando se candidatou ao posto de diretora de RH da agência de publicidade NBS, a executiva Adriana Massari, de 44 anos, foi questionada se estava de acordo com um dos pré-requisitos do cargo: atender as duas unidades da agência – a matriz, no Rio de Janeiro, e o escritório de São Paulo. Adriana topou o desafio. De lá para cá, foram quatro anos de viagens, passando de segunda a quarta-feira no Rio e as quintas, sextas e fins de semana em São Paulo. Foi um período de sacrifícios, principalmente porque o filho de Adriana estava com 13 anos de idade na época. “Ele estava entrando na adolescência, aquela fase em que a gente se preocupa com as amizades, com os locais aonde seu filho vai. Eu tinha uma culpa muito grande”. Mas foi também uma época de grande aprendizado. “Atuar nesses dois mercados me ensinou sobre a importância dos fatores culturais e da flexibilidade na gestão de pessoas. As prioridades, a linguagem, a forma como cada povo enxerga o trabalho são diferentes. No Rio, por exemplo, para ser ouvida você tem de ser mais informal, tem de adequar o discurso”, afirma ela. A experiência adquirida neste período foi crucial para que Adriana fosse convidada, em dezembro do ano passado, a assumir a diretoria de todo o grupo Dentsu Aegis Network no Brasil, que engloba a NBS e outras duas agências, com escritórios no Rio, São Paulo, Horizonte, Brasília e Curitiba. “Como são mais localidades, agora minhas passagens por cada uma delas são mais rápidas”, diz a executiva. 

Histórias como a de Adriana estão cada vez mais comuns no mercado de trabalho, em consequência de uma série de fatores. Em primeiro lugar, o avanço das tecnologias de comunicação facilitou a comunicação remota, e possibilitou reduzir o tamanho das equipes, colocando um mesmo profissional a serviço de diferentes operações. “Isso explica, por exemplo, a concentração da gestão de grandes áreas, como a América Latina, sob a responsabilidade de um mesmo profissional. Em casos mais extremos, temos visto divisões chamadas genericamente de ‘mercados internacionais’, que podem reunir regiões tão diferentes como América Latina, Ásia e Pacífico”, afirma Rafael Souto, da consultoria Produtive, de recolocação profissional. “Mas é uma forma também de trabalhar a cultura organizacional. Tem se popularizado no universo corporativo a crença de que é mais fácil assegurar o alinhamento dessa cultura quando diferentes áreas são supervisionadas por um mesmo gestor”, diz Rafael. 

Fase de consolidação

No caso do Brasil, essa situação também tem se intensificado em função de processos de fusões e aquisições, que acabam por ampliar o número de operações sob a responsabilidade de um mesmo profissional. Segundo Rafael Souto, esse modelo de trabalho é mais comum em cargos de gestão e em negócios que estão em fase de consolidação em novos mercados. Este é o caso do engenheiro eletrônico peruano Herbert Galiano, de 49 anos, diretor de desenvolvimento de negócios na América do Sul da WeDo Technologies, empresa portuguesa de tecnologia. Herbert, que vive com a família em Campinas (SP), foi contratado pela WeDo há três anos com a missão de expandir os negócios da companhia na América do Sul. A cada mês, o executivo passa uma semana no Brasil, nos escritórios do Rio ou de São Paulo, e as três semanas seguintes são divididas entre as cidades de Lima, no Peru; Santiago, no Chile e La Paz, na Bolívia. “Basicamente, passo os fins de semana em Campinas”, diz ele.  Ele explica que precisa ficar um período maior a cada mês nessas capitais – em vez de fazer apenas viagens pontuais – porque ainda está em fase de construção de uma base de clientes nesses mercados. “Mas esse trabalho já está dando frutos. Nossa previsão é de inaugurar um escritório em Santiago em 2017”, diz Herbert. 

Na impossibilidade de ter uma casa em cada uma dessas cidades, o engenheiro eletrônico adotou como regra hospedar-se sempre nos mesmos hotéis. “Aos poucos, você vai conhecendo as pessoas do hotel e os arredores dele. Dá uma sensação de ter uma base fixa”, diz ele. Nos dias em que viaja entre as cidades que atende, Hebert perde cerca de 5h30 entre voo e espera em aeroportos. Para o executivo, quem vive uma rotina dessas, precisa aprender a exercitar o desapego. “Você perde aniversários e muitas datas importantes. Eu tento compensar isso me comunicando muito por whatsapp e redes sociais e aproveitando muito a companhia da família no fim de semana”, afirma. Do ponto de vista profissional, Hebert acredita que o grande ganho desse tipo de experiência é o networking construído. “Mesmo que você mude de empresa, os relacionamentos que você faz são um capital de potenciais clientes ou de possíveis empregadores que você leva consigo aonde quer que vá”, diz ele. 

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Piora no Rio

Outro fator que, segundo os especialistas, tem provocado um aumento do número de profissionais dispostos a se dividir entre duas ou mais cidades foi a piora progressiva do mercado de trabalho no Rio de Janeiro, que fez com que muitos cariocas começassem a buscar oportunidades em São Paulo. “Muitos se candidatam e já se prontificam a se dividir entre as duas capitais”, diz Simone Madrid, da Talk to Top, empresa de Executive Search, no Rio de Janeiro. Embora mais comum em posições de alta gestão, esse modelo de trabalho já está chegando a posições de média gerência de alguns setores, como tecnologia. “Há casos, por exemplo, de coordenadores de assistência técnica que atendem escritórios espalhados por todo o país”, diz Rafael Souto. 

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A empresária carioca Sílvia Azevedo, de 46 anos, é uma das que se alternam entre Rio de Janeiro e São Paulo. Desde 2010, quando vendeu sua participação em uma empresa, ela resolveu apostar em dois outros negócios – uma empresa de turbinas eólicas de pequeno porte em Maricá (RJ) e uma empresa de tecnologia de ressonância magnética em São Carlos (SP). A cada vez que vem a São Carlos, Sílvia precisa pegar um voo entre Rio e Campinas e enfrentar mais duas horas de estrada – uma operação que consome cerca de 5 horas no total. Apesar de se dividir entre as duas empresas – ambas administradas por ela – a empresária diz que a principal lição deixada por essa experiência é a compreensão de que não se pode ser onipresente. “Antes, tinha dificuldade para dizer não. Hoje, montei uma equipe muito boa e aprendi a delegar”, diz ela. 

Escolha própria

Para o investidor e palestrante paranaense Allan Costa, de 44 anos, a vida de deslocamentos entre Curitiba e São Paulo, onde ele passa um terço do mês, foi uma escolha, baseada na oportunidade de aproveitar as oportunidades de negócios que surgem na capital paulista. Como passa um período prolongado fora do Paraná, onde fica sua família, Allan também mantém um flat na capital paulista. “Senti que precisava de uma segunda base. Mas, ao menos por enquanto, só tenho escritório em Curitiba. Em São Paulo, trabalho em espaços de co-working ou em cafés”, diz ele. Allan diz que o fato de não gostar de rotina e de ter um horário flexível de trabalho o ajudam a administrar a vida dupla. “Quando estou em Curitiba, organizo meu dia para poder assistir aos ensaios de música do meu filho, de 13 anos, ou jogar basquete com ele”, afirma. 

Mas tanto Allan quanto os demais entrevistados desta matéria lembram que é preciso estar preparado para lidar com a frustração e com a sensação de impotência em muitos momentos. “São muitas variáveis fora do seu controle, inclusive as condições atmosféricas. Tem dias em que a sua família está te esperando, você já está no aeroporto e o voo é cancelado. Aí, você tem que pegar sua mala e voltar para o hotel. É bem difícil”, diz Adriana Massari. 

O teste da vida dupla

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Compare os prós e os contras de aceitar uma posição que exija viver em mais de uma cidade 

Prós

-Valorização do passe: ter sob sua responsabilidade mais de uma área demonstra a confiança da empresa naquele profissional. 

-Competitividade: essas funções indicam capacidade em gerir projetos que envolvem múltiplas regiões. 

-Visibilidade e influência: ao circular por mais escritórios, se relacionar e se reportar a diferentes lideranças, o profissional ganha mais exposição e uma rede de contatos mais rica, o que pode favorecer as promoções.

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-Rápida aquisição de experiência internacional: a vivência de outras realidades culturais é valorizada pelo mercado. Normalmente, esta experiência é adquirida em experiências individuais de expatriação. Neste caso, é possível conhecer diferentes culturas simultaneamente. 

-Repertório sobre diferentes ambientes de negócios: o conhecimento sobre o mercado de outros países é um diferencial no momento da contratação para algumas funções. “Numa empresa que tem planos de se expandir pela América Latina, alguém que já conhece o mercado argentino, por exemplo, leva vantagem”, diz Rafael Souto 

Contras

-Impacto na vida pessoal: de acordo com o momento de vida em que se está, a rotina exigida por esse tipo de cargo pode ser mais sacrificada. Ela funciona melhor para quem é solteiro ou já está com os filhos criados e é mais difícil para quem os recém-casados ou pais de filhos pequenos. 

-Dificuldade de construir uma rotina: planos pessoais, como frequentar regularmente a academia ou fazer uma pós-graduação podem ser prejudicados pelos voos no meio da semana e pela divisão das atividades entre duas ou mais cidades. 

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-Resistência das equipes locais: a aceitação, por uma equipe regional, de um gestor vindo de fora, nem sempre se dá de forma tranquila. 

-Reporte a diferentes chefias: é preciso estabelecer claramente as responsabilidades esperadas e a quem o profissional se reportará, de modo que se possa desenvolver um projeto comum, com ações coerentes entre si, nas diferentes unidades. 

-Problemas de adaptação: cabe investigar qual a estrutura de custos oferecida a quem tem uma segunda base. Se você é o tipo de pessoa que não aguenta passar metade do mês apenas em hotéis, vale avaliar se a empresa cobriria os custos de um aluguel, por exemplo, no segundo endereço de trabalho. 

Esta matéria foi publicada originalmente na edição 216 da revista Você S/A e pode conter informações desatualizadas

Você S/A | Edição 216 | Julho de 2016 

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