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Como fazer um período sabático de resultado

Para que esse período de reflexão valha a pena, é preciso tomar alguns cuidados

Por Anna Carolina Rodrigues
Atualizado em 23 dez 2019, 13h55 - Publicado em 2 jan 2018, 09h00

Inquietude; necessidade de rever as escolhas e de se encontrar; sensação de tristeza mesmo estando tudo bem; problemas de saúde; busca por mais qualidade de vida. Esses são alguns dos sintomas e das demandas presentes nas falas de pessoas que consideram tirar um ano sabático.

Com o mercado de trabalho andando de lado, a vontade de jogar tudo para o alto começa a pairar sobre a cabeça de muitos profissionais e o sabático pode ser visto como panaceia para todos os dilemas e frustrações da carreira.

A palavra “sabático” vem do hebraico sabbath, que significa “descanso”, numa referência ao dia dedicado ao repouso. Atualmente, o termo ganhou um novo significado: uma pausa com duração de seis meses a um ano para que uma pessoa possa rever suas escolhas e repensar a carreira.

Diferentemente das férias, o sabático é um momento de autoconheci­mento, que pode ser voltado para a realização de projetos pessoais nunca priorizados. “As novas lideranças estão mais focadas no propósito da carreira e em refletir a respeito do impacto das realizações pessoais”, diz Eduardo Abreu, sócio da consultoria executiva Unique Group, do Rio de Janeiro.

Há dois ingredientes para conseguir realizar esse desejo: coragem e planejamento, seja para preparar financeiramente o afastamento, seja para desfrutá-lo da melhor forma possível, seja para garantir que conseguirá retomar a vida profissional após o retorno.

Por isso, é importante definir um objetivo específico, mesmo que seja o de descansar. E é necessário ser sincero ao usar o termo: sabático não é um jeito de esconder o desemprego. “Prefiro que o profissional conte que foi demitido a ouvir uma mentira”, diz o Eduardo. A seguir, você pode conferir as histórias e as lições de profissionais que estruturaram um ano sabático.

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VOCAÇÃO NA DANÇA

O advogado João Peres viajou para Buenos Aires, na Argentina, para estudar tango (Daniela Toviansky/VOCÊ S/A)

A decisão de cursar a faculdade de direito foi tomada aos 20 anos, quando um conhecido de João o convidou para trabalhar num escritório de advocacia depois de vê-lo de terno. “Ele disse que eu tinha cara de advogado.” Na época, trabalhava como frentista de posto de gasolina e cursava publicidade. Em dez anos, João se graduou e chegou ao cargo de sócio. Paralelamente, ele se dedicava à dança, uma válvula de escape. O hobby foi ficando grande e, aos 29 anos, João percebeu que o escritório já não o satisfazia. “Comecei a ver que dinheiro não é tudo e a descobrir a felicidade em coisas menores.” Foi aí que surgiu o projeto do sabático. Durante um ano e meio, ele fez economias ­— conseguiu até quitar um apartamento. Como gostava de tango, Buenos Aires, na Argentina, parecia a opção certa para seu ano de reflexão. Por lá, aprofundou-se no estudo da dança e fez um curso de filosofia. Ao retornar ao Brasil, aceitou um projeto de seis meses no escritório de advocacia, mas não conseguiu ficar um mês lá dentro. “Meus valores mudaram.” Atualmente, ganha um sexto do salário anterior trabalhando em companhias de dança e dando aulas particulares. “Mas sou seis vezes mais feliz.” Para João, aquele foi o melhor ano da sua vida.

SEM MEDO DE ARRISCAR

(Marcelo Correa/VOCÊ S/A)

No quarto período da faculdade de administração, Rodrigo começou a estagiar no banco de investimento Pactual, em São Paulo. Foi o início de uma carreira de oito anos no mercado financeiro. Mas seu verdadeiro sonho era empreender. No sétimo ano de banco, Rodrigo até pensou em sair para realizar sua vontade, mas o salário alto e os bônus o convenceram a continuar e a guardar dinheiro para seu próximo projeto. “Eu tinha dúvida se queria ficar no mercado, mas certeza de que queria fazer algo diferente.” Em 2011, finalmente tomou coragem e pediu demissão. Com um bom pé de meia, ele viajou durante 40 dias pela Tailândia e pela Indonésia na companhia de um amigo. “Líamos muitos livros de negócios e discutíamos sobre empreendedorismo.” Nos seis meses de pausa, Rodrigo refletiu sobre seus próximos passos — e lidou com a ansiedade de não ter certeza sobre o que queria da vida. Tanto que chegou a fazer entrevistas para voltar à antiga carreira, mas o empreendedorismo falou mais alto. Ao lado de dois amigos, Rodrigo abriu a ­Zee.Dog, companhia de acessórios para animais, com sede no Rio de Janeiro. Da ideia à estruturação do negócio, passaram-se seis meses. E o sabático foi essencial para que ele assumisse o risco de empreender. “Se eu ainda fosse empregado do banco, teria sido mais difícil largar tudo para encarar esse projeto. Mas, depois do sabático, eu estava mais disposto a arriscar.”

POR MAIS EQUILÍBRIO

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(Andre Valentim/VOCÊ S/A)


Antes do sabático, Silvina se dividia entre as tarefas de presidir uma ONG, escrever livros, ministrar aulas na FGV e na PUC do Rio de Janeiro e administrar sua própria empresa, voltada para projetos de educação. “Eu estava no automático, fazia as coisas sem prazer”, diz. Cansada de viver assim, planejou um período de afastamento. “Um dos meus grandes receios era o julgamento dos outros, mas, com o passar do tempo, muitas pessoas, até meus clientes, elogiaram minha atitude e disseram que queriam ter minha coragem”, afirma. Durante a fase de preparação, que durou 11 meses, ela comunicou as faculdades sobre a pausa na carreira e orientou seus substitutos, além de negociar o retorno às atividades após o sabático. Em sua empresa, ela contou com a ajuda da sócia e dos funcionários, que foram treinados para representá-la durante sua ausência de um ano. Da ONG, Silvina se desligou. Durante o sabático, a professora aproveitou os primeiros meses para descansar e não fazer nada. Depois se inscreveu em um curso de roteiro para seguir um sonho de criança ­— o de escrever. Como permaneceu na cidade onde mora, a viagem foi interna. Seu objetivo era ter uma visão panorâmica da própria vida e entender onde estava na carreira. “Às vezes, o mais importante é o silêncio. O ser humano tem uma angústia com essa coisa do silêncio, com o nada, e o sabático, nesse sentido, é muito rico.” Após o intervalo, Silvina retomou a carreira antiga, porém garantindo mais equilíbrio e qualidade de vida. “Quando você faz um processo de mudança, ouve críticas, mas, muitas vezes, o outro está projetando sobre você suas próprias inseguranças. Não dê ouvidos a essas opiniões, que servem apenas para nos deixar no mesmo lugar.”

MUDANÇA DE VIDA

 

(Alexandre Battibugli/VOCÊ S/A)

Turismóloga, Fernanda atuava na área de comunicação de vendas diretas de uma companhia aérea em São Paulo. O trabalho era tão intenso e as jornadas tão longas ­— no mínimo 12 horas — que ela ficou doente. “Tive uma crise de ansiedade e uma dor forte no peito num domingo à noite. Achei que estivesse enfartando.” No hospital, os exames não apontaram nenhum problema físico, e os médicos fizeram o diagnóstico de ­burnout ­— exaustão extrema causada por excesso de trabalho. Esse foi o gatilho para que ela de­cidisse interromper as atividades e pensasse em um sabático. Mesmo assim, foi preciso um ano até conseguir estruturar suas finanças e se desligar da companhia. Nesse meio tempo, começou um acompanhamento psicológico. “É uma decisão muito corajosa e, financeiramente falando, muito complicada. Mas eu queria um momento para descansar, recuperar a saúde, aumentar meu conhecimento e descobrir novas possibilidades de trabalho.” Durante o sabático, Fernanda se permitiu experimentar: foi a vários eventos e buscou cursos. Um dos escolhidos foi o de relações étnico-raciais. Ao se aprofundar no tema, percebeu uma oportunidade e decidiu criar com um amigo e com o marido a Afrobusiness — da qual hoje é presidente — associação cuja missão é capacitar e integrar empreendedores negros.

Pausa eficiente

Como estruturar um período que realmente renda bons frutos pessoais e profissionais

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1. REFLITA

Com o fim da faculdade, muita gente engata uma carreira que não é a ideal apenas para aproveitar a oportuni­dade de efetivação de um estágio ou trainee e, quando vê, passou anos insatisfeita. Como as necessidades mudam ao longo da vida, é importante fazer alguns questionamentos de tempos em tempos, tais como: estou satisfeito com minha ati­vi­dade profissional? Estou no caminho certo? Tenho vontade de repensar minha carreira? É possível fazer uma pausa agora? Existem projetos ou sonhos que gostaria de realizar, mas que nunca executei por causa do trabalho? O sabático não deve ser motivado por briga ou insatisfação com a chefia, mas um projeto profundo, planejado e que envolva reflexão.

2. DEFINA OBJETIVOS

Trabalhou demais, se exauriu, precisa de um ano para respirar? Então você necessita de férias. Um sabático inclui repensar a carreira, se desenvolver e se encontrar — espiritual, acadêmica ou profissionalmente. Por isso, estipule um cronograma mensal para cada atividade. Sem um objetivo, a tentação de ficar em casa não fazendo nada pode dominar você.

3. GUARDE DINHEIRO

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Ter a cabeça limpa de preocupações financeiras é fundamental, mesmo que você não viaje. Por isso, calcule o tempo de afastamento e os custos para realizar as atividades desejadas. Não esqueça de incluir na conta dinheiro para se manter na volta, já que muitas vezes não é possível, nem desejado, voltar
ao emprego anterior.

4. ENTENDA AS EMOÇÕES

Pode ser difícil conciliar o dia a dia do período que precede o afastamento com a ideia de que, no ano seguinte, a rotina será totalmente diferente. Ansiedade e medo são sentimentos comuns nessa fase. Uma vez tomada a decisão, junte coragem e encare sem medo.

5. CONVERSE COM A FAMÍLIA

Uma pessoa solteira pode tomar decisões que mudam toda a vida mais facilmente do que alguém que seja casado ou tenha dependentes. Mas chefes de família também conseguem  concretizar o plano de um sabático, desde que haja planejamento e muita conversa. Mostrar aos outros que você já tem um plano e que não se trata de uma decisão irresponsável ou impulsiva ajuda
para a compreensão.

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6. CONVERSE NO TRABALHO

Cheque se sua empresa oferece alguma opção para quem deseja tirar um sabático. Em algumas, existe a possibilidade de uma licença não-remunerada, que dá direito a afastamento de alguns meses. Se não for o caso e você tiver que se demitir, procure ter uma conversa amigável para manter as portas abertas.

7. ADAPTE-SE AO NOVO

Durante o sabático, pode ser estranho e até desconfortável se acostumar a ter menos compromissos e a experimentar atividades e lugares diferentes. Mudar dá medo. Tenha em mente que isso é natural e dê tempo a si mesmo para se adaptar.

8. PREPARE-SE PARA A VOLTA

O sabático é um momento com começo, meio e fim. Ainda assim, passar um período de liberdade, se readaptar à vida normal e retomar a disciplina pode ser um desafio. Uma dica é dedicar um tempo planejando a volta, pensando em que tipo de trabalho você quer ter. O importante é readequar sua rotina a quem você quer ser dali em diante.

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