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Biomimética: copiar a natureza pode gerar bilhões em novos negócios

Profissionais e empreendedores de várias áreas estão buscando inspiração na natureza para criar projetos, negócios e produtos inovadores

Por Marcia Di Domenico, da VOCÊ S/A
Atualizado em 19 dez 2019, 14h10 - Publicado em 27 out 2019, 06h00

Ao longo de anos, o homem acostumou-se a olhar para a natureza como uma entidade a serviço da humanidade ou algo distante para ser contemplado. Essa mentalidade, no entanto, está cada vez mais desconectada dos dias atuais.

Em um tempo em que escassez de recursos naturais, sustentabilidade e tecnologia são temas centrais e os modos de gerir pessoas e negócios já não dão conta de resolver os desafios impostos, uma área do conhecimento ganha espaço apostando na natureza como forma de inspiração: a biomimética.

Ela olha para os elementos, processos, sistemas e organismos vivos com o objetivo de criar soluções inovadoras para problemas de todo tipo, dos mais triviais aos complexos; da invenção de um produto à solução que vai fazer uma empresa parar de ter prejuízo.

“A biomimética é uma ponte entre a ciência e as demandas contemporâneas do mundo”, diz Alessandra Araújo, bióloga de formação, especialista em biomimética pela Universidade do Arizona e fundadora da consultoria Bio-Inspirations.

Apesar da abordagem inovadora, a biomimética não é exatamente uma disciplina nova. Há quase dez anos, atletas de elite da natação já deslizavam na piscina vestindo maiôs feitos com material que imitava a pele de um tipo específico de tubarão.

Ao reduzir o atrito do corpo com a água e dar um impulso extra para se deslocarem, o tecido permitia que os esportistas nadassem mais rápido com menos esforço.

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Outro exemplo surgiu décadas antes de a biomimética ser sistematizada como disciplina: um engenheiro suíço quis resolver um problema real que enfrentava no dia a dia e acabou inventando um material que até hoje facilita a vida de muita gente no mundo inteiro: o velcro (veja quadro “De onde vem a inspiração”).

Leonardo da Vinci há mais de cinco séculos já produzia esboços de máquinas voadoras com base na observação da anatomia e do voo dos pássaros.

A biomimética começou a ganhar popularidade há pouco mais de 20 anos por meio do trabalho da bióloga americana Janine Benyus, cofundadora do Biomimicry 3.8 e do Biomimicry Institute, que oferecem serviços de consultoria e educação sobre o tema.

Embora pouco conhecida no Brasil, a metodologia foi apontada em 2014 pela revista Forbes como uma das cinco principais tendências que vão orientar os negócios do futuro.

Um estudo da Universidade Nazarena de Point Loma, na Califórnia, estimou que a disciplina deverá representar 300 bilhões de dólares no PIB dos Estados Unidos e gerar 1,6 milhão de empregos no país até 2025.

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Modos de usar

Pelo método desenhado por Janine Benyus, existem duas formas de criar usando a biomimética. A primeira é partir de um desafio ou necessidade real (como filtrar água, fixar objetos em uma superfície ou economizar energia) e investigar de quais estratégias a natureza dispõe para resolver tarefa semelhante.

A outra é olhar para determinado fenômeno natural, forma ou função desempenhada por um organismo ou sistema e pensar de que maneira ele pode ser útil e reproduzido na prototipagem de produtos ou soluções. Por isso os treinamentos invariavelmente contam com períodos de imersão em áreas verdes (de praças urbanas a reservas florestais).

A metodologia pode ser aplicada tanto em criações tangíveis — um novo produto, ferramenta ou projeto — quanto em coisas intangíveis, como estratégias de gestão em uma empresa. Medicina, arquitetura, transportes e geração de energia são algumas das áreas que vêm desenvolvendo inovações com a bioinspiração.

No Brasil, esse mercado ainda é insipiente, em parte porque a retração econômica dos últimos anos levou muitas organizações a cortar investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Mesmo assim, startups e empresas com viés de impacto social e inovação começam a olhar para a metodologia como forma alternativa de trabalhar valores humanos sem tirar o foco dos negócios.

Seja qual for o caminho, as jornadas criativas usando a biomimética pressupõem trabalho em equipes multidisciplinares e diversas, em que a soma de conhecimentos favorece uma análise mais profunda dos contextos a serem trabalhados e, consequentemente, a inovação.

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Ilustrações: Davi Augusto

 

É o chamado biomimicry thinking. “Um bom projeto geralmente envolve profissionais vindos de áreas como engenharia, biologia, design e negócios, que trazem saberes e visões de mundo complementares”, diz Ricardo Mastroti, biólogo, mestre na disciplina pela Universidade do Arizona e consultor.

No Brasil, há poucos especialistas habilitados para facilitar jornadas com a biomimética e não existem cursos de especialização nessa disciplina. Algumas faculdades a oferecem na graduação de design, engenharia e arquitetura.

Também é possível encontrar cursos livres (online e presenciais) e participar de vivências de imersão em reservas naturais para exercitar o olhar e o pensamento com a biomimética e praticar a prototipagem com ela.

Compreendendo organizações como ecossistemas complexos, pode-se buscar na inteligência da natureza inspirações para trabalhar competências e resolver problemas do dia a dia corporativo.

“Os valores que hoje norteiam modelos de negócios inovadores e uma nova economia são os mesmos que a natureza usa há milhões de anos em seus processos, como resiliência, descentralização, colaboração e eficiência”, diz o biólogo Ricardo. No meio ambiente há uma floresta de ideias esperando para ser semeada pelas organizações.

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Verde de novo

Da direita para esquerda, Pedro Rutman e Bruno Rutman. Criaram o Nucleário para reflorestamento. (Foto: André Valentim/VOCÊ S/A)

Os irmãos Pedro e Bruno Rutman, de 29 e 32 anos, conheceram a biomimética como disciplina da graduação em design da PUC-RJ, onde se formaram. Criados na cidade de Lumiar, na região serrana no Rio de Janeiro, o contato com a natureza sempre foi uma realidade e trabalhar com restauração florestal um desejo.

Como projeto de graduação, Bruno criou um dispositivo para plantio de mudas em larga escala, o Nucleário, com design inspirado nas bromélias (que acumulam água entre as folhas e atraem biodiversidade para o entorno) e na serrapilheira (camada de folhas e galhos secos que se forma no solo sob as árvores e mantém a umidade e os nutrientes do terreno), entre outros elementos da natureza.

O desenvolvimento contou com consultoria multidisciplinar (de biólogo, agrônomo e engenheiro florestal) até chegar à versão atual. O Nucleário venceu em 2018 o Ray of Hope, concedido pelo Biomimicry Institute a soluções inovadoras para mitigar mudanças climáticas. Pedro e Bruno são os primeiros e únicos brasileiros a conquistar a premiação, de 100 000 dólares.

A meta da startup é ser uma solução de plantio para restauração de todos os biomas brasileiros – até o momento, trabalham na Mata Atlântica e no Cerrado. “Nosso alvo são empresas que demandam compensação e adequação ambiental em larga escala”, diz Pedro.

Outro olhar

Pedro Lira, 40 anos, arquiteto, sócio-proprietário do escritório Natureza Urbana (SP) (Foto: Leandro Fonseca/VOCÊ S/A)

A especialidade do escritório de arquitetura Natureza Urbana, em São Paulo do qual o arquiteto Pedro Lira, de 40 anos, é sócio-proprietário, é projetar estruturas em parques e praças que facilitem a visitação e interfiram o mínimo possível nos ecossistemas locais.

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Na busca constante por novos olhares para a natureza, Pedro chegou à biomimética e envolveu sua equipe em uma série de workshops com a metodologia. Ele aponta os ganhos de projetar usando a metodologia. “Além de mais sustentável, existe uma vantagem técnica nesse tipo de projeto, que já nasce com a garantia de eficiência da natureza.

Também é possível criar construções mais inspiradoras e com história para contar”, diz. Mas também fala dos obstáculos para expandir o uso da mentalidade na arquitetura.

“São projetos mais complexos e que demandam mais tempo, entre investigação dos processos da natureza, a criação e o desenvolvimento das soluções. Além disso, ainda há poucos profissionais preparados para pensar projetos com a disciplina e, por ser algo inovador, os clientes também oferecem certa resistência”, afirma.

Lições para a liderança

Bruno Camargo CEO da FairFax (Foto Alexandre Battibugli/VOCÊ S/A)

Depois de assistir a uma palestra sobre biomimética, Bruno Camargo, de 44 anos, CEO da Fairfax, empresa de seguros corporativos, animou-se para levar a metodologia na forma de workshops para dentro da empresa. Inicialmente, ele envolveu as lideranças das diferentes unidades de negócio da companhia.

“Vi no treinamento com biomimética um modelo inovador para ampliar a capacidade criativa, a intuição, a comunicação e a conexão, habilidades invisíveis que fazem toda a diferença em uma cultura corporativa baseada em valores humanos”, afirma.

Ao longo de seis meses, os times passaram por treinamentos internos e ao ar livre, em que tinham a oportunidade de observar de perto a natureza e suas relações de colaboração e inovação.

“Percebemos que há links importantes entre os processos da natureza e os da gestão corporativa, e que várias estratégias podem ser copiadas na ideação de soluções para desafios presentes no contexto real de trabalho”, diz o CEO.

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