Continua após publicidade

COE é roubada mesmo. E este estudo da FGV mostra por quê

Pesquisadores que já haviam provado os perigos do day trade agora apontam que 252 de 284 COEs tinham potencial de lucro menor que o de títulos públicos.

Por Tássia Kastner
Atualizado em 15 jul 2023, 12h03 - Publicado em 9 out 2020, 16h54

Existe algum motivo para você fazer um investimento arriscado, mas com o qual deve ganhar algo parecido com o que receberia se deixasse o dinheiro quietinho na poupança?

Não, né?

Mas deixa eu te oferecer essa aplicação de uma forma diferente. “COE Big Techs: Invista na Amazon e no Facebook, sem risco de prejuízo” ou “COE Super Ações está esperando por você. Com a partir de R$ 1 mil, você já pode iniciar a sua jornada financeira em busca de ganhos acima da média”.

Muito mais atrativo, né? Mas também bastante enganoso.

Um estudo de pesquisadores da FGV mostrou que a esmagadora maioria dos COEs vendidos a investidores de varejo (pessoas como você e eu) tinham retorno esperado abaixo da chamada taxa livre de risco (ou seja, o rendimento dos títulos públicos).

Por que você se arriscaria num investimento ligado à renda variável, e do qual você nem sequer pode se arrepender e resgatar no dia seguinte?

Continua após a publicidade

A resposta dos pesquisadores é simples. Porque os investidores de varejo não recebem a informação de que o COE vai render menos que um investimento seguro – nem têm as ferramentas necessárias para calcular isso.

O COE (sigla para Certificado de Operações Estruturadas) é, em resumo, uma espécie de Cavalo de Troia financeiro. E eles são “estruturados” porque envolvem um empacotamento de vários investimentos que são vendidos como uma coisa só.

Funciona assim: a corretora coloca dentro do cavalo (opa, do certificado) alguns títulos públicos junto com outros produtos de renda variável – como ações de empresas gringas, dólar, ouro etc. E aí entrega o cavalo fechadinho para você, sem que você saiba exatamente como as coisas que estão lá dentro foram combinadas.

Quanto mais sexy a parte da renda variável, melhor, porque é isso que a corretora vai usar para te vender o COE. É aquele verniz caprichado no cavalo de madeira antes de mandá-lo para Troia.

Mas tem um outro pulo do gato na forma como esses produtos são vendidos. Apesar de terem como principal atrativo a possibilidade de aplicar em ações, que são um mercado arriscado, os COEs quase sempre ganharam uma carinha de renda fixa para o investidor brasileiro.

Continua após a publicidade

Isso acontece porque uma parte dessas operações oferece o chamado “capital protegido”. Quer dizer que, se o investimento der errado (a ação cair em vez de subir no período, por exemplo), o investidor recebe o valor inicial de volta – mas sem nenhum rendimento e nem correção pela inflação. “Se der ruim, nem deu tão ruim assim”, a corretora pode te dizer.

Bem, nunca é demais lembrar que se o investimento não é corrigido nem pela inflação, ele gerou prejuízo, não lucro, ao longo do tempo. Pior ainda que o prazo dos COEs costuma ser de três anos. Receber o seu dinheiro de volta sem correção depois de 36 meses é algo indigesto.

Os pesquisadores da FGV explicam mais a fundo aqui por que é que os COEs são uma péssima ideia.

“Quando se vai investir em qualquer ativo, uma coisa básica é calcular o retorno esperado”, afirma Bruno Giovannetti, um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo.

Essa é justamente a informação a que o investidor não tem acesso quando compra um COE.

Continua após a publicidade

As lâminas informativas (uma espécie de manual de instruções do investimento) até dizem quais são os cenários de ganho e perda esperados.

Imagina que o COE seja para apostar na alta das ações da Amazon. Então, a corretora te vende o investimento com algumas condições. Se a ação da empresa subir até 10%, você ganha o percentual que a ação subir. Se ela subir mais que isso, o máximo que você vai ganhar é 10%. Se cair, você ganha apenas o valor inicial de volta.

Isso está na lâmina informativa. O que não está lá é a probabilidade de que a ação suba até 10%, mais que 10% ou que caia no período.

Então os pesquisadores da FGV aplicaram um modelo estatístico para fazer a conta de qual era o retorno esperado dos COEs. E descobriram que 252 dos 284 COEs estudados renderiam pouco (ou nada) para o risco corrido com o investimento.

“Apenas 32 de um total de 284 COEs oferecem um retorno esperado maior que o do título Tesouro Prefixado disponível no momento da emissão do COE. Além do mais, os COEs que oferecem um retorno em excesso positivo, fazem isso com bastante volatilidade”, afirmam. Por “retorno em excesso positivo” eles querem dizer lucro acima do obtido com o título público. Que é o que faria você correr o risco com esse investimento.

Continua após a publicidade

Giovannetti afirma que a comparação com um título prefixado foi baseada no fato de o investidor saber, ao comprá-lo, exatamente quanto ganhará ao final do período. Se o estudo fosse baseado no Tesouro Selic, o investimento estaria sujeito à flutuação da taxa básica de juros – atualmente em 2% ao ano.

Mas o economista e seus colegas esmiúçam ainda outros problemas.

COEs têm prazo definido, geralmente de um a cinco anos, e nesse período o investidor não consegue mexer no dinheiro de jeito nenhum. O nome disso é falta de liquidez. E tudo bem abrir mão de liquidez, desde que isso te garanta um retorno maior do que aquele oferecido por um investimento que te permite resgatar o dinheiro a qualquer momento.

Algumas corretoras até recompram, em alguns casos, o COE do investidor que está desesperado para ter o dinheiro de volta. O problema é o quanto elas cobram para isso: em uma reclamação no Reclame Aqui, um responsável pela área de qualidade e de atendimento da XP escreveu que o investidor pode perder “mais de 50% do capital” caso solicite o resgate antecipado.

Além disso, o estudo concluiu que, nos 32 COEs que podem oferecer uma rentabilidade decente ao investidor, o risco de perda é tão grande que seria melhor investir na bolsa seguindo o índice Ibovespa.

Continua após a publicidade

O ponto é que essa seria uma opção melhor para o investidor, mas não necessariamente para bancos (que estruturam COEs) e corretoras (que vendem).

Sim, há uma outra pegadinha no COE. Como ele é uma operação que arranja diversos investimentos, fica praticamente impossível saber o quanto as instituições financeiras estão cobrando para vender esse “cavalo”.

Diferentemente de fundos, em que gestores são obrigados a dizer quanto cobram para administrar o dinheiro do cliente, no COE essa taxa é muito bem escondida na “estrutura” do produto. Ainda como comparação, se o investidor for comprar ações em bolsa, sabe que vai pagar corretagem e emolumentos para a B3. Esses custos são públicos. No COE não.

E não se iluda. Mesmo que o investidor tenha prejuízo, as operações são estruturadas de modo a garantir o lucro para as instituições financeiras.

“Há evidência de que a complexidade desses produtos é utilizada pelos emissores para atrair compradores desavisados e, ao mesmo tempo, produzir produtos com mark-up [margens de lucro] elevados”, escreverem os pesquisadores.

E, olha, corretoras se esforçam para empurrar COEs aos clientes. O certificado existe desde 2014 e, segundo o estudo da FGV, os brasileiros têm R$ 20 bilhões aplicados nesse produto atualmente. É muito. Isso dá um terço do total investido em títulos públicos na plataforma do Tesouro Direto. Entre 2016 e 2019, 306.717 pessoas compraram ao menos um COE.

“Muito provavelmente a grande maioria comprou [o COE] sem entender direito o retorno esperado dele. O bê-a-bá de finanças já diz que eles não deveriam comprar”, afirma Giovanetti.

A expectativa é que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários, que regula o mercado de investimentos) use o estudo para mudar as informações que instituições financeiras têm que incluir na lâmina informativa.

Essa não é a primeira vez que Giovanetti está por trás de um estudo que aponta pegadinhas do mercado financeiro para o investidor.

Em 2019, ele assinou com Fernando Chague a primeira pesquisa sobre day trade na bolsa brasileira. Nela, descobriram que 92% das pessoas que tentavam ganhar dinheiro no curto prazo desistiram antes de um ano na atividade. Neste ano, atualizaram a pesquisa para mostrar que, sim, day trade continua dando prejuízo.

Agora os dois economistas, ao lado de Otávio Bitu e Tomaz Hamdan, mostram que os COEs não estão fazendo bem ao seu dinheiro. Talvez seja bom escutá-los.

Publicidade