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Salvação ou armadilha? Veja como se preparar para empreender com segurança

Quem abre um negócio por necessidade costuma sofrer com a alta carga emocional e com o despreparo. Veja o que é importante saber antes de se aventurar

Por Natalia Gómez
Atualizado em 6 mar 2020, 15h00 - Publicado em 6 mar 2020, 15h00

Quando Kelli Carretoni, de 36 anos, e o marido, Marcos Senise, de 35, decidiram sair de Sidrolândia (MS) para recomeçar a vida em Florianópolis (SC) imaginaram que seria fácil abrir um food ­truck e se sustentar vendendo lanches. Desempregados, eles estavam morando de favor com a família havia seis meses quando decidiram arrumar as malas em agosto de 2018. Como já haviam visitado a ilha catarinense durante as férias de verão, pensaram que a multidão de turistas significaria sucesso garantido.

Mas a realidade do inverno em que chegaram à cidade foi bem diferente. Além de custos com locação e manutenção do trailer, o casal teria de arcar com alvará de funcionamento — e, também, com o aluguel de apartamento e todos os outros custos de vida. As contas não fechavam. “Decidimos recuar do nosso projeto inicial. Ficamos apavorados, pois tínhamos muitas despesas, o dinheiro estava indo embora e o desespero bateu”, diz Kelli.

O sonho de ter um food truck durou apenas dois dias. Marcos começou a procurar emprego em lojas e restaurantes de Florianópolis. Apesar de carregar um diploma universitário de agronomia, ele não teve sucesso em sua área. Para piorar a situação, Kelli passou por um problema na coluna que exigiu repouso, internação e medicamentos — o que tornou a situação financeira do casal ainda mais preocupante.

Foi então que tiveram a ideia de fazer bolos no pote para vender no comércio e na praia. Advogada de formação, Kelli sempre gostou de preparar doces e ficou encarregada da produção, enquanto Marcos cuidava das vendas. Ele havia conseguido um emprego de vendedor durante o horário comercial e saía para vender bolos após o expediente.

Depois de dez meses empregado, Marcos foi demitido e passou a se dedicar integralmente ao negócio. Com muito esforço, saíram do vermelho e hoje conseguem pagar todas as contas com os doces. A história poderia ter terminado mal, mas eles tiveram sorte. Em seu segundo verão na ilha, o casal está se preparando para formalizar a empresa e já sonha em abrir uma loja própria.

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Pura necessidade

Histórias como a desse casal estão se tornando cada vez mais comuns no Brasil — e não é porque o brasileiro se descobriu como empreendedor. O enfraquecimento da atividade econômica e o avanço do desemprego nos últimos anos são dois dos fatores que têm levado cada vez mais pessoas a abrir um negócio por necessidade.

Uma pesquisa realizada pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM) mostrou que a taxa de empreendedorismo no Brasil está crescendo rapidamente, chegando a 38% em 2018, o equivalente a 52 milhões de pessoas. E, dos que abriram um negócio, 37,5% o fizeram por necessidade.

A abertura de empresas que se enquadram no MEI (Microempreendedor Individual) também é um indicativo dessa tendência: de janeiro a outubro de 2019, o Brasil ganhou 1,5 milhão de novos microempreendedores, alcançando um total de 9,2 milhões.

Com o registro, os empresários cujo faturamento chega a até 81 000 reais por ano podem ter CNPJ e emitir notas fiscais, além de ter acesso a direitos previdenciários e a auxílio-maternidade. “Há muita gente que não tem opção no trabalho formal e consegue no MEI um caminho para se formalizar e estar no mercado de trabalho”, afirma o presidente do ­Sebrae, Carlos Melles.

Com emoção

Se empreender por oportunidade já é desafiador, empreender por necessidade é ainda pior. Segundo especialistas, quem abre um negócio por não encontrar uma alternativa de renda costuma sofrer mais riscos de fracassar porque a carga emocional é muito mais intensa e tende a impactar a qualidade das decisões. “São muitas camadas de emoção envolvidas junto com um nível de conhecimento quase zero. As pessoas nessa situação ficam desesperadas porque o dinheiro nem sempre vem rápido”, afirma Marina Proença, especialista em marketing e criadora do curso Empreenda Simples.

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Ao mesmo tempo, não há as mesmas garantias oferecidas por um emprego de carteira assinada, como fundo de garantia, férias remuneradas e 13o salário. Segundo Sandro Magaldi, fundador da startup Meusucesso.com, que atua com educação empreendedora, a instabilidade dos rendimentos aliada a essas condições é um dos fatores mais desafiadores. “Empreender é sinônimo de risco. A segurança não é a mesma quando se tem uma ocupação formal”, afirma.

Outro ponto de atenção é a pressa para retirar uma renda de seu negócio, o que não permite que a empresa receba os investimentos necessários ao longo do tempo. “Esses ingredientes formam um bolo perigoso”, afirma Rubens Massa, professor no Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da FGV Eaesp.

Em muitos casos, é preciso encontrar alternativas de renda até o negócio começar a dar certo. Foi o que fez Kênia Nazaro, de 33 anos. Formada em arquitetura, ela teve dificuldade para encontrar um emprego na área quando se formou em 2014. “O Brasil já estava em crise e meu mercado tinha quase chegado ao fundo do poço”, diz.

Kênia Nazaro, arquiteta: sem conseguir um emprego na área, ela começou a empreender quan­do era recém-formada | Foto: Leandro Fonseca ()

Em vez de esperar por uma vaga, ela decidiu entrar em ação e começar a atuar por conta própria. “Precisava de dinheiro e também valorizar a graduação que eu fiz”, afirma. Com a marca Nazario Arquitetura, criou um perfil no Facebook com seu portfólio e, com dinheiro emprestado de sua mãe, imprimiu 5 000 panfletos para divulgar o negócio. Alguns meses depois, conseguiu o primeiro cliente. “Ele sabia que eu era inexperiente, mas decidiu arriscar”, diz.

A clientela demorou a crescer e, até o início de 2018, Kênia precisou diversificar seu leque de atuação. Além de projetos de arquitetura, ela locava equipamentos recreativos para festas infantis. “Eu ficava por meses sem clientes e, para poder pagar as contas, comecei a alugar esses brinquedos”, diz.

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Agora, graças ao forte trabalho de divulgação nas redes sociais e na internet, Kênia conseguiu consolidar seu negócio de arquitetura. “O Instagram e o Facebook me dão clientes. Cheguei a um ponto em que eu não preciso mais ficar pagando para fazer propaganda porque os próprios clientes me indicam a outros”, diz a arquiteta, que está pensando em contratar um estagiário para ajudá-la.

Planejamento é a chave

Para quem está pensando em empreender por não encontrar mais nenhuma opção, a dica é buscar informação e planejar o máximo possível antes de começar. Cursos gratuitos do Sebrae e informações disponíveis na internet são uma ótima alternativa para quem não tem dinheiro para investir em capacitação. Estar em contato com outros empreendedores também é uma boa ideia, seja por meio da internet, seja em feiras e eventos.

É essencial formular um modelo de negócios levando em conta o que a empresa vai fazer, quem será o cliente, como será o relacionamento com esse público, quais serão as principais atividades e os parceiros, assim como custos e receitas. “É preciso dar um primeiro passo e pesquisar”, diz Marina.

Caso contrário, o risco de trabalhar muito e não ganhar dinheiro é alto. Também é importante considerar como seu negócio vai se diferenciar da concorrência, oferecendo produtos inovadores ou lançando mão de campanhas de marketing originais. “Se não souber responder qual dor você cura, nem comece”, afirma Pedro Superti, especialista em mar­keting de diferenciação.

Esse planejamento faz parte da história de Beatriz Carvalho, de 27 anos. Jornalista que nunca conseguiu atuar na área, ela criou, em 2017, o projeto Mulheres de Frente, que tem como objetivo usar a internet como ferramenta de empoderamento de mulheres da periferia da cidade do Rio de Janeiro.

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Beatriz Carvalho, do projeto Mulheres de Frente: o networking foi importante para desenvolver sua consultoria de comunicação focada em empreendedoras de comunidades carentes | Foto: Andre Valentim ()

A ideia é ensiná-las a usar as redes sociais como ferramenta de trabalho. “As mulheres da favela são muito estigmatizadas pelo machismo e pelo racismo, e isso me incomodava muito”, diz. Para ajudar a mudar essa realidade, Beatriz oferece consultoria em mídias sociais, produção de eventos e também realiza workshops e oficinas presenciais em áreas carentes. Com isso, ela ajuda empreendedoras a divulgar seus produtos e serviços na internet de forma positiva, servindo de inspiração para outras mulheres.

Para tirar o negócio do papel, Beatriz precisou criar uma rede de contatos na região metropolitana do Rio. Sua principal fonte de negócio são as organizações não governamentais (ONGs) que atuam nessa região. “Procuro oferecer ajuda para eventos que elas realizam, e assim vou criando uma rede de contatos”, conta. Grupos de mensagens e participação em coletivos feministas também têm ajudado Beatriz em sua jornada empreendedora.

Em meados de 2017, o projeto foi mapeado pela Rede Favela Sustentável, da ONG Comunidades Catalisadoras. Em 2019, passou a fazer parte de uma incubadora de outra ONG, a Asplande. Na incubadora, Beatriz está aprendendo sobre modelo de negócios, marketing digital e gestão de negócios.

“Esse mapeamento tem me dado mais visibilidade e um net­working muito importante”, conta. No mesmo ano, ela se registrou como MEI para poder emitir notas fiscais. No longo prazo, sua intenção é levar o Mulheres de Frente para outros estados do Brasil e até para o exterior. Da necessidade pode ter surgido um grande projeto de vida.

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