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Para vencer a crise, construção civil está deixando o conservadorismo

Startups voltadas para a construção civil se proliferam no Brasil e mudam a cara de um dos segmentos mais conservadores do país

Por Karina Fusco, da VOCÊ S/A
Atualizado em 18 dez 2019, 09h22 - Publicado em 3 abr 2019, 06h00

Em meio aos escândalos de corrupção, às investigações da Operação Lava-Jato e a severa recessão econômica, algo de novo aconteceu na construção civil, setor responsável por 6% do PIB nacional.

Enquanto os canteiros de obras minguavam país afora, profissionais que conheciam de perto os gargalos do ramo — muitos deles demitidos pela redução da ­atividade — passaram a empreender. Até então fechado e obsoleto, o ­mercado foi ganhando impulso criativo e, aos poucos, retomou o fôlego.

Após cinco anos de retração, que levaram o segmento a encolher 20,5% de 2014 a 2018, a expectativa é que, enfim, haja crescimento em 2019. O número ainda é tímido, de 1,3%, mas representa um alento. 

Segundo Amure Pinho, presidente da ABStartups, embora não sejam as principais responsáveis pela retomada, as construtechs (startups do setor de construção civil) ajudaram a empurrar a curva para cima.

“A natureza desses negócios é solucionar problemas para ganhar escala. Quando eles prosperam, toda a cadeia pode ser impactada positivamente”, diz ele, que estima neste ano um aumento de 25% no volume de empresas novatas com perfil inovador.

Só em 2017, um levantamento da Construtech Venture, fundo que investe em startups da área, mapeou 562 negócios desse tipo — 116% mais do que em 2016. O potencial do segmento é enorme. O ecossistema global, por exemplo, possui 6 000 construtechs. Em 2018, mais de 7,3 bilhões de dólares foram investidos nelas em todo o mundo.

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“No Brasil, há quem empreende por necessidade, mas muitos enxergam que o momento é favorável”, avalia Bruno Loreto, CEO da Construtech Venture. Nos últimos quatro anos, em vez das construtoras gigantonas, foram as startups que movimentaram o mercado.

Um caso emblemático é a Vitacon. Fundada há nove anos pelo engenheiro Alexandre Frankel, de 41 anos, começou pequena e, nos anos de crise, deslanchou ao vender imóveis compactos (com plantas de 10 a 77 metros quadrados) a preços mais atraentes (a partir de 90 000 reais). Os apartamentos, funcionais, ficam sempre próximos a áreas comerciais e estações de metrô da capital paulista.

Ao todo, a novata lançou 62 prédios e captou 2 milhões de reais de investidores. Em 2018, o faturamento foi de 1,3 bilhão de reais.

“Crescemos 60% de 2017 para 2018. A projeção para este ano é lançar 3 000 apartamentos e alcançar 2,3 bilhões de reais em faturamento”, afirma Alexandre, que cresceu apostando na força da tecnologia para oferecer um novo jeito de morar na maior cidade do país.

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Os empreendimentos têm aplicativos que permitem ao morador solicitar serviços, como o de andador de cachorro e personal trainer, fazer pagamentos e se informar sobre os eventos promovidos nos edifícios, como aulas de ioga ou debates. Hoje, a Vitacon conta com 300 funcionários e prevê aumentar o quadro em 50% até o final de 2019.

“Estamos abertos a receber profissionais de todas as áreas, mas principalmente ligados a marketing digital, análise de dados, experiência do consumidor e vendas”, afirma o CEO, que entrevistará pessoalmente os novos contratados. “Pretendo conversar com cada um que está entrando para nosso time.”

Via de mão dupla

Ao quebrar paradigmas com soluções inovadoras, startups chamam a atenção de grandes empresas, que se veem obrigadas a deixar a aversão tecnológica de lado. “Ainda há uma grande dificuldade de gestão na construção civil.

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A demanda por sistemas e aplicativos que ajudem a evitar erros e desperdícios de materiais, produzir mais com menos e facilitar a vida dos futuros moradores é enorme.

Isso vale para a construção pesada, mas também para o mercado imobiliário, de facilities e de manutenção”, diz Gleidson Lima, professor do MBA de gestão de negócios de incorporações e construção imobiliária na Fundação Getulio Vargas.

Isso explica por que companhias tradicionais estão criando programas de inovação aberta, fundos de investimento e aceleradoras.

Alexandre Frankel, fundador da construtora Vitacon: com prédios que oferecem de bicicletário a andador de cachorro o faturamento foi de 1,3 bilhão de reais | Leandro Fonseca

É o caso da construtora Andrade Gutierrez. Ainda superando os efeitos da Operação Lava-Jato, ela lançou no ano passado um programa de aceleração com o objetivo de resolver os desafios enfrentados em suas obras.

O primeiro ciclo recebeu mais de 150 inscrições: as sete construtechs selecionadas puderam validar soluções nas obras da construtora e receberam mentorias com especialistas, financiamento para o projeto piloto e um espaço de coworking dentro do escritório em São Paulo.

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“Quatro delas já foram contratadas e hoje são nossas fornecedoras”, diz André Medina, gerente de inovação da Andrade Gutierrez. Em vez de enca­rá-las como ameaça, André diz que a organização passou a enxergá-las como parceiras de negócio. “Quem não estiver fazendo conexão com elas, corre o risco de sumir.”

Larissa Soares e Gabriel Napchan, sócios da Em Canto Meu: a plataforma, que conecta quem vai fazer uma obra a arquitetos, cresceu 600% | Germano Lüders

Outra empresa que aposta nos jovens criativos é a Vedacit, que comercializa produtos impermeabilizantes. Desde 2016, ela já investiu meio milhão de reais em cinco construtechs, que renderam inovações como um sensor para medir o tempo de cura do concreto e uma plataforma que faz a gestão de resíduos nos canteiros de obras, rastreando os rejeitos até a destinação final — ideias que deverão ser lançadas no mercado.

“A expectativa é que até 2023 a empresa tenha um incre­mento das receitas de até 5% com essas iniciativas. Queremos ser um hub de inovação e conectar outras startups à indústria da construção”, afirma Luís Fernando Guggenberger, gerente de sustentabilidade e inovação da Vedacit.

Do lado das novatas, o desafio é convencer as grandes empresas que a solução desenvolvida fará a diferença para a operação. Foi o que fizeram o engenheiro civil Diego Mendes e o engenheiro de software Leandro Mascarenhas, ambos de 32 anos, fundadores da Construcode, que faz gestão de documentos das obras via QR Codes.

A invenção resolve, de fato, um problema. Quando um projeto de engenharia nasce, há projeções em escala de até seis dimensões. Apesar da tecnologia, tudo é impresso em enormes papéis, que direcionam a execução nos canteiros, dando margem a erros. Pois a dupla subverteu essa lógica.

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Com celulares e tablets, o pessoal da obra aponta o aparelho para os códigos espalhados por paredes ou totens e tem acesso imediato a plantas e documentos. Isso minimiza erros em até 38% e reduz até 90% dos custos com impressão, demolição e descarte de entulhos.

Com capital próprio, os sócios investiram 50 000 reais para desenvolver a plataforma. Fundaram a companhia em 2017, em Salvador. Três meses depois, com o modelo de negócios validado, levantaram mais 200 000 reais pela Anjos do Brasil, entidade de fomento ao empreendedorismo por meio de investimento-anjo.

Foi só depois de aprimorar a tecnologia que a dupla começou a apresentar a invenção. Engajado, Diego tomou a frente da prospecção. Participando de eventos de inovação aberta, foi fazendo contatos.

Em pouco tempo, Diego ficou conhecido e passou a conseguir espaço na agenda de diretores e CEOs. Quando se encontrava com eles, ­oferecia teste gratuito por 15 dias para que usassem a inovação em campo.

“Mostrávamos que era possível combater os atrasos na construção com nosso produto”, diz. A construtech baiana é avaliada em 3,5 milhões de reais e, em apenas dois anos, cresceu 350% em valor de mercado.

“Nosso objetivo é trabalhar com as oito grandes construtoras do país”, afirma Diego. Andrade Gutierrez e Braskem são algumas das companhias com as quais eles já fecharam contrato.

Num setor em franca expansão, há quem esteja até dispensando dinheiro. É o caso da administradora de empresas Larissa Soares, de 26 anos.

Ao acompanhar a insatisfação de um amigo ao realizar obras em seu imóvel, ela teve um insight: “E se criasse uma plataforma para fazer a conexão entre clientes e arquitetos, oferecendo pacotes de reformas, obras e até decoração?”

Como tinha a bagagem de uma startup de educação, na qual atuou com marketing e vendas, criou a Em Canto Meu.

Com o investimento de 256 reais, iniciou em 2017 uma página simples na internet para divulgar o serviço e partiu em busca de clientes.

A estratégia incluiu divulgação entre amigos, participação em grupos de WhatsApp de condomínios e corretores de imóveis e ações de ­marketing nas proximidades de lançamentos imobiliários.

Tudo isso para atingir o público-alvo: pessoas de 25 a 40 anos que estão montando a casa, própria ou alugada, e buscando preços acessíveis.

Todo o dinheiro que entrava era reinvestido no negócio, que se transformou em uma plataforma digital e já atendeu 360 clientes em 25 cidades do Brasil e seis países.

Mesmo tendo passado por duas aceleradoras, ela e o atual sócio, o engenheiro de software Gabriel Napchan, de 29 anos, optaram por não captar aportes, para manter a autonomia.

“Estamos crescendo organicamente. Em um ano, a receita aumentou 600% e a expectativa é que o time triplique até o fim do ano”, diz Larissa, que saiu do espaço de uma aceleradora para um escritório próprio, em São Paulo, com quatro pessoas nas áreas de atendimento ao cliente, comercial, mar­keting e gerenciamento de obras.

As startups cavaram o terreno, fincaram as fundações e pavimentaram a estrutura do novo mercado. Embora não dê para enxergar seu tamanho, tudo indica que a obra será enorme.

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