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Saiba como se beneficiar de reclamações no trabalho

Reclamar no trabalho ajuda a criar vínculos entre as equipes, mas, se a queixa não for bem conduzida, o profissional poderá sair prejudicado

Por Erica Martin
16 out 2020, 13h58

Se reclamar no ambiente de trabalho pode ser visto como algo ruim para muita gente, uma pesquisa realizada pela Universidade de Melbourne, na Austrália, mostra o contrário. Durante um ano, Vanessa Pouthier, autora do estudo, observou funcionários de um hospital nos Estados Unidos que atende pacientes em estado terminal. Depois de fazer entrevistas e acompanhar reuniões entre enfermeiros, médicos e outros profissionais, ela concluiu que o vínculo das equipes aumentava à medida que as pessoas reclamavam e tratavam com humor os problemas do dia a dia.

As lamúrias também contribuíam para que enfrentassem com mais leveza situações de estresse. “Meu trabalho indica que esses rituais ajudam as equipes a trabalhar melhor em conjunto. Rir junto de uma frustração ajuda a criar um lugar seguro para conversas difíceis”, explica a especialista, em entrevista a VOCÊ S/A. Além disso, durante o estudo, ela observou que os próprios funcionários desenvolveram informalmente uma espécie de “senso” de quais queixas e brincadeiras eram realmente apropriadas para o ambiente corporativo.“Eles nunca podiam reclamar de pessoas da equipe, por exemplo; apenas de questões externas”, afirma.

É fato que o ambiente analisado pela especialista é bastante peculiar, já que os profissionais da instituição lidam frequentemente com algo doloroso: a morte. Entretanto, reclamar também pode funcionar positivamente em outras áreas, e não só na da saúde. Além de ser uma forma de mostrar que algo não vai bem, esse comportamento ajuda a trazer à tona problemas que acometem outros indivíduos.

“A reclamação é uma forma de comunicação que traz no discurso incômodos, desconfortos e frustrações. Quando exterioriza isso por meio da verbalização, o profissional evidencia o que está sentindo, e faz com que outras pessoas se identifiquem com aquela situação e se tornem aliadas em busca de um objetivo”, explica Ana Paula Veloso, psicóloga e supervisora de carreiras do Ibmec de Belo Horizonte. Além de espalhar o sentimento de união, as queixas corroboram para evidenciar conflitos que, invariavelmente, não estão sendo vistos por pares e chefes. “Muitas vezes, a outra pessoa não sabe que está incomodando o colega, por exemplo. Se ele não falar, a probabilidade de repetição daquele erro será grande”, explica Daniela do Lago, especialista em comportamento do trabalho.

Linha tênue

No entanto, existe um limite para o lado positivo de reclamar. O funcionário que só faz queixas e não busca meios para resolver uma insatisfação pode ser rotulado como o resmungão da turma. “Começa a ficar chato ficar perto dessa pessoa. Quem está em volta acaba se afastando”, diz Bia Nóbrega, coach e executiva da área de recursos humanos. Por isso, quando a reclamação é recorrente, é importante levá-la adiante. Mas cuidado ao escolher um ombro amigo para desabafar. “Há pessoas boicotadoras, que podem repassar a informação de forma errada e prejudicar o profissional que fez o comentário”, diz João Kluppel, diretor da consultoria de recrutamento Michael Page.

Para evitar o telefone sem fio, a sugestão dos especialistas é reportar a queixa ao gestor direto. Quando não é possível (em caso de denúncias, por exemplo, envolvendo a própria liderança), o indicado é usar ferramentas que as empresas costumam disponibilizar para ouvir os empregados. Dentre elas estão pesquisa de clima, canais de sugestões e ouvidoria. Mas lembre sempre: a queixa precisa ter fundamentos.

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Se você está decidido a levar a frustração para o líder, reúna evidências. Se acha que seu salário está aquém dos resultados entregues, por exemplo, estruture uma planilha com todos os projetos já concretizados e o retorno financeiro que trouxeram para a organização. Se há colegas com o mesmo problema, aproveite para unir forças. Elenque também sugestões que possam aliviar sua frustração. Se o prazo para entregar um projeto está apertado, por exemplo, proponha uma nova agenda. “Ao levar um conflito para o chefe sem uma sugestão para solucioná-lo, você é parte do problema”, diz João Xavier, diretor-geral da Ricardo Xavier Recursos Humanos, consultoria que atua com gestão estratégica de pessoas.

Na hora de reclamar é essencial focar sempre a situação que desencadeou o problema, sem apontar culpados (com exceção de situações mais graves, como denúncias de assé­dio moral ou sexual). Se o gestor anunciou a demissão de funcionários em uma área e você não concorda com a decisão, por exemplo, foque o fato. “Se o funcionário disser que não concorda com os desligamentos, porque a empresa poderia ter feito um planejamento melhor, ele não estará atribuindo a responsabilidade a uma pessoa, mas a uma ação tomada pela companhia”, diz João Kluppel, da Michael Page. E, claro, é preciso entender as peculiaridades do modelo de negócios da empresa. “Se a organização começa a atender clientes às 5 da manhã, não adianta reclamar que o expediente começa muito cedo”, explica Daniela.

Ouvir e agir

Do outro lado, as empresas também precisam saber lidar com as queixas relatadas. De acordo com Vanessa, da Universidade de Melbourne, é fundamental que as organizações respeitem os momentos de desabafo. “É importante que os gestores reconheçam os benefícios em vez de descartar essas reclamações como distrações ou atividades que não agregam valor”, diz. De acordo com a especialista, reunir-se com os colegas para reclamar e fazer piadas sobre os problemas contribui para a geração de emoções positivas entre as pessoas. “Isso ajuda o profissional a ter uma mente mais aberta, aspecto particularmente importante no ambiente de trabalho moderno, onde a regra é haver equipes que trabalhem além das fronteiras ocupacionais e organizacionais”, explica.

Quando não escutam ou só punem as reclamações, as empresas criam ambientes com profissionais frustrados, o que leva a perda de talentos, aumento de turnover, absentismos e afastamentos. Um funcionário que tenha acabado de chegar a uma empresa e escute da maioria das pessoas de seu departamento que o CEO costuma ser grosseiro com as pessoas, por exemplo, pode desistir do emprego. “A generalização da reclamação deteriora o ambiente. E os melhores profissionais são os primeiros a ir embora, porque eles têm maiores chances de empregabilidade”, diz a coach Bia.

Por isso, ao identificar um mimimi pelos corredores, é importante que o líder haja rapidamente, até porque, muitas vezes, os incômodos não chegarão formalmente aos seus ouvidos. O papel deve ser assumido, principalmente, pelo gestor direto que, teoricamente, conhece com mais profundidade o time. “Assim que percebe um mal-estar na equipe, o líder tem de intervir e confirmar ou não suas impressões”, diz Ana Paula, do Ibmec. Além disso, é mais fácil atuar na resolução do caso se as insatisfações são identificadas com rapidez. “Tão logo perceba o problema, o chefe deve chamar o funcionário para conversar, ouvir com empatia e atenção, para depois avaliar o que é ou não procedente”, orienta João Xavier.

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É claro que nem todo ambiente corporativo dá espaço para que os profissionais falem sobre suas lamúrias. Existem empresas onde a reclamação é pouco ou nada tolerada. Quem atua em organizações com esse perfil deve ter cuidado redobrado na hora de se queixar, para evitar retaliações e até mesmo a demissão. “São estruturas muito rígidas e que existem há muito tempo. Quando alguém reclama de algo e coloca em xeque uma cultura que sempre funcionou é mal visto”, diz Ana Paula.

Foi o que aconteceu com a biomédica Juliana Marin, de 35 anos. Em 2013, ela foi aprovada no processo seletivo de uma empresa que faz terceirização de mão de obra em Mogi das Cruzes (SP). Entretanto, como o salário não correspondia exatamente ao que ela buscava, a empresa fez uma proposta: pagaria o valor pretendido após o período de experiência (ou seja, três meses depois). Só que as mudanças não ocorreram conforme o combinado. “Passados cinco meses, fui ao RH para conversar. Eles pediram para eu ter um pouco mais de paciência”, diz Juliana. Como o dissídio coletivo seria pago em alguns meses, a empresa queria identificar de quanto seria o reajuste para calcular o novo salário da funcionária. Quando completou nove meses na companhia, o dissídio foi pago, mas a biomédica recebeu 500 reais a menos do que o prometido na contratação. Angustiada com a situa­ção, decidiu falar novamente com o RH. A atitude, porém, custou seu emprego. “Reclamei de manhã e fui demitida no final do dia. Disseram que não era por causa de performance. Quando questionei se o motivo era a reclamação que eu tinha feito, não obtive resposta”, diz.

Bem-vindo, reclamão

A boa notícia é que esse tipo de organização, que não dá bola para o que pensa o funcionário, está, aos poucos, perdendo espaço. Cada vez mais organizações se abrem para a comunicação transparente. Nesses lugares, empregados que reclamam — e que identificam problemas — são vistos com bons olhos. Foi justamente o que aconteceu com Diogo Barros, de 30 anos, gestor comercial da Osten, grupo de concessionárias de carros de luxo. Em setembro do ano passado, ele procurou o RH para falar de um problema que incomodava muitos colegas: a comida do refeitório. “A quantidade era limitada e o tipo de comida não agradava muito”, diz.

Como manda o manual da boa reclamação, Diogo levou não só a indignação mas também uma sugestão: trocar o restaurante pelo vale-refeição — ideia que ele já havia validado numa pesquisa com os colegas mais próximos. Depois de registrar a queixa, a empresa decidiu fazer uma votação entre os funcionários, que, majoritariamente, apontaram a preferência pelo vale. “Eu já tinha proximidade com o pessoal do RH, o que facilitou a conversa. De qualquer forma, sou expansivo. Naturalmente exponho o que sinto. Acredito que bastante gente tenha receio de reclamar porque muitas empresas não absorvem sugestões e críticas. Por saberem disso, as pessoas acabam ficando com medo de ser malvistas”, diz Diogo. Em janeiro deste ano o esforço dele deu certo: todos passaram a usufruir do novo benefício, e o refeitório foi desativado. Assim como aconteceu com Diogo, reclamar, muitas vezes, gera bons frutos.


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