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Para este CEO de petroquímica, Brasil está à frente de empresas europeias

Javier Constante, presidente da Dow Brasil e América Latina, acredita que o Brasil é mais ágil que a Europa na hora de implementar novas ideias

Por Juliana Américo
Atualizado em 8 jan 2020, 11h55 - Publicado em 8 jan 2020, 05h00

Com mais de 30 anos de carreira na petroquímica Dow, o argentino Javier Constante, de 58 anos, assumiu em outubro do ano passado a posição de presidente da companhia no Brasil e América Latina.

Antes de liderar os 2 190 funcionários brasileiros, o executivo passou oito anos na Suíça como Vice-presidente comercial para Embalagens e Plásticos Especiais na Europa, Oriente Médio e África, além de promover a agenda do negócio na África Subsaariana.

Em seu cargo atual, Javier tem o desafio de implementar a nova cultura da companhia, mais voltada para a sustentabilidade, diversidade e inovação.

Sua trajetória profissional começou na universidade, como foi a migração para o mundo corporativo?
Eu sou formado em Engenharia Química e a minha ilusão era de que eu iria trabalhar em pesquisa e desenvolvimento. Eu dava aula na universidade e realizava pesquisas para processos de recuperação assistida de petróleo.

O início da minha carreira foi nessa parte mais científica. Mas depois disso, comecei a buscar oportunidades nas empresas e consegui uma vaga na parte comercial da W.R. Grace. Lá eu tive a chance de ser treinado na Europa para fazer o desenvolvimento de novos produtos. Fui para a Inglaterra e depois para a Alemanha. Depois de um tempo, comecei a procurar outro trabalho, até que vi um anúncio no jornal procurando um engenheiro químico, de 28 anos, com três anos de experiência e inglês. Eu me encaixava perfeitamente na vaga, foi quando eu entrei na Dow.

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Você levou alguma coisa da formação de químico para o mundo dos negócios?
Foi um trauma, porque naquela época eu estava dando aula e tinha estudado tanto para estar no mundo acadêmico. Não sabia se estava fazendo a coisa certa. Sair de um trabalho de ensino e pesquisa para ir para uma coisa mais comercial foi uma crise.

Eu lembro que cheguei a conversar com um colega mais sênior para perguntar se eu estava fazendo a movimentação correta. Aí ele me falou: “Você não sabe o que é ser um comercial de uma petroquímica, e com a sua personalidade, é a melhor decisão”. Acho que ele estava certo. Mas os conhecimentos que eu adquiri na Engenharia Química sempre foram muito valiosos.

A Engenharia te dá um esquema mental de analisar os assuntos que pode facilmente ser aplicado na carreira. Obviamente, depois eu fiz um MBA e o curso me deu uma visão da parte social e econômica, algo que eu não tinha.

Como foi seu início de carreira na petroquímica?
No final de 2001, no meio da crise da Argentina, fui convidado para ser o diretor de vendas do Brasil. Foi um grande desafio. Muita gente não concordou, porque era um argentino gerenciando um negócio só no Brasil. Mas acho que deu mais do que certo. A minha carreira, graças a experiência que eu tive aqui, alavancou.

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Em 2004, eu fui para a Europa fazer alguns trabalhos e, em 2010, voltei para a América Latina para o cargo de diretor comercial do negócio de plástico. No ano seguinte, fui de novo para a Europa para assumir o cargo de vice-presidente comercial de plástico para a Europa, Oriente Médio e África. Na primeira sexta-feira de agosto de 2018 recebi uma ligação me convidando para voltar como presidente do Brasil e América Latina.

De 2004 a 2010, você viveu na Europa. O que tem diferente quando comparamos essa região com a América Latina?
A Europa tem muita tecnologia própria, mas é mais conservadora na hora de mudar. Qualquer processo de mudança ou de inovação demora muito mais tempo.

Na América Latina, acho que por causa da nossa situação de crescimento e turbulências, precisamos ser muito mais ágeis. O desenvolvimento aqui sempre vai acontecer mais rápido. Os empresários são mais focados em desenvolver negócios rápidos e isso ajuda a ser inovador. O tempo da adoção de uma inovação na América Latina é um terço do tempo europeu.

Por outro lado, a experiência na Europa te dá uma noção das diferenças culturais. Entre Portugal e Rússia você passa por vários idiomas e culturas diferentes. Cada país tem uma história diferente e uma história muito intensa, marcada por guerras e crises. Esse é um grande aprendizado e que aumenta mais quando você vai para o Oriente Médio e para a África. São mundos completamente diferentes. A África, para mim, foi e ainda é umas das coisas mais importantes da minha carreira. Eu aprendi muito com a região.

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E quais são os desafios de assumir a presidência da Dow?
É o fato de estarmos em um processo de mudanças. A maior dificuldade é desenvolver de uma maneira estável a nova cultura. A gente continua com foco em ciência e tecnologia, mas também estamos mais atentos às discussões do século 21. Por isso, temos quatro objetivos: ser a empresa mais sustentável, mais inclusiva, mais inovadora e com mais foco no cliente. E isso está apoiado em pilares importantes, que são os de segurança e comportamento ético. É preciso fazer essa mudança de cultura, junto com o crescimento do faturamento e da lucratividade da América Latina. E esse é um desafio fantástico, porque mudança cultural não é fácil de fazer.

Falando em sustentabilidade, como a empresa está agindo com o movimento de redução de resíduos plásticos no mundo?
A nossa filosofia é fazer com que todos os produtos gerem uma economia circular. Ou seja, o seu rastro no mundo tem que ser zero. No nosso caso, não é só a questão do lixo, mas também a geração do carbono causador das mudanças climáticas, algo pelo qual a indústria química e petroquímica tem muita responsabilidade.

Temos várias iniciativas para incentivar a coleta seletiva e a reciclagem. Na América Latina, trabalhamos com ONGs, escolas, clientes e fornecedores. Mas o nosso foco não é só recolher o lixo, porque você recolhe o lixo hoje e amanhã já tem de novo. A gente quer conscientizar as pessoas de que o lixo é responsabilidade de todos, por isso temos programas para transformar o lixo plástico em coisas úteis. Por exemplo, dá para juntar o plástico com asfalto e recapear as ruas.

Temos projetos parecidos na África, mas ali trabalhamos mais para levar empresas de reciclagem para a região. Diferentemente da América Latina, a África não tem uma infraestrutura industrial, então você não pode só ficar ensinando as pessoas a juntar lixo, às vezes a gente precisa colocar os containers para recolher o lixo dentro dos bairros e depois levar para um centro de reciclagem que hoje não existe. Essa é uma forma de assumir a nossa responsabilidade social como empresa e uma das experiências mais bonitas que eu tenho.

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Quando você incentiva esse tipo de projeto na África, você também está incentivando a inovação e criação de novos negócios, certo?
Sim, há três semanas eu estava no Quênia participando desse projeto de reciclagem e uma senhora questionou se dava para fazer bancos de escola com plástico reciclável. Eu respondi que sim, que já tínhamos feito isso na África do Sul. Você começa a criar um círculo virtuoso.

A Dow é um exemplo importante de empresa que investe em diversidade. Por que vocês se preocupam tanto com essa causa e quais benefícios a inclusão traz para a companhia?
Cada grupo diverso vê o mundo de um jeito diferente. Um prato de comida é visto de um jeito por uma pessoa e de um jeito diferente por outra. E nós precisamos de todas essas visões para criar os melhores produtos e serviços. Essa é a parte comercial e eu poderia dar vários exemplos de como a diversidade aumenta a lucratividade, mas a questão é que o mundo que não é inclusivo já acabou. Quem não entendeu isso está olhando para o lado errado.

Eu acho que todo mundo tem o direito de ser 100% do que é em casa, na escola ou no escritório. Quando você não tem nada o que esconder ou nada o que mudar, é mais feliz e consegue entregar mais resultado. Nós começamos a trabalhar inclusão há 25 anos, mas a verdade é que o progresso não era muito bom. Tínhamos feito muitas coisas, mas precisávamos de um plano estratégico e mais concreto. Então, em 2007 nomeamos a Karen Carter como chefe de inclusão e ela colocou os líderes globais para trabalhar em projetos de diversidade.

Hoje temos seis grupos de inclusão e mais de 35% dos funcionários engajados com o tema. Estamos trabalhando também com a nossa cadeia de fornecedores. Por exemplo, temos um grupo de fornecedores LGBTI+ nos Estados Unidos e, na Espanha, temos uma empresa que faz a limpeza de uniformes que é composta por pessoas com deficiência mental.

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Quais foram as maiores dificuldades na sua trajetória?
A dificuldade foi enfrentar, como líder, uma das maiores crises da Europa. Trinta dias depois de eu chegar na Europa, os resultados caíram para uma situação horrível e comecei a pensar: “Será que sou eu que não sei liderar? É a crise econômica? Ou é uma combinação?”. E o aprendizado veio disso.

Numa crise é necessário saber separar aquilo que você pode gerir do que é externo. Aprendi a nunca deixar a pressão de fora entrar na organização. Quando as coisas não estão dando certo, a única atitude que o líder pode tomar é deixar as pessoas fazerem aquilo que elas sabem e protegê-las para que elas continuem fazendo o melhor.

Você se inspira em alguém para liderar?
Eu sempre falo que aprendemos com os líderes bons e com os líderes ruins também. Mas eu me inspirei em uma pessoa que foi meu líder aqui na Dow. Ele me ensinou muita coisa e me deu muitas dicas. Uma vez ele me falou: “Quando vamos em algum cliente, você faz as coisas de uma forma completamente diferente do que eu faria, mas você leva o negócio para a conclusão certa, então eu tenho que fechar a boca”. Uso isso até hoje. As pessoas sempre vão fazer as coisas de uma maneira diferente da sua e você tem que ficar de longe para ver como elas se saem.

Que conselho você daria para quem está começando a carreira?
Duas coisas: uma é sempre manter um espírito empreendedor. Em uma empresa como a Dow, onde você tem muita liberdade, ninguém vai ficar falando o que você tem que fazer. Você tem que criar o tempo todo. E a segunda coisa é garantir que cada ano você consiga colocar uma linha nova dentro do seu currículo. Isso significa que você aprendeu uma coisa nova ou adquiriu uma nova experiência ou habilidade. No ano que você não consegue colocar uma linha nova no currículo, considere um ano perdido. Isso eu uso comigo mesmo até hoje, cada ano tem que ter uma coisa nova.

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