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O reitor de uma das melhores escolas de negócio dos EUA está preocupado

Em entrevista exclusiva a EXAME, o reitor da Fuqua School of Business confessa preocupação com a queda nas matrículas de estrangeiros nas escolas dos EUA

Por Camila Pati
Atualizado em 19 dez 2019, 16h09 - Publicado em 9 abr 2019, 06h00

São Paulo -Reitor da Fuqua School of Business, uma das melhores escolas de negócios dos Estados Unidos, William Boulding está seriamente preocupado com a queda nas matrículas de estudantes estrangeiros no país.

Apesar de não ser novidade, a diminuição no número de estudantes internacionais entrou em aceleração e pela primeira vez em 2018 as escolas de negócios mais famosas como Harvard, Stanford, Wharton e a Fuqua registraram queda.

Os dados são da pesquisa de 2018 realizada pelo Graduate Management Admission Council (GMAC), do qual Boulding é presidente do conselho e mostram que a queda é exclusividade do mercado estadunidense de pós-graduação na área de negócios.

Número de programas Matrículas de 2017 Matrículas em 2018 % alteração
38 97.177 105.754 8,80%
26 5.456 5.874 7,70%
68 37.293 38.493 3,20%
405 150.749 140.864 -6,60%

Entre os brasileiros, os Estados Unidos estão perdendo atratividade ao longo dos anos. Estatísticas também divulgadas pelo GMAC indicam os Estados Unidos poderão perder a preferência dos estudantes de pós-graduação na área de negócios e em cursos de MBA nos próximos anos:

País Destino preferido por % dos brasileiros  em 2014 Destino preferido por % dos brasileiros 2018
Estados Unidos 65% 48%
Reino Unido 7,60% 11,60%
Canadá 6,30% 11%
Espanha 2,80% 7,10%
Alemanha 3,50% 3,20%
Holanda 1,40% 3,20%
Portugal 0% 2,60%
China 0,70% 0%
Finlândia 0,70% 0%

“É assustador”, disse ele em entrevista exclusiva a EXAME, em São Paulo. A seguir confira os principais trechos da conversa em que ele explica quais são os fatores respondem pelo declínio dos Estados Unidos na atratividade de estudantes estrangeiros. Donald Trump, diz ele, é só parte do problema:

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EXAME: As estatísticas da pesquisa do GMAC mostram que entre 2014 e 2018 o interesse em estudar nos Estados Unidos caiu de 65% para 48% enquanto que o Canadá registrou aumento de atratividade de 6,3% para 11%. Em números absolutos e também percentualmente, os Estados Unidos continuam tendo maior peso no interesse dos estudantes. Qual é o seu real nível de preocupação?

Willian Boulding:  eu estou muito preocupado. Uma queda de 25% no interesse dos brasileiros em estudar nos Estados Unidos é enorme. E para o Canadá, o aumento é de quase 100%. Em números absolutos, sim, ainda há mais matrículas indo para os Estados Unidos. Mas, a tendência é muito ruim e isso é assustador.

EXAME: Ao Financial Times, você disse que o efeito Donald Trump explica em parte essa queda nas matrículas porque as políticas de imigração não começaram com ele. Por que as regras de imigração prejudicam imigrantes qualificados como os formandos de escolas de negócios?

Willian Boulding:  as políticas de imigração que podem ser desafiadoras para os estudantes de escolas de negócios não começaram com Donald Trump. Elas vêm de gestões anteriores tanto de democratas quanto de republicanos. Certamente não se pode culpá-lo e estou me referindo à realidade de que para arrumar um emprego depois da formatura e conseguir a permissão de trabalho você literalmente precisa ser sorteado, e as chances de ser sorteado são pequenas. Com isso, as empresas se sentem desestimuladas a dar suporte ao pedido de visto de trabalho porque há pouca chance de o profissional conseguir ficar. Elas teriam investido dinheiro e tempo tentando contratá-lo e no fim do dia teriam que dizer adeus. A consequência de ter que ser sorteado para ser elegível ao visto é que menos e menos empresas se sentem estimuladas a fazer ofertas de emprego aos formandos das escolas de negócios.  E isso não é culpa de Donald Trump.

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EXAME: Houve mudança recente nessa política de imigração na gestão Trump?

William Boulding: o presidente Donald Trump, na verdade, até facilitou o acesso de estudantes de MBA e estudantes de escolas de negócios ao visto de trabalho. Antes todos estavam na mesma ‘fila’ de visto, mas agora os estudantes de pós-graduação estão na frente. Com isso, a expectativa é que aumento no número de obtenções de visto especificamente para esse grupo.

EXAME: O número de matrículas nas escolas dos Estados Unidos está em tendência de queda faz tempo?

William Boulding: Nos últimos 10 anos menos e menos estudantes tem vindo para as escolas de negócios dos Estados Unidos. Mas o que aconteceu há um ano e está continuando a acontecer em 2019 é a aceleração desse declínio. E no ano passado, pela primeira vez, as matrículas caíram em todas melhores escolas dos Estados Unidos: Harvard, Stanford, Wharton, Chicago e Duke. Isso nunca tinha acontecido. Então, por que, de repente, ficou mais profunda a queda e nesse ano a queda é ainda maior do que no ano passado. São duas coisas: uma não tem nada a ver com Trump que são os efeitos de ciclo vicioso da dificuldade de conseguir a permissão de trabalho e depois da formatura e essa ideia de que as empresas não dar o suporte necessário para a obtenção do visto de trabalho. A segunda coisa está relacionada ao discurso ligado à questão da imigração.

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EXAME: O efeito Trump na queda de matrículas está ligado à retórica?

William Boulding: é menos a política de concessão de vistos e mais a retórica que faz com que as pessoas não se sintam bem-vindas nos Estados Unidos. São as coisas que estão sendo ditas que fazem com que as pessoas tomem a imigração como um tema sem a separação entre imigração ilegal de imigração por mérito. E fica pior: dada a força desse discurso e a violência que temos visto nos Estados Unidos, olhando dados fornecidos pelo  GMAC  vemos que que o motivo número de as pessoas não se matricularem nos Estados Unidos  é a falta de permissão para trabalhar e poder ficar no país e a segunda razão é a preocupação coma segurança: 40%  dos estudantes que decidiram não escolher os Estados Unidos temem pela sua segurança pessoal. É um número enorme e isso para mim é horrível e chocante.

EXAME: As matrículas nas escolas de negócios da Europa e da Ásia estão crescendo. Há algo que essas escolas estão fazendo que as escolas americanas, não?

William Boulding: a realidade é que a pós-graduação na área de negócios está em crescimento em todos os lugares do mundo, exceto nos Estados Unidos. E não é só a política de imigração responsável pela queda nesses números. Os Estados Unidos tinham de longe a maior participação no mercado, mas, agora há opções de alta qualidade em outros lugares do mundo. As pessoas também estão ficando mais em seus países para estudar mais do que ficavam antes.  Mas, as escolas de negócios de língua inglesa no Canadá, no Reino Unido e na Austrália viram um crescimento enorme no número de matrículas porque elas são mais abertas às pessoas de fora de seus países.

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EXAME: É mais fácil conseguir ficar e trabalhar nesses países…

William Boulding: Correto. Agora, o que não sabemos o que vai acontecer depois do Brexit. Mas, se você for ao Canadá, por exemplo, com o seu diploma de pós-graduação você é automaticamente convidado a ficar e a trabalhar no país, porque eles entendem que atrair talentos é benéfico.

EXAME: o que tem sido feito pela Fuqua School of Business para atrair mais estrangeiros?

William Boulding:  introduzimos programas que tenham a designação STEM – sigla, em inglês, usada para designar as disciplinas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática.  Os programas que têm essa designação, que tem que ser dada pelo governo, dão aos alunos com visto de estudante a permissão de trabalho por, no mínimo, três anos nos Estados Unidos. Como isso é pelo visto de estudante, as empresas têm mais interesse em contratar já que não há o risco do sorteio e eles sabem que podem ter o funcionário por ao menos três anos, contanto que o trabalho esteja relacionado à área de estudo. Por isso estão contratando nossos estudantes. No nosso programa de MBA nós temos agora essa opção, se o aluno cumprir os requisitos e fizer alguns cursos relacionados a tecnologia e gestão.

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Temos um outro programa que não é um MBA, mas é um programa com a designação STEM na área de busisness analytics voltado para universitários recém-formados sem experiência de trabalho.  Dura um ano e coloca os alunos na dianteira de temas como inteligência artificial, machine learning, big data, contexto de negócios e trabalho em equipe. A primeira turma se formou em maio do ano passado e a turma de alunos teve sucesso na busca de emprego nos Estados Unidos.

EXAME: há ações das escolas de negócios que estão sendo tomadas em conjunto para atrair estrangeiros?

William Boulding: como presidente do conselho do GMAC estamos trabalhando para publicar um documento com pesquisa que mostre os benefícios da imigração. Isso porque há tanta retórica em volta de imigração com a ideia de que a pessoas estão roubando os empregos dos residentes. Você vê isso sendo propagado não só nos Estados Unidos, mas em outros lugares do mundo. Mas a realidade é muito diferente: os imigrantes criam oportunidades de emprego. O primeiro passo é publicar pesquisas que documentem os benefícios da imigração e então iremos aos responsáveis pelas políticas de imigração.

EXAME: Você vai levar o tema da diversidade ao presidente?

William Boulding: quando o presidente Trump pensa no legado que quer deixar eu acho que ele quer ser conhecido como o mais amigável presidente para ambiente de negócios de toda a história dos Estados Unidos. E se ele quer deixar esse legado ele deveria ouvir essas ideias sobre reforma nas regras de imigração e sobre o valor da diversidade como motor da inovação.

 

 

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