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O que é a intuição? Os mistérios do inconsciente são o tema deste livro

Na obra, recém-lançada no Brasil, autor mostra que a estranha sensação da intuição é a chave para desvendar a maneira como pensamos, sentimos e agimos

Por da Redação
Atualizado em 9 jun 2020, 06h00 - Publicado em 9 jun 2020, 06h00

Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 263, em 08 de abril de 2020. 

O que é a intuição? Essa é uma das perguntas que John Bargh, psicólogo social e professor de psicologia na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, procura responder em seu novo livro, O Cérebro Intuitivo. Na obra, recém-lançada no Brasil, ele mostra por exemplo que essa sensação difícil de explicar é a chave para desvendar a maneira como pensamos, sentimos e agimos.

À frente do Laboratório Acme (sigla em inglês para automaticidade em cognição, motivação e avaliação), centro de pesquisa que estuda influências do inconsciente no comportamento humano, John demonstra ao longo de quase 400 páginas de que maneira nossos relacionamentos, motivações, escolhas e emoções são influenciados por mecanismos mentais muitas vezes alheios à própria consciência.

No trecho a seguir, divulgado com exclusividade por VOCÊ S/A, o autor apresenta as contribuições do naturalista inglês Charles Darwin para o entendimento de nossas expressões emocionais.

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TRECHO DO LIVRO

Capítulo 1O passado está sempre presente 

Outro traço evolutivo que nos ajudou a sobreviver e ter segurança física é de natureza inerentemente social: as emoções espontâneas e involuntárias que experimentamos e expressamos para os outros. Elas foram o foco da terceira grande obra de Darwin sobre a evolução, A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, sua poderosa continuação para A Origem das Espécies e A Descendência do Homem e a Seleção Sexual. Esse terceiro livro tratou da vida social humana, porque Darwin acreditava que nossas emoções evoluem para nos ajudar a transmitir uns aos outros informações importantes sobre segurança e doença, e essa cooperação e o compartilhamento são partes de nossa natureza humana maior.

Em algum momento no final da década de 1860 ou no início dos anos 1870, Darwin convidou 20 amigos e conhecidos para ir à sua casa, em Kent, na Inglaterra, a fim de assistir à projeção de uma série de slides fotográficos. Darwin havia trocado cartas com um médico francês chamado Guillaume-Benjamin-Amand Duchenne, que estava convencido de que os humanos demonstravam 60 estados emocionais diferentes mediante expressões faciais relacionadas a músculos específicos. Numa tentativa um tanto grotesca de confirmar sua teoria, Duchenne fotografou pessoas em cujo rosto aplicou leves choques a fim de ativar os músculos. As imagens, em tons de sépia, eram estranhas e caricatas, mas as expressões, radicalmente diferentes umas das outras, tinham toda a aparência familiar das emoções do dia a dia.

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Pensador sempre dotado de uma elegante lucidez, Darwin discordou da teoria de Duchenne. Examinando os slides ele concluiu que na verdade os músculos faciais humanos e as emoções se combinavam para representar apenas seis estados fundamentais, produzidos pelo mosaico completo dos músculos faciais, e não sessenta estados diferentes associados aos distintos grupos de músculos. (…)

Darwin apresentou 11 dos slides de Duchenne às pessoas que tinha convidado para ir à sua casa e lhes perguntou que emoções representava cada um deles. Sem quaisquer predisposições ou sugestões que distorcessem suas percepções, eles concordaram com Darwin, classificando os slides em apenas um punhado de estados emocionais universais, como medo e felicidade. Isso pareceu confirmar a teoria de que certas emoções vêm como equipamento de fábrica, dentro da mente e do corpo humanos.

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Inexplicavelmente (e infelizmente), durante quase um século inteiro depois de Darwin publicar seu livro sobre emoções, as ciências psicológicas fizeram quase nada com seus achados. E então, em 1969, Paul ­Ekman e seus colegas publicaram um trabalho inovador que tanto ratificava quanto expandia as ideias de Darwin. Após coletar uma impressionante quantidade de dados de cada canto do mundo, ­Ekman e Wallace V. Friesen demonstraram que não só os tipos básicos de emoção humana eram universais como também suas manifestações.

Em culturas ao redor do mundo — mesmo naquelas primitivas que tinham existido isoladas do resto de nós durante vários milhares de anos —, nós demonstrávamos as mesmas emoções usando os mesmos músculos faciais e as mesmas expressões. Aonde quer que os pesquisadores fossem, a raiva era expressa com os mesmos dentes arreganhados e as mesmas sobrancelhas franzidas, e todos sabiam que quem tinha essa expressão no rosto sentia raiva. O mesmo valia para a felicidade e outras emoções basilares. Darwin tinha razão.

Como Darwin continuou a teorizar em seu livro, nossa espécie evoluiu para tanto sentir quanto expressar emoções de forma automática e involuntária, porque esses dois comportamentos nos ajudavam a sobreviver. Darwin compreendeu que não escolhemos ter determinadas emoções, e sim que elas ocorrem em nós inconscientemente. (Nós nunca optaríamos por sentir ansiedade ou preocupação, mas essas emoções exercem funções úteis ao nos despertar para fazer algo a respeito de um problema antes que seja tarde demais.)

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Darwin reconheceu que as pessoas também podem, voluntária e conscientemente, expressar emoções de várias maneiras, e até fingi-las. Podemos tentar parecer satisfeitos e felizes ao ganhar um presente que achamos detestável (digamos, uma caneca de café engraçada com o formato de uma privada) e podemos, na maioria das vezes, esconder nosso regozijo durante o épico fracasso de nosso rival no escritório em sua infeliz apresentação na sala de reuniões. Mesmo assim, Darwin acreditava que nossas emoções eram mais bem expressas, inconscientemente, e que elas extravasavam, apesar de nossas tentativas de controlá-las. (…)

Acima de tudo, observou Darwin, nossas expressões emocionais involuntárias têm uma importante função de comunicação com as pessoas que nos cercam — de que existe algo a temer, como beber esta água ou comer aquela fruta —, e para que essa informação seja válida, a expressão emocional tem de ser em grande medida automática e involuntária. Essa explicação das expressões faciais nos leva a outro componente fundamental e inato dos impulsos humanos de sobreviver e se reproduzir que temos inconscientemente, mesmo na primeira infância, à medida que construímos nossas ligações sociais: a cooperação de uns para com os outros.

Nossas expressões emocionais constituem o meio original pelo qual os humanos compartilhavam entre si informações sobre o estado do mundo. (…)

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Se a cooperação é uma tendência motivacional evoluída — com a finalidade máxima de garantir nossa sobrevivência, assim como comer e respirar —, então ela deveria estar presente nas crianças pequenas, mesmo antes de elas terem experiência de vida suficiente para desenvolvê-la por si mesmas. Para testar se nossas tendências para a cooperação são inatas, Harriet Over e Malinda Carpenter, pesquisadoras no Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, em Leipzig, na Alemanha, reuniram sessenta crianças com 18 meses, para as quais sua assistente mostrou, uma a uma, um conjunto de oito fotos coloridas de objetos comuns em casa (…). Os pesquisadores previam que as crianças às quais tinha-se mostrado as duas bonecas amistosas iam cooperar com o experimento mais do que as outras, porque a amizade entre as duas bonecas seria a deixa para a motivação inata na evolução humana para ajudar e cooperar. Em todas as outras situações do experimento não havia esse ingrediente-chave das duas bonecas amigas.

Após uma assistente ter mostrado a uma criança as oito fotos coloridas, o experimentador vinha brincar com ela, trazendo algumas varetas de madeira, que fingia deixar cair sem querer. Esperava então dez segundos para ver se a criança ia ajudar espontaneamente, sem precisar que o experimentador lhe pedisse. Os resultados foram bem claros: 60% das crianças que tinham recebido a imagem das bonecas amigas se levantaram por sua própria iniciativa para ajudar o experimentador a pegar as varetas, comparadas com 20% das que tinham recebido outras imagens.

Esse estudo assinala vários aspectos importantes. Primeiro, que mesmo uma criança com apenas 18 meses irá ajudar espontaneamente, sem que alguém lhe peça, o que é consistente com a noção de Darwin e de Tomasello de que nascemos para cooperar. Segundo, essas crianças não ajudariam em qualquer situação, mas apenas quando a ideia de um laço pessoal ou de confiança estivesse ativo em suas mentes (no caso, causada por terem visto duas bonecas numa relação de amizade). Na vida normal, fora do laboratório, a ideia de confiança e amizade estaria ativa quando estivessem com pessoas que amassem e em quem confiassem, como os membros de suas famílias. Terceiro, tanto a deixa da amizade quanto o objetivo de cooperar agem inconscientemente. Eles estavam lá, num detalhe sutil, no fundo, e não como o principal elemento da fotografia. Mesmo assim, a presença dessas duas bonecas amigas no canto das figuras fora suficiente para inconscientemente sugerir a ideia de laços sociais nas crianças, e essa deixa para a confiança e a amizade foi o portal que levou a seu comportamento cooperativo espontâneo.

Às vezes, portanto, uma tendência inata ou evoluída não se manifesta em nossa vida a troco de nada. Nós cooperamos, sim, mas apenas com pessoas nas quais sentimos que podemos confiar. Isso faz muito sentido no aspecto adaptativo, pois poderia haver quem se aproveitasse de nós (como acontece muitas vezes) se confiássemos cegamente em todos e cooperássemos com qualquer um. Aprender e saber em quem podemos ou não confiar é uma de nossas grandes tarefas na vida, e como demonstra o estudo de Over e Carpenter com as crianças de dezoito meses, já começamos a fazer essas escolhas pouco depois de nascer.

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