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Estas são as frases que as mulheres não aguentam mais ouvir no trabalho

O machismo é o preconceito mais presente no Brasil. Para combater o problema, as empresas precisam se envolver nessa discussão

Por Débora Crivellaro, da VOCÊ S/A
Atualizado em 20 dez 2019, 12h28 - Publicado em 8 mar 2019, 10h00

“Você está de TPM?” “Não vai começar a chorar, hein?” “A maternidade atrasa a carreira.” Essas são algumas das afirmações que muitas profissionais já ouviram em seu trabalho, de acordo com o levantamento da reportagem de VOCÊ S/A e de Angela Christina Lucas, que ouviu mulheres e executivos de RH durante sua tese sobre o papel dessa área na desigualdade de gênero nas empresas, apresentada para a Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo, em 2015.

Para alguns, essas frases não têm nada de mais. E esse pensamento comprova que existe machismo, mesmo que invisível. “Isso transforma o ambiente organizacional num lugar que desrespeita e afasta as mulheres, além de causar danos físicos e psicológicos nas situações mais graves”, afirma Angela, que também é professora no Centro Universitário FEI, de São Paulo.

Ouvir coisas como essas todos os dias — seja direcionadas para si própria, seja para as colegas — é, no mínimo, cansativo e pode levar a um quadro de assédio moral ou sexual. Afinal, o constrangimento não é de quem fala, mas de quem escuta. “Apenas quem é constrangido pode dizer se se sente desrespeitado ou não”, afirma Marina Ruzzi, do escritório de advocacia Braga e Ruzzi, voltado para mulheres, de São Paulo.

Brincadeiras nada inocentes 

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O problema é que mudar isso não é simples, pois essas “gracinhas” estão arraigadas na sociedade brasileira. Uma pesquisa de 2017, realizada em parceria entre a Skol e o Ibope com 2 002 pessoas, revelou que o preconceito mais presente é mesmo o machismo. De acordo com o levantamento, 66% dos homens já disseram frases sexistas e 57% das mulheres fizeram comentários assim. A mais usada é: “Mulher tem de se dar ao respeito”.

Nas empresas, esse comportamento é traduzido em brincadeiras e pretensos elogios, que, para a maioria das pro­fis­sio­nais, são interpretados como assédio. Em sua tese, Angela ouviu o seguinte depoimento: “Eu era estagiária e, além de ter a questão do cargo, tinha o fator gênero: era a única mulher em reuniões ao lado de vários gestores homens. Invariavelmente, um diretor fazia uma piada sexista e olhava para mim. Todo mundo ria”.

O machismo não é necessariamente uma conduta jurídica. O que se pode denunciar são os casos de assédio moral e assédio sexual. “Só que, quando as mulheres chegam a nós, já foram punidas por sua empresa”, afirma Ana Paula Braga, sócia no escritório Braga e Ruzzi. Na prática, o que mais ocorre é a assediada ter de pedir demissão por não aguentar mais o constrangimento constante.

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Foi o que aconteceu com A.M., de 32 anos, que pediu para não ter seu nome revelado. Há oito anos, ela era coordenadora do setor de contact center de uma empresa que prestava serviços para um grupo de telefonia, e seu calvário começou com singelos, mas insistentes, “bom dia” do gerente de atendimento.

“No início, reparei que ele era mais gentil comigo do que com meus colegas. Fazia questão de passar na minha mesa para me cumprimentar”, diz. Mesmo depois de A.M. ter se negado a passar o número de seu telefone pessoal ao chefe, o gestor continuou insistindo. “Ele usava o assistente como ponte. Por meio do interlocutor, pedia para tomar alguma coisa com ele fora do trabalho. Ficava me olhando insistentemente”, afirma.

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Cansada da situação, ela resolveu falar com o diretor, que nada fez, dizendo que não era de sua competência. Por suas negativas, a profissional recebeu o apelido de “Sandy”, em referência à cantora conhecida por ser recatada. “O pessoal só fazia piada e me dizia para ‘resolver’ o problema do chefe. Denunciei ao RH, que também não fez nada. Depois de cinco meses, pedi demissão”, afirma.

(Sérgio Bergocce/VOCÊ S/A)

Formando aliados

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Para que casos como o de A.M. deixem de acontecer, as empresas precisam atuar no combate ao machismo. Que é o que faz, desde 2014, a Braskem, indústria química na qual 78% do quadro é formado por homens.

Tudo começou com uma ação simples, mas efetiva: construir 55 banheiros femininos dentro das fábricas. “As funcionárias tinham de andar 2 quilômetros para usar o sanitário”, diz Camila Dantas, diretora de pessoas e organização da Braskem. Mas não foi somente isso.

O que realmente faz a diferença na luta pela igualdade é ouvir o que as funcionárias têm a dizer por meio de grupos de discussão sobre questões femininas — o que ajuda os colegas e os líderes a repensar comportamentos. “Num dos encontros, as participantes disseram que não queriam ser ‘preservadas’ na volta da licença-maternidade, desejavam ser tratadas como eram antes”, afirma Camila.

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Esse assunto vem à tona porque cuidar do novo bebê ainda é visto por várias pessoas como de responsabilidade da mulher — embora já existam empresas instituindo licença-paternidade mais longa.

É o caso do Google, em que os pais podem ficar até três meses fora após o nascimento do filho; e da Zurich Seguros, na qual a licença estendida de 20 dias para eles e seis meses para elas foi implementada após a discussão do assunto no grupo de mulheres da companhia.

Mas esses exemplos ainda são incipientes no Brasil. Tanto que, em sua tese, Angela ouviu o seguinte depoimento: “Três coordenadoras saíram de licença-maternidade. As três foram desligadas quando voltaram, inclusive eu”.

Por isso é essencial tratar as mulheres, sejam elas mães ou não, de igual para igual. “O RH tem de trazer a questão à tona. Conheço companhias que contrataram mulheres grávidas e outras que as promoveram durante a licença-maternidade”, afirma Rodrigo Vianna, diretor da Talenses, consultoria de recrutamento executivo.

Só que a questão não pode ficar restrita a apenas uma área. “Para combater a desigualdade é preciso que os presidentes das empresas entendam a relevância desse assunto, porque o impacto de sua voz é muito maior do que apenas uma área tentando implantar uma política”, afirma Rodrigo.

*Matéria originalmente publicada na edição 238 da VOCÊ S/A

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