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Um compositor e um neurocientista desvendam a criatividade neste livro

Na obra Como o Cérebro Cria, David Eagleman e Anthony K. Brandt respondem a pergunta: “de onde vem nossa criatividade?”. Leia trecho inédito

Por da Redação
Atualizado em 19 abr 2020, 10h00 - Publicado em 19 abr 2020, 10h00

Sobre o que um compositor e um neurocientista poderiam escrever em conjunto? Sobre criatividade, claro!

Autor de outros seis títulos que abordam os mistérios do cérebro humano e apresentador de séries e documentários, o neurocientista David Eagleman se juntou ao professor de composição e teoria musical Anthony K. Brandt para investigar como indivíduos e organizações podem melhorar o futuro por meio da inovação.

Em Como o Cérebro Cria, a dupla explora a temática com base em perguntas simples, como “de onde vem nossa criatividade?”. No trecho a seguir, os autores falam dos vínculos nostálgicos que, embora nos remetam ao passado, nos fazem pensar no futuro.

Trecho do livro

Capítulo 1 — Inovar é humano

Ponto de equilíbrio

O cérebro procura um equilíbrio entre aproveitar o conhecimento adquirido e explorar novas possibilidades. Essa é sempre uma negociação complicada. Suponhamos que você precise decidir em qual restaurante almoçar. Seria melhor ir ao predileto de sempre ou tentar algo novo? Se escolher o lugar conhecido, estará aproveitando o conhecimento que obteve em experiências anteriores. Se preferir um salto culinário no escuro, estará explorando opções ainda não testadas.

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Os seres do reino animal costumam chegar a um meio-termo. Se você aprendeu com a experiência que debaixo das pedras vermelhas há larvas e debaixo das azuis não há nada, precisa aproveitar esse conhecimento. Mas pode ser que um dia você não encontre larva nenhuma ali, seja por causa de seca, incêndio ou outros animais caçando na região. As regras do mundo raramente permanecem as mesmas por muito tempo, e é por isso que os animais precisam pegar o que aprenderam (“As pedras vermelhas escondem larvas”) e alternar isso com tentativas de novas descobertas (“O que haverá debaixo dessas pedras azuis?”).

É por isso que um animal passa a maior parte do tempo procurando debaixo das pedras vermelhas, mas não o tempo todo. Ele vai dedicar algum tempo a procurar debaixo das azuis, mesmo tendo feito buscas infrutíferas ali no passado. Continuará explorando. Vai dedicar algum tempo a procurar também debaixo das pedras amarelas, nos troncos e no rio, porque nunca se sabe de onde virá a próxima refeição. No reino animal, o conhecimento adquirido a duras penas é contrabalançado por novas buscas.

 

No decorrer de seu desenvolvimento ao longo das eras, o cérebro chegou a um meio-termo entre aproveitamento e exploração que equilibra flexibilidade e rigor. Queremos que o mundo seja previsível, mas não previsível demais, e é por isso que penteados não param de mudar, nem bicicletas, estádios, fontes, literatura, moda, cinema, cozinhas ou carros. Nossas criações podem se parecer muito com o que veio antes, mas se transformam. Com previsibilidade demais, não prestamos atenção; com surpresa demais, ficamos desorientados. Como veremos nos próximos capítulos, a criatividade existe nessa tensão.

O meio-termo entre aproveitamento e exploração também explica por que nosso mundo é tão densamente povoado de esqueumorfos: características que imitam o design daquilo que veio antes. Quando o iPad foi lançado, por exemplo, ele apresentava uma estante “de madeira” com “livros”, e os programadores deram duro para fazer as “páginas” virarem quando alguém passa o dedo na tela. Por que não simplesmente redefinir um livro para a era digital? Porque isso não deixaria os usuários à vontade; eles queriam uma ligação com o que veio antes.

Mesmo quando passamos de uma tecnologia para outra, mantemos laços com o velho, deixando uma trilha clara entre aquilo que era e aquilo que é. No Apple Watch, a “coroa digital” se parece com a coroa mecânica usada para acertar os ponteiros e dar corda num relógio analógico. Numa entrevista para a revista The New Yorker, o designer Jonathan Ive explicou que tinha posto a coroa um pouco para cima a fim de que parecesse “estranhamente familiar”. Se estivesse centralizada, os usuários achariam que ela desempenharia sua função original; se tivesse sido eliminada, o relógio não se pareceria o suficiente com um.

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Nossos smartphones estão cheios de esqueumorfos. Para fazer uma ligação, tocamos no ícone com um fone antigo, com receptor e transmissor — um perfil que sumiu do panorama tecnológico há muito tempo. Quando a câmera do seu celular é acionada, ouve-se um arquivo sonoro que imita o obturador, embora as câmeras digitais não tenham obturador. Apagamos arquivos inúteis arrastando-os para a “lixeira”. Salvamos arquivos clicando na imagem de um disquete — um artefato que já seguiu o caminho do mastodonte. Compramos artigos online colocando-os num “carrinho”. Esses vínculos criam uma transição suave do passado para o presente. Mesmo a tecnologia mais moderna está presa à sua história por um cordão umbilical.

Um meio-termo entre aproveitamento e exploração não é exclusividade dos seres humanos. No entanto, enquanto gerações de esquilos fuçaram diferentes arbustos, os humanos dominaram o planeta com sua tecnologia. Portanto, existe algo de muito especial no cérebro humano. O que será? (…)

Simulando o(s) futuro(s)

O número gigantesco de células cerebrais interpostas entre o estímulo e a ação contribui de maneira decisiva para a enorme criatividade de nossa espécie. É o que nos permite analisar possibilidades além daquelas diante de nós. E nisso reside grande parte da magia do cérebro humano: simulamos cenários incansavelmente. (…)

Desde cedo somos atraídos para simulações de futuro: fazer de conta é uma característica universal do desenvolvimento humano. A mente de uma criança está repleta de sonhos de ser presidente, hibernar a caminho de Marte ou dar um salto-mortal heroico durante um tiroteio. Fazer de conta permite que a criança visualize novas possibilidades e adquira conhecimento sobre seus arredores.

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Durante o crescimento, simulamos o futuro cada vez que analisamos alternativas ou imaginamos o que aconteceria se escolhêssemos outro caminho. Ao comprar uma casa, escolher uma faculdade, avaliar um possível parceiro ou investir no mercado financeiro, estamos aceitando que a maior parte do que cogitamos pode estar errada ou nunca acontecer. Futuros pais se perguntam: “Será menino ou menina?”. Mesmo sem saber, discutem nomes, roupas, decoração do quarto e brinquedos. Pinguins, cavalos, coalas e girafas têm apenas uma cria por vez, mas não se vê nenhuma dessas espécies ruminando o assunto como fazem os seres humanos.

Indagar “e se…?” está tão arraigado em nossa experiência diária que é fácil esquecer que se trata de um exercício imaginativo. Especulamos interminavelmente como as coisas poderiam ter sido, e a linguagem tem por objetivo facilitar a comunicação aos outros de nossas simulações. Se você tivesse ido àquela festa, teria se divertido. Se tivesse aceitado aquele emprego, estaria bem de vida hoje em dia — mas infeliz. Se o técnico tivesse substituído o atacante, o time teria ganhado o jogo. A esperança é uma forma de especulação criativa: imaginamos o mundo como gostaríamos que ele fosse, e não como ele é. Sem perceber, passamos grande parte da vida no campo das hipóteses.

Simular futuros nos dá segurança: ensaiamos mentalmente nossas atitudes antes de executá-las no mundo real. Como disse o filósofo Karl Popper, nossa capacidade de simular futuros possíveis “permite que nossas hipóteses morram em nosso lugar”. Rodamos uma simulação do futuro (“O que aconteceria se eu caísse nesse despenhadeiro?”) e ajustamos nosso comportamento (“Dê um passo para trás”).

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Mas, além de servirem para nos manter vivos, essas ferramentas mentais são usadas para criar mundos que não existem. Essas realidades alternativas são as vastas planícies onde nossa imaginação faz sua colheita.

Fazer de conta colocou Einstein num elevador no espaço para entender o tempo. Carregou Jonathan Swift a ilhas de gigantes e de minúsculos liliputianos. Levou Philip K. Dick a um mundo onde os nazistas venceram a Segunda Guerra Mundial. Permitiu que Shakespeare entrasse na mente de Júlio César. Transportou Alfred Wegener a uma época em que os continentes estavam unidos. Permitiu que Darwin testemunhasse a origem das espécies. Nosso dom para a simulação abre novos caminhos para trilharmos. O magnata dos negócios Richard Branson fundou mais de 100 empresas, inclusive uma linha de transporte espacial que levaria passageiros para fora da atmosfera terrestre. A que ele atribui esse talento para o empreendedorismo? À sua capacidade de imaginar futuros possíveis.

E há mais um fator que liga o turbopropulsor da criatividade, algo externo ao nosso cérebro. O cérebro de outras pessoas.

(Como o cérebro cria/VOCÊ S/A)

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